A DIMENSÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL

Eliana Aparecida Palu Rodrigues*
* Assistente Social - Serviço Social HURNP

RESUMO

Este trabalho consiste na análise da violência contra crianças e adolescentes através de dados específicos coletados num hospital, objetivando situá-la no contexto social mais amplo, abordando os aspectos sociais, econômicos, jurídicos, culturais e políticos relacionados à questão da violência infanto-juvenil. A metodologia utilizada para análise fundamentou na relação universal/particular, que permitiu compreender determinações mais aprofundadas pertinentes à questão da violência, visualizando dados concretos de uma realidade específica. Constatou-se a predominância da violência intra familiar interrelacionada com a violência estrutural em um contexto sócio-ecônomico e cultural desigual e injusto.

Palavras-chaves: Violência infanto-juvenil; Violência doméstica ou intrafamiliar; Direitos; Estatuto da Criança e do Adolescente.


INTRODUÇÃO

O estudo da violência praticada contra crianças e adolescentes atendidos pelo HURNP partiu de uma pesquisa empírica e análise documental de dados dos prontuários dos usuários deste serviço de saúde, bem como de dados fornecidos pelo Conselho Tutelar de Londrina - Pr.

A sua elaboração surgiu com a preparação de uma palestra proferida na Reunião Cientifíca da Pediatria, organizada pela área de Medicina, em 18/05/99, onde foi solicitado referências sobre a Abordagem Social da Criança Vítima de Abuso.

Para tanto, foi analisado a questão da violência infanto-juvenil e a prática de Serviço Social do HURNP frente a esta questão, fazendo referências a falta de articulação entre os diferentes profissionais envolvidos neste trabalho, objetivando aprofundá-la e definir novas formas de enfrentamento da mesma no cotidiano hospitalar, numa perspectiva interdisciplinar.

A violência infanto-juvenil é um fenômeno mundial e, para compreendê-la, é preciso contextualizá-la, ou seja, visualizando-a no contexto de uma sociedade específica, reconhecendo que toda violência é social, histórica e envolve determinantes econômicos, jurídicos, políticos e tem influências culturais.

Ao analisar a realidade estrutural da década de 70 e 80, Guerra e Azevedo (1998 p.23) referem que houve uma estagnação do crescimento econômico, crise conjuntural e agravamento da situação de pobreza estrutural. Acrescenta que a modernidade capitalista apresenta a nova marca da globalização dos negócios e das relações de poder. Cita que estamos frente a frente com um capitalismo transnacionalizado, movido por processos tecnológicos, avançados, informatizados, robotizado, altamente competitivo que vem trazendo em seu bojo a desindustrialização, a perda de mercados pelos países pobres, o desemprego massivo. Como consequência haverá maior concentração de riqueza, o aumento da pobreza e a exclusão de países da periferia na competividade própria a esta modernidade capitalista.

Exemplificando, faz a citação de Bird (1992) que aponta “... os 20% da população mais rica do mundo detêm 82,7% da renda produzida e os 20% mais pobres recebem 1,4% desta renda. Os 20% mais pobres da América Latina tem 4% da renda subcontinental e os 20% mais pobres do Brasil tem 2,1% da renda nacional.”

O Brasil é uma sociedade marcada pela dominação de classe e por profunda desigualdade na distribuição da riqueza social, possibilitando a violência estrutural que atinge grande parcela de crianças e adolescentes, conduzindo-os a uma vida indigna em termos de alimentação, habitação, escolarização, exploração de sua mão-de-obra, tortura e extermínio.

Segundo dados do Informe Epidemeológico do S.U.S., 1997, o Brasil é exemplo de desigualdade, de injustiça e exclusão pois mais de 2/3 da população não dispõe de renda suficiente para assegurar o acesso às condições de respeito aos direitos fundamentais, 32 milhões de brasileiros passam fome e sessenta, em cada mil crianças que nascem, morrem antes de completar um ano de vida.

Guerra e Azevedo (1997 p 232 - 233) cita que a infância vítima de violência estrutural compreende o contingente social de crianças e adolescentes “que se encontram em situação de risco pessoal e social, daqueles que se encontram em situações especialmente difíceis, ou, ainda, daqueles que por omissão ou transgressão da família, da sociedade e do Estado estejam sendo violados em seus direitos básicos”.(Fórum-D.C.A., 1989).

Estas autoras classificam a Infância vítima de violência em:

- pobre: vítima da violência social mais ampla (incluem-se menores carentes, abandonados e infratores).

- explorada: vítima da violência no trabalho (crianças que procuram sobreviver através do mercado formal e informal de trabalho).

- torturada: vítima da violência institucional (crianças vítimas de maus tratos quanto à assistência, repressão e tratamento em instituições).

- fracasssada: vítima da violência escolar (exclusão do processo de escolarização através da dificuldade de acesso, de reprovação e repetência e da evasão escolar).

- vitimizada: vítima da violência doméstica (pertinentes às relações interpessoais adulto-criança).

O dever de proteção por parte da família, da sociedade e do Estado já foi reconhecido anteriormente, a nível internacional, em 1966, pela aprovação do Pacto de Direitos Cívis e Políticos, pelas Nações Unidas, pois os Estados-Membros reconhecem que: “Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de raça, sexo, cor, idioma, religião, origem nacional ou social, posição ecônomica ou de nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado” (Artigo 24).

A nível nacional, a Constituição Brasileira de 1988, prevê: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Artigo 277).

Apesar da responsabilidade em dar proteção à criança, “o primeiro lugar onde a violência explode, quando o país vai mal, é dentro de casa” (Dias, 1993, p. 23).

A família tem importância reconhecida por todas as sociedades, no entanto, “além de todas as suas funções positivas, tem sido o espaço de hierarquia e da subordinação e a violência intrafamiliar tem gerado sofrimento para aqueles que a ela estão submetidos, particularmente mulheres e crianças...” (Barsted, 1998, p. - 3).

Nesse sentido, a Constituição Brasileira, também prevê: “ O Estado assegurará a assistência a família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibira violência no âmbito de suas relações” (artigo 266, p.8).

A crise que a família enfrenta hoje é reflexo de inúmeros processos como “as migrações internas e os deslocamentos populacionais provocados pelas guerras, a violência urbana, a pobreza, as políticas de ajuste ecônomico, o desemprego, o esgarçamento da solidariedade entre seus membros, dentre outros” (Barsted, 1998, p - 4).

Esta autora, acrescenta que “ a família tem sentido o impacto de mudanças culturais, legais, sociais e econômicas, que redefiniram os tradicionais papéis de gênero” (Bardest, 1998, p - 4).

Crianças não se dicotomizam apenas em vítimas e culpados, mas são representantes de um modo violento de viver. A opressão imposta à criança ou adolescente reproduz um pouco a opressão que este adulto enfrenta em sua vida dária, pela violência maior que a sociedade lhe impõe.

Neste estudo, enfocaremos a violência doméstica ou intrafamiliar, pelo fato de percebermos sua predominância no atendimento hospitalar.

A violência doméstica, além de determinantes estruturais, é de natureza interpessoal, faz parte de um contexto de relacionamento adulto/criança, ocorre com mais ou menos intensidade em todos os níveis sócio-econômicos e culturais. Acontece em todos os lugares independente de culturas, raças, credos ou situação ecônomica.

Bater em uma criança é um hábito universal, considerado pela maioria, como uma forma de educar, um direito dos pais, não como violência, sendo um reflexo do pátrio poder, havendo negação da face violenta da família.

Conforme definição de Guerra e Azevedo (1998 p. 32) “ A violência doméstica representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima implica, de um lado, uma transgressão do poder/ dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças a adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”.

A violência contra criança e adolescente no decorrer da história recebeu diferentes denominações como: maltrato, abuso, vitimização, “síndrome da criança espancada”, “síndrome do crescimento prejudicado por causa não orgânica”, exploração, opressão, etc.

Farinatti (1992 p - 684) classifica a violência intrafamiliar em:

- maus tratos físicos - exteriorizados através de lesões orgânicas;

- maus tratos psicológicos - atingem a integridade emocional da criança;

- abuso sexual - uso da criança para gratificação sexual de um adulto e que fere os tabus sociais e familiares;

- negligência - são atos de omissão de cuidados e de proteção da criança contra agravos evitáveis(prover necessidades físicas e emocionais);

- síndrome de munchhausem por procuração - no qual o adulto inventa sintomas que levem a múltiplas investigações e intervenções desnecessárias e danosas à criança.

Minayo (1994, p - 79) exemplifica a violência psicológica como abandono (não só por doação, mas também pela ausência de demonstração de proteção), o estímulo a competitividade (pressão para desenvolvimento pessoal melhor, excesso de atividades), rejeição (depreciação, não aceitação de valores e negação de suas necessidade), isolamento (afastamento de experiências sociais habituais à sua idade), aterrorização (instauram um clima de medo-agressão verbal) e não estímulo ao crescimento emocional e intelectual descuidando do desempenho escolar e de desejo de novas atividades.

Segundo Minayo, este tipo de violência é mais comum em famílias de maior poder aquisitivo, porém na classe média, a violência quase nunca é denunciada ou divulgada reveste-se de caráter sigiloso porque ocorre na esfera do privado e nem sempre é percebido pelos pais.

Entre a população pobre a violência é mais revelada e existe maior acesso dos pesquisadores, por isso é mais denunciada.

Apesar da violência contra a criança e o adolescente o ser um fenômeno que existe desde a antiguidade, sendo que no Brasil as raízes remontam ao passado colonial , somente a partir da década de 60, com os movimentos populares houve uma “re-descoberta” da violência doméstica, no entanto as denúncias sobre a situação de violência à criança se ampliaram a partir da década de 80, quando, a nível internacional, acentuou-se a preocupação com a infância que culmina com a convenção sobre os Direitos da Criança.

Durante o governo autoritário vigente entre os anos 60/80 não era interessante rever práticas de educação doméstica que traziam exatamente o autoritarismo como uma de suas marcas importantes para preparar as crianças à adaptação social, valorizando-se a disciplina, a obediência da criança, o seu respeito pelos adultos, reproduzindo as formas dominantes de autoridade numa determinada sociedade.

Buscando a superação do modelo político autoritário, iniciou-se no Brasil um processo de redemocratização e abertura política, onde foram elaborados trabalhos que desvelaram a violência doméstica e feitos questionamentos da Política nacional de bem-Estar do Menor e do Código de Menores.

Iniciou-se lutas e movimentos reivindicatórios para mudança constitucional e conquista dos direitos humanos, e, para a criança e adolescente, a principal conquista foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/90.

Devido ao comprometimento de profissionais e organizações em defesa dos direitos das crianças e adolescentes foram obtidas algumas conquistas, como a questão legal.

No que se refere ao aspecto jurídico, as leis criadas que abrangem a questão da violência infantil são:

- Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) - art.3 e 5;

- Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) - Princípio 9º

- Convenção sobre os Direitos da Criança (1990-Brasil) - arts.: 19.1 e 2, 9, 34, 35, 36 e 39;

- Constituição Federal (1988) - art.226, Parag.8º e 227 Parag.4º;

- Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) - arts.: 5, 13, 16, 17, 18, 56, 70, 87, 98, 101, 129, 130, 141, 206, 232, 233, 240, 241, 263, 245;

- lei 8072/90 - lei de crimes hediondos;

Sêda (1999, p - 26) refere que para efetividade dos direitos das crianças e dos adolescentes, as normas contituicionais brasileiras, (artigos 227 e 204), tem por base 3 princípios: da prioridade absoluta na atenção à crianças e adolescentes; da descentralização na formulação de política pública nesta área; da participação da população através de organizações representativas na formulação e na execução de polítcas de defesa dos direitos.

Este mesmo autor aponta que E.C.A. baseado na “Doutrina de Proteção Integral” se constitui no instrumento para se construir a cidadania infanto-juvenil, pois contém além dos princípios já referenciados, um conjunto de estratégias, das estruturas, dos mecanismos sociais e administrativos para organização social que possibilite a efetivação dos direitos e lhe mostram como corrigir os desvios do abuso e da omissão para garantir direitos, quando estes são ameaçados por alguém da família, da sociedade e do Estado.

O Estatuto se estende a todas as crianças e adolescentes, sem descriminação, mudando a concepção, passando a considerá-los como sujeito de direitos, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, a requerer proteção e prioridade absoluta no nível das políticas sociais.

Ao discutir sobre as linhas de ação para efetivação do E.C.A., Ribeiro (1994, p - 22) aponta que as linhas previstas são: 1) Política Social Básica - aquelas que são direito de todos e dever do Estado, ex.: saúde; 2) Política de Assistência Social - são aquelas que destinam a oferecer condições mínimas de bem estar e dignidade à aqueles vulnerabilizados e, portanto, desassistidos em suas necessidades básicas, ex.: alimentação; 3) Política de Proteção Especial: é a ação social especializada dirigida à pessoas e grupos em circunstâncias especialmente difíceis, em presença de fatores de vulnerabilidade que os coloca em situação de risco pessoal e social; 4) Política de Garantia: àquela representada pela luta dos direitos no campo dos direitos.

Para proteção e defesa dos direitos fundamentais, o Estatuto prevê a criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescente, a nível nacional, estadual e municipal responsáveis pela formulação da política de atendimento à criança e adolescente e os Conselhos Tutelares que têm por função zelarem pelo cumprimento do E.C.A..

Conforme conteúdo constitucional e do E.C.A., Battini (1998) refere a necessidade de mudanças a nível de método com reordenamento político e institucional - administrativo para que as leis possam ser efetivadas na prática.
Em relação à violência o E.C.A. é um instrumento que promove a legitimidade política-jurídica para enfrentamento a esta questão, pois propõe medidas de intervenção em relação a família agressora protegendo-se à vítima estabelecendo a necessidade de prevenção do fenômeno.

Dada a matriz doutrinária e a filiação legislativa, o E.C.A. constitui hoje - não obstante algumas limitações - uma das legislações mais avançadas no nível mundial em termos de proteção dos direitos da criança. No que respeita a questão da vitimização doméstica de crianças e adolescentes, a leitura do Estatuto fornece princípios capazes de orientar uma política social de prevenção e contenção do fenômeno em nosso país”, conforma salienta Guerra e Azavedo (1997).
Estas autoras apontam alguns princípios:

1º princípio: A vitimização doméstica contra a criança e adolescente viola seu direito a liberdade e ao respeito, é considerado crime praticado por “ação ou omissão” de seus pais ou responsáveis” devendo ser punido na forma da lei” (arts. 5, 16, 17, Penas Previstas: arts. 232, 233, 241, 263, 245);

2º princípio: A mera suspeita deve ser notificada às autoridades competentes da respectiva localidade - Conselho Tutelar (arts. 13, 56);

3º princípio: A proteção é dever de todos cidadãos e não apenas de profissionais (arts. 18,70);

4º princípio: Punição ao profissional que silencia, não denuncia (art.56, 245);

5º princípio: Prevê “auxílio, orientação e tratamento” ao agressor (art.129)

6º princípio: A criança e adolescente vítima, além de proteção, precisam de “orientação e atendimento médico e psicosocial” para sobreviver ao abuso e não vir a (re) produzi-lo em sua vida futura (arts. 87, 98, 101, 130);

7º princípio : A família abusiva também é vítima e necessitará de “orientação e tratamento” (arts. 98, 101 e 129 - medidas previstas aos pais e responsáveis);

8º princípio : A criminalização da violência doméstica deve envolver penas severas, como forma de conter a prática do fenômeno (art. 263 modificado pela lei dos Crimes Hediondos de 1990);

9º princípio : A criança e adolescente terá direito a assistência judiciária integral, gratuita sempre que houver necessidade (arts. 141, 206);

10º princípio: A proteção deverá dar-se no nível local a ser acompanhada pelo Conselho Tutelar, enquanto órgãos permanente e autônomo encarregado de zelar pela salvaguarda dos direitos da infância e juventude (art.13).

Com o E.C.A a notificação da violência ou apenas suspeita desta passou a ser obrigatória, porém ainda não se tem um quadro real deste fenômeno.

A nível internacional também existe escassez de dados precisos, pois em muitos países não existe a obrigatoriedade de notificação pois adotando o sistema de caráter voluntário, no qual as famílias têm a possibilidade de escolher quanto a se engajarem nos serviços e, as vezes mesmo com a obrigação de notificar, inexistem denúncias por medo de envolvimento pelas pessoas.

Além da questão da notificação existem outros fatores que encobrem esta realidade, como o não reconhecimento da exclusão social, ausência de percepção de algumas formas de violência que geralmente são culturalmente aceitas, ausência de denúncia pela família da violência doméstica (proteção da família patriarcal, sendo que a maioria dos casos são disfarçados, referem tombos, brigas, acidentes, etc), o que possibilita o pacto do silêncio a cumplicidade, a tolerância social e a impunidade.

Em 1998, com a comemoração dos cinquenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, O.N.U. e o Ministério da Justiça, Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, lançaram a Campanha Nacional: “Uma vida sem violência é um Direito nosso”, tendo a família como foco central por ser o 1º Núcleo de Organização da Sociedade.

Esta campanha culminou com a assinatura do Pacto Comunitário Contra a Violência Intrafamiliar e de Programas de Ação Conjunta com sociedade civil de combate à violência, por ser um obstáculo ao desenvolvimento pessoal e social e uma violação aos direitos humanos.

Com esta campanha, várias iniciativas estão sendo desenvolvidas, como exemplo, a Campanha Nacional para Prevenir a Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, pela Igreja Católica - Pastoral da Criança, com o tema “A Paz Começa em Casa”, prevista para início em outubro de 1999.

Em Londrina, para desenvolver a Campanha “Uma Vida sem Violência é um Direito Nosso” foi formada uma Comissão de Cidadania, que entre suas ações está buscando sensibilizar, informar e esclarecer sobre algumas questões relacionadas à violência doméstica que atinge principalmente as mulheres e as meninas. Além disso, propõe criar grupo de trabalho para mapear as ações e recursos existentes na cidade, executadas pelo poder público e sociedade civil tendo em vista a ampliação e o fortalecimento destes, bem como a integração de diferentes setores tais como Saúde, Segurança Pública, Justiça e Trabalho e o envolvimento da sociedade civil organizada para o enfrentamento da violência.

Frente a questão da violência, alguns hospitais criaram programas e serviços específicos de proteção e atendimento à criança vítima de violência, no entanto, geralmente na realidade hospitalar, ocorre o não envolvimento por todos os profissionais e a desarticulação entre profissionais envolvidos no atendimento às vítimas de violência, culminando na dificuldade de identificação das situações de violência, pela ausência de análise sob múltiplo enfoque, e na limitação do atendimento pela inexistência de trabalho interdisciplinar.

DESENVOLVIMENTO

1) O atendimento hospitalar e social à questão da violência infanto-juvenil

Ao analisarmos a incidência de abusos numa realidade hospitalar específica, percebemos a predominância da violência a intrafamiliar diretamente relacionada com a violência estrutural, principalmente, a negligências, agressão física e psicológica.

Nesta realidade em que o estudo foi realizado, trata-se de um hospital- escola, e não existe uma norma escrita quanto a conduta e procedimentos no caso de suspeita ou confirmação de violência à criança e adolescente. A rotina seguida esta descrita a seguir.

Normalmente, não existe discussão de casos, mas sim conversas isoladas e troca de informações ou comentários sobre observações efetuadas em relação a clientela atendida, pelos diferentes profissionais, de forma desarticulada e fragmentada.

A partir de estudos e avaliações isoladamente por membros da equipe multiprofissional, através de anamnese, exame clínico as entrevistas junto aos usuários e familiares, bem como, através de denúncias por instituições, familiares ou outras pessoas da comunidade é posssível a identificação de sinais ou levantamento de situações ou características que podem revelar violência.

A falta de integração dos profissionais dificultam identificação da violênciae a exatidão das informações, uma vez que geralmente ela é negada, distorcida ou mascarada, levando a não percepção ou demora na identificação das formas de violência existentes.
Deve-se considerar que: “a sensibilidade das equipes hospitalares as informações sobre maus-tratos está relacionadas à boa escuta ao conteúdo objetivo, e subjetivo das falas e comportamento da criança, dos familiares ou acompanhantes que as trazem para atendimento ou das visitas durante a internação” (Wainer, 1997, P - 89).

O Serviço Social a partir do recebimento de denúncias ou observação desituações de suspeita de violência, busca o aprofundamento dos dados através de contatos com os diversos profissionais envolvidos no atendimento hospitalar e com programas e instituições da comunidade e principalmente Prefeituras, Entidades Sociais, Postos de Saúde e Pastorais da Criança, Saúde), para configurar ou não caso de violência.

Também realiza entrevistas com familiares e pessoas envolvidas com situação de violência (parentes, vizinhos), assim como, visitas domiciliares, objetivando coleta de dados, estudo do caso, constatação ou não da violência e análise dos fatores contribuintes a esta questão que demandam atendimento pelo Serviço Social e/ou profissionais.

Diante da confirmação da violência são realizados contatos pela Assistente Social ou médico e/ou elaborados relatórios sociais e médicos que são encaminhados ao Conselho Tutelar, Juízado da Infância e Juventude e Promotoria Pública, da cidade de origem da criança ou adolescente atendido, para ciência e/ou providências pertinentes.

Em alguns casos, diante da ausência de dados concretos que configurem a violência, mas são levantados dúvidas ou situações problemáticas, não é feito encaminhamento formal de denúncia aos órgãos competentes, mas são tomadas providências pelo Assistente Social, buscando a proteção da criança.

Quando é feito o encaminhamento formal das situações de violência, o Assistente Social comunica aos familiares sobre este procedimento e a obrigatoriedade deste pelo hospital definida pela lei 8.069/90.

A partir da inserção na realidade hospitalar, já se inicia o atendimento médico e de enfermagem à criança e/ou adolescente, seguido do atendimento por profissionais de outras áreas, como Fisioterapia, Serviço Social, Nutrição, Psicologia, entre outros, conforme necessidade e/ou solicitação.

Devido a grande rotatividade de usuários, residentes, internos e estagiários, limitação de horário de atendimento no hospital por algumas áreas e priorização por alguns profissionais de outras ações, indiretas ao atendimento à criança, nem sempre é possível a integralidade das ações concermente a questão da violência.

O Serviço Social prioriza o atendimento junto a esta questão, somente não intervindo nos casos emergentes atendidos nos finais de semana, feriados ou período noturno por ausência de profissional no hospital disponível para atendimento e se revestirem de caráter de urgência.

Centraliza seu trabalho principalmente no atendimento a família e contribui para o processo de investigação significativa, definição diagnóstica, mediação entre hospital e órgãos competentes e para definição de procedimentos para liberação da alta hospitalar e sequência do atendimento à criança ou adolescente, tomando providências necessárias ao seu cumprimento durante a hospitalização.

O atendimento pelo Serviço Social junto a criança, adolescente e ou família inclui: atendimento de apoio frente a violência sofrida; acompanhamentos sistemáticos através de discussões reflexivas sobre situação e relacionamentos sócio-familiares, concessão de benefícios, orientações sobre direitos e deveres, bem como condutas para prevenção de ocorrência ou reincidência de situações de violência, encaminhamento para programas e recursos institucionais comunitários para solicitar assistência e acompanhamento pós-alta (Prefeituras, Igrejas, Pastorais, Vicentinos, Creches, Postos de Saúde, FUNAI, etc); agendamento e encaminhamento para atendimento psicológico e/ou psiquiátrico em Hospitais, Clínicas ou Centros de Atendimento Psiquiátricos e/ou psico-social; encaminhamentos a grupos de auto-ajuda para dependentes químicos e familiares; orientações grupais para acompanhantes na Unidade Hospitalar, através de ações educativas e preventivas, acompanhamento pós-alta hospitalar através de contatos com familiares, órgãos competentes( Conselho Tutelar, Juizado) e Instituições Sociais, ou por meio de visita domiciliar.

Devido as limitações instituições, pela grande demanda do Serviço Social e o grande número de situações de violência atendida, ausência do atendimento interdisciplinar, torna-se difícil o atendimento mais aprofundado e global a todas as crianças e adolescentes vitimizados.

Tal dificuldade se agrava frente aos limites quanto ao trato a questão da violência pelos Conselhos Tutelares e instituições que prestam atendimento a esta parcela da população que abordaremos posteriormente.

2) A Violência contra a Criança e Adolescente

A partir de um levantamento e análise de dados de uma amostra das situações de violência contra criança e adolescente atendida no HURNP, que são os casos oficializados ao Conselho Tutelar ou Juizado da Infância e da Juventude, que foram abordados pelo Serviço Social, no período de 1696 a 1998, foi possível a constatação de dados relevantes a compreensão deste fenômeno.

Não foi possível uma investigação completa de todas as situações de violência contra a criança e adolescente atendidas no hospital, devido a deficiência no registro específico na identificação destas situações, bem como, pela dificuldade de acesso e estrito de todos prontuários, por ser hospital de grande porte, definindo-se portanto, a análise dos casos oficializados e atendidos pelo serviço num determinado período, conforme descrição acima.

Alguns dados constatados foram comparados a referências de outras pesquisas e estudos, sendo possível identificar aspectos comuns, apesar de pequenas diferenças quanto aos índices definidos.

Foram analisados 93 casos, de violência contra crianças e adolescentes, percebendo um aumento gradativo de denúncias que pode ser explicado pela ampliação e conhecimento do E.C.A., sensibilização e envolvimento pelos profissionais que atendem a população.

Os gráficos abaixo trazem os dados encontrados nos relatórios do Setor de Serviço Social do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná (HURNP).

Gráfico 1 - Número de Casos de Violência denunciados

Quanto ao gênero, houve o predomínio do masculino, 57%, no entanto, na adolescência por questões ligadas a sexualidade, prevalece o sexo feminino.

A faixa etária variam de 0 a 18 anos, havendo maior incidência no primeiro ano de vida, quando a criança exige cuidados especiais ao alto grau de dependência em relação aos adultos e se constituem em vítimas indefesas.

Gráfico 2 - Faixa etária

Apesar de na maioria dos casos serem os pais responsáveis pelas crianças ou adolescentes, cerca de 70% , percebe-se grande incidência da responsabilidade apenas da mãe, revelando que normalmente o pai é figura ausente e não estimuladora da família, ora abandonando-a, ora não reconhecendo a paternidade.

Com relação ao estado civil da mãe não foi possível a precisão dos dados devido ao limite de tempo para o estudo e ausência desta informação nos registros de prontuários. Os dados constatados apontaram prevalência de uniões ilegalmente constituídas e grande número de famílias desestruturadas.

Gráfico 3 - Estado Civil da mãe

Apesar do atendimento pelo hospital abranger um grande número de cidades do Estado do Paraná e outros estados, 77% dos casos eram de usuários provenientes da cidade de Londrina, localidade onde o HURNP está inserido.

Quanto aos tipos de violência percebe-se o predomínio de incidência de negligências, violência psicológica e agressão física, podendo serem apresentadas isoladamente ou com mais de um tipo.

Com relação ao abuso sexual observa-se um baixo índice e o que se constata é que apenas 10% dos casos de abuso sexual são denunciados, uma vez que a prevalência é de abuso praticados através de relações incestuosas.

Constata-se que “as vítimas - sempre mais frágeis e impotentes do que os agressores - ocultam a situação por vergonha, por considerarem que ela é normal, por medo ou por desconhecerem seus direitos” (Dias, 1993, p 23).

Normalmente em casos de abuso sexual, o que mais ocorre são estupro e atentado violento ao pudor, e na maioria dos casos o autor do crime é alguém qua a criança ou adolescente conhece e/ou confia (Nantes, 1999, p 111)..

Neste período, foi detectado que os casos de tentativa de suicídio foram praticados por adolescentes, através de intoxicação exógena.

Gráfico 4 - Tipos de Violência

Constatou-se maior índice de negligências pelo fato da população usuária do HURNP em sua maioria, serem oriundos de família com baixo poder aquisitivo, com renda familiar instável, desprovidas dos meios indispensáveis para uma vida digna, com dificuldades de acesso aos direitos fundamentais, prevalecendo precariedade nas condições habitacionais e de saneamento.

O desemprego prevalente se constitui num fator situacional agravante, uma vez que ele desencadeia atitude violenta pelos fato dos pais se verem despossuidos da característica fundamental que os qualificam como responsáveis pela manutenção do lar: a função econômica.

Neste estudo, não foi possível o levantamento preciso da situação sócio-econômica dos usários, porém a partir da experência vivenciada pode-se perceber os dados acima apontados e identificar a violência estrutural que estão sujeitos os usuários deste hospital.

As negligências geralmente ocorre em relação a mais de um aspecto, principalmente, quanto a alimentação, higiene corporal, comportamentos inadequados por familiares, condições habitacionais indignas, abandono do tratamento, evasão hospitalar, altas a pedido, udo de drogas na presença de crianças e/ou adolescentes, ausência de medidas de segurança para prevenção de acidentes, como ingestão de medicamentos.

Com relação a violência psicológica constatou-se grande incidência de ausência de estímulo ao desenvolvimento bio-psico-social e/ou ausência de acompanhamento no hospital, principalmente portadores de necessidades especiais, seguida de abandono/ doação, ausência de acompanhamento por adultos no domicílio e tentativa de aborto.

As agressões físicas ocorrem através de queimaduras e com objetos diversos como: cinto, arma branca, madeiras, etc.

Apesar da pequena incidência da Síndrome de Munchausen por procuração, ela pode trazer consequências danosas e sérias a vítima e sua definição é dificultada devido a ausência de trabalho interdisciplinar.

Os agressores geralmente são os responsáveis pela criança, os pais ou apenas um deles, havendo predomínio de abusos intrafamiliares e quadro de perturbação triangular mãe-pai-filhos.

Conforme dados do PNUD/IPEA (1996) em um levantamento realizado em São Paulo, cerca de 70% dos agressores eram pais biológicos e 93% das vítimas eram meninas. (Barsted - 1998 p.18).

Constata-se que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas a violência doméstica (Sociedade Mundial de Vitimologia) e entre 50 a 70% dos maridos que agridem as mulheres, agridem os filhos também. (ONU).

No ambiente doméstico começam a ser construídas as relações sociais desiguais, com distribuição de poder diferenciada e reproduções da violência social, dominação e exploração.

A existência do processo de coisificação da criança, pode ser visualizada no relacionamento familiar, conforme constatação a seguir:

“Os adultos têm uma postura adultocêntrica, dominadora e autoritária, que atua como facilitadora da violência doméstica. Quando um pequeno contraria alguma regra imposta, o assunto é resolvido violentamente e as agressões são aceitas culturalmente como prática pedagógica.” (Suzuki, 1993, p. 25).

Nestas situações percebe-se a presença de motivações psico-dinâmicas, como incapacidade de lidar com frustações e de abstração.

A incidência de quem é responsável pela agressão, estão visualizadas no quadro a seguir:

Gráfico 5 - Agressor (es)

Quanto ao uso de drogas pelo agressor (es) não foi possível a definição precisa, pois não consta estes dados em todos os prontuários, uma vez que existe a negação e o ocultamento pela maioria dos dependentes químicos.

Porém detectou-se que grande parte dos casos de violência estão ligados ao uso de drogas, predominando incidência de alcoolismo entre os pais, conforme quadros descritos a seguir:

Gráfico 6 - Uso de Drogas pelos pais

Gráfico 7 - Tipos de drogas

Ao analisar os relatórios de casos atendidos pelo Conselho Tutelar de Londrina, nos anos de 1997, 1998 e primeiro trimestre de 1999, foram constatados que houve 9.595 atendimentos para recebimento de denúncias, reclamações, orientações, aconselhamentos, acompanhamentos, encaminhamentos e retornos.

Destes atendimentos 47%, totalizando 4.584, foram situações de violência ou de risco, conforme gráficos a seguir:

Gráfico 8 - Atendimento à Criança e Adolescente

Gráfico 9 - Crianças e Adolescentes em situações de risco

Gráfico 10 - Crianças e Adolescente vítimas de violência

Gráfico 11 - Agressor - Violência Física

Gráfico 12 - Agressor - Violência Sexual

Guerra e Azevedo (1997 p.41 a 46) ao analisar os modelos que explicam a realidade de violência doméstica de crianças e adolescentes, aponta que o modelo explicativo dominante em nível internacional na área da violência contra criança e adolescente é o interativo ou multicausal, que tenta superar os modelos unidimensionais como a sociológico (características dos pais agressores) e o psicopatológico (experiências infantis precoces e estados psicopáticos-doença pelo agressor).

Este modelo parte do pressuposto de que forças ambientais, as características do agressor e caracteríticas da criança ou adolescente vítima, atuam de maneira dinâmica e recíproca neste processo, leva-se em conta a multicausalidade decorrente da interação dos fatores macro (sistemas sócio-econômico e cultural) e micro (história de vida dos pais versus estrutura e funcionamento familiar).

Neste modelo, estão presentes os aspectos descritos a seguir:

Experiências de Socialização:
- história de desarmonia e ruptura familiar
- história pessoal de abuso
- ignorância sobre características evolutiva e necessidades das crianças

Características Patológicas:
- depressão
- alcoolismo
- droga-dependência
- pouco controle
- baixa resistência ao “stress”
- desordens neurológicas
- desordens psiquiátricas

Fatores situacionais de “Stress”:

- relacionamento entre os pais: desajuste, violência ...
- “stress” estrutural desemprego, isolamento, excesso de filhos, ameaças à autoridade, valores ...
- padrão abusivo de interação pai-mãe-filho(a).
- “stress” produzido pelo(a) filho(a): criança indesejada, criança/adolescente problemático, filho mais velho.

Situações Precipitantes:
- ausência da mãe
- rebeldia da criança

Posição social: (idade, sexo, status sócio-econômico, rede de suporte social)

Posição cultural: (representação da criança, atitude para com a infância, a violência, castigo, mulheres, sexualidade).

Características particulares da criança ou adolescente: (prematuro, baixo peso, deficiente (físico-mental), hiperativo, não responsivo, rebelde, imprevisível, incontinente, feio/bonito).

No entanto, este modelo é considerado insatisfatório por fornecer uma visão estática, falseadora e mascaradora do caráter conflitivo, dinâmico e histórico.

Estas autoras, apontam a importância de se construir uma teoria crítica na área da violência familiar contra a criança e o adolescente e apontam a utilização do método histórico crítico que tem por etapa necessária a crítica ideológica e a análise também dos determinantes políticos de uma dada realidade.

As consequências decorrentes de situação de violência são muitas e danosas as vítimas e familiares. Dias (1993, p.24) destaca algumas consequências: distúrbios de personalidade, dificuldade de aprendizagem, impedem o bom desenvolvimento da afetividade, gravidez precoce, fugas da família, suicídio, prostituição, consumo de drogas e álcool, distúrbios psiquiátricos, disfunções sexuais.

Kemp (1993, p.7) aponta como consequências à vítima: medo de amar, desconfiança, dificuldade de relacionamento no namoro, culpa, rejeição, auto-imagem negativa, negação da sexualidade, meio de “negociação”.

Frente a todas as possíveis consequências à vítima de violência é preciso ajuda constante para manter o equilíbrio e a saúde mental.

Para atender a questão da violência infanto-juvenil, foram desenvolvidos vários programas no Brasil, Guerra Azevedo (1997, p.278-297), cita que houveram ações por: a) Organismos de Atenção Indireta, que são organizações da sociedade civil que desempenham ou desempenharam um papel relevante no atendimento à infância e à adolescência, embora o foco de sua ação não fosse exclusivamente à violência doméstica contra crianças e adolescentes. Entre eles: Pastoral do Menor, trabalho da Igreja Católica; movimento em Defesa do Menor de cunho político; e Fundação Abrinq - organizada pelo Sindicato Patronal das Indústrias de Brinquedos que contribui na defesa dos direitos da criança e do adolescente. b) Organismos de atenção direta que são organizações da sociedade civil voltadas exclusivamente à violência doméstica, como: CRAMI - Centro Regional de Registros e Atenção aos maus-tratos na Infância, pioneiro ao nível nacional, que se localiza em Campinas-SP. c) do Estado voltadas exclusivamente à problemática ou que a contemplam também no bojo de outros objetivos, desenvolvidas nos níveis estaduais e municipais. Tais como: Vara de Menores, Programas Casas-abrigo, etc.

Ao fazer um balanço das experiências relatadas estas autoras, concluem que, as ações tem sido impotentes para impedir a re-produção do ciclo de violência no lar e que existe um “quadro de fragmentação, de dispersão de recursos, de serviços sobrepostos, mostrando que seguem por caminhos diferentes, não intercambiam suas conquistas e oferecem resultados que poderiam ser muito mais consistentes se conseguissem unir esforços e lutar para que este problema realmente fosse reconhecido como de real importância em nosso meio e merecedor de uma atenção, em que Sociedade Civil e Estado pudessem desempenhar um papel relevante.” (Guerra e Azevedo, 1997 p.299).

A partir da implantação do E.C.A. e com a formação dos Conselhos Tutelares, houve um avanço no que se refere ao atendimento da Questão da Violência infanto-juvenil, porém ainda existem vários limites que precisam ser superados.

Ao discorrer sobre a Prática Pedagógica dos Conselhos de Direitos e Tutelares, (Siguihiro, 1999, p - 68 e 69), cita que: “A maioria dos Conselhos foi criado num cenário de perplexidade, tanto da sociedade civil quanto do setor político, sem qualquer tempo e clareza para se estruturarem e assumirem o seu papel. Para se constituir em espaço de ação dos sujeitos e criação de estratégias para acesso e construção de novas práticas na direção das garantias dos direitos sociais do segmento que representam, são necessárias mudanças de pensamento e prática de conselheiros”.

Acrescenta que esta prática vem revestida de grandes desafios e em resposta a estes deve haver ruptura com a atividade de cunho imediatista, rotineira, burocrática e cartorária, para assumir gestão social de caráter horizontal e participativa, com capacidade de privilegiar o interesse público, mediatizada pelo esforço coletivo (Estado e Sociedade Civil) através de ações articuladas e transparentes.

Barsted (1999, p 53) sugere execução de ações voltadas para a elaboração de Políticas Públicas e de serviços para a prevenção, punição e erradicação da violência intrafamiliar, e para a proteção de suas vítimas.

Rossin (1999, p 84) ao discutir sobre intervenções junto as famílias em situação de Risco Pessoal e Social, aponta que: “A priorização da família na agenda da política social envolve, imperiosamente, programas de complementação de renda familiar, geraçãode emprego e renda, rede de serviços comunitários de apoio psicosocial, jurídico, sedimentados num projeto político de compromisso ético com as famílias”.

Apesar de E.C.A. ser um avanço no que se refere a proteção dos direitos da crianças e adolescentes, é preciso processo de luta constante para se conquistar a cidadania infantil. Como nos afirma Moura (1989, p -19): “O direito não é conferido às pessoas por uma norma jurídica, mas são os próprios seres humanos que se outorgam direitos, arrancando-os ou conquistando-os mediante uma permanente luta pelo poder, como indica a história”.

CONCLUSÃO

Apesar da escassez de dados precisos sobre a violência infanto-juvenil podemos concluir que é fenômeno mundial é social, histórica, envolve determinantes, econômicos, políticos e jurídicos atingindo todas as classes sócio-econômicas e culturais.
A violência infanto-juvenil além de determinantes estruturais se constitui num padrão cultural introjetado é de natureza interpessoal.

Os fatores causais da violência praticada contra criança e adolescente são multifatoriais, a história é peculiar e única para uma determinada família, porém encontra-se aspectos comuns.

A violência doméstica ou intrafamiliar é preponderante conflitando com a função de proteção pela família, uma vez que os agressores são em grande proporção os pais ou responsáveis pela criança e adolescente.

As ações nesta área estão mais preocupadas com a detecção e com a aparência do fenômeno, apoiada no senso comum deixando intacta a raiz da problemática, do que com programas de prevenção e tratamento.

Os programas estão mais comprometidos com perspectivas unidimensionais do que com a abordagem multidisciplinar da problemática.

O compromisso dos profissionais que atendem as crianças e adolescentes deve consistir em: exercitar à boa escuta, se articularem para integração interdisciplinar, para identificação e denúncia das situações de violência, com a luta por uma política de defesa dos direitos da criança e adolescente e criação da cultura da criança cidadã.

Este compromisso requer visão de totalidade e o entendimento que o problema da vitimização não tem raizes apenas no plano individual, familiar, mas que estas raizes fazem parte de um contexto social mais amplo e profundamente injusto e desigual que se interliga com as relações interpessoais adulto-criança.

É preciso participar na construção da cidadania infantil entendida não apenas no plano de igualdade formal perante a lei, mas tendo como conteúdo prático e efetivo os direitos individuais (à vida, à liberdade e à dignidade) e os direitos coletivos (econômicos e culturais).


ABSTRACT

This work consists of the violence against children and adolescents through specific data collected in a hospital, objectifying to plece it in the wider social context, approaching the economic, juridical, social, cultural aspects and politician related with the subject of the infant-juvenile violence. The methodology used for the analysis was based in the universal/particular relationship, that allowed to understand determinations more deepened and relevant to the subject of the violence, visualizing concrets data of a specific reality. The predominance of the intrafamiliar interrelated violence was verified with the structural violence in an unequal and unjust spcioeconomic and cultural context.

Key-Words: Infant-juvenile; Domestic Violence or Intrafamiliar; Rights; Statute of the Child and of the Adolescent


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