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Um Curso faz 25 anos: Psicologia..., UEL,...1971-1996
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Num país, onde a memória é escassa, é sempre bom aproveitar as oportunidades para registrar a história dos fatos que foram, ou nos pareceram, significativos. Assim aproveitamos a comemoração dos 25 anos do Curso de Psicologia da UEL para escrever um pouco de sua história.
Como se iniciou esse curso? Que fatos significativos marcaram sua trajetória? Como se encontra hoje?
Responder a essas questões, bem sabemos, não é tarefa fácil. Embora em termos de história 25 anos seja um período curto, a maior parte dos acontecimentos nunca foram escritos, mas ficaram apenas na memória das pessoas que os viveram, e ouvi-las todas é tarefa impossível. Os documentos oficiais são em geral frios e não contam aquilo que entendemos como essencial neste tipo de história. Assim definimos alguns critérios que tornaram viável a nossa tarefa, sem, no entanto, diminuir a sua relevância:
1º enfatizaremos mais o período inicial do curso, já que esta fase, pôr ser a mais remota, corre maior risco de se perder, se não for logo registrada.
2º Falaremos da evolução do curso através de mudanças mais significativas que ocorreram (curriculares e outras), ou de fatos que tiveram mais impacto sobre o mesmo.
Quanto à metodologia de trabalho preferimos o seguinte caminho:
1º Para descrever o nascimento do curso escolhemos ouvir pessoas centrais na sua estruturação inicial (os professores, e o primeiro reitor da UEL, que deu o passo decisivo para que ele se tornasse uma realidade). Consultamos também os documentos pertinentes a essa época.
2º Para falar da sua evolução consultamos atas dos departamentos que em diferentes momentos congregaram os professores de psicologia, documentos relativos aos diferentes currículos do curso, ouvimos os coordenadores de colegiado que conduziram as mudanças curriculares.
O Nascimento do curso e Seus primeiros passos
O curso de Psicologia da UEL nasce um pouco depois da própria universidade.
O contexto de criação da UEL é semelhante ao de tantas outras Universidades criadas nesta mesmo época. O momento nacional era propício, pois o modelo econômico de Desenvolvimento Associado Independente exigia a modernização do país para a industrialização, o que requeria, entre outras coisas, tecnologia avançada e mão de obra especializada, assim, diplomação em grau superior tornava-se requisito cada vez mais necessário.
Em função deste contexto a pressão pôr abertura de vagas no ensino superior torna-se cada vez maior, o que faz com que nas décadas de 50 e 60 universidades surjam nas grandes cidades. Nesta mesma linha, a reforma universitária de 1968 (Lei nº 5.540), buscando revolucionar o panorama do ensino superior, determinava que as universidades fossem a forma de organização pôr excelência do ensino superior, restando à instituição isolada o status de forma excepcional e transitória. Assim, nas décadas de 70 e 80, as escolas isoladas de ensino superior existentes nas cidades médias e pequenas se uniam para formar universidades. É claro que isto não aconteceu em todos os lugares, pois, a criação destas instituições dependia de uma visão progressista e de muito esforço de pessoas das comunidades em que estas escolas estavam inseridas. Foi neste contexto nacional que, pôr decreto do governo do estado do Paraná, e como fruto de muita luta de alguns londrinenses, foi criada, em janeiro de 1971, a Universidade Estadual de Londrina, através da junção das Faculdades de Filosofia, Direito, Odontologia, Medicina e Ciências Econômicas.
Ao nascer, a UEL, assimilou os cursos já existentes nas faculdades, e, usando de sua autonomia didática e administrativa, cria, em janeiro de 1971, através da Resolução 53/71, sete novos cursos, entre os quais o de Psicologia.
Mas porque um curso de psicologia em Londrina naquela época?
São palavras do Dr. Ascêncio Garcia Lopes, primeiro reitor da UEL e um dos seus criadores: “O curso de Psicologia da Universidade tem uma história interessante e muito forte, porque era um dos cursos que a gente no começo acreditava ser necessário para fortalecer a universidade. Explico porque: Como a psicologia é um conceito básico, seria útil para muitos cursos e portanto teria uma aplicação imediata na universidade como um todo, já que estávamos tentando criar vários cursos novos, ampliando assim o universo ainda restrito da UEL, dando-lhe a universalidade necessária.”
Segundo o Dr. Ascêncio, outros critérios eram também considerados na criação de novos curso naquela época[1]: a existência de alguma infra-estrutura que viabilizasse o seu funcionamento, a procura do curso na região (mercado existente), e o fato de pertencerem a áreas de profissionalização que possibilitassem a capitação de recursos para a universidade através da prestação de serviços.
Como a Psicologia se enquadrava nesses critérios?
Ainda no dizer do Dr. Ascêncio, uma série de cursos, como engenharia, agronomia e outros passavam nos critérios de mercado e possibilidades de capitação de recursos auxiliares na sua manutenção, no entanto, necessitavam de instrumentação muito cara e não disponível na UEL. O curso de Psicologia, pôr outro lado, atendia aos três requisitos. Havia um setor de Psicologia Educacional na Faculdade de Educação (professores que trabalhavam com Psicologia Educacional), uma clientela a espera do curso (prova disso é que número de candidatos ao vestibular de Psicologia sempre foi alto), e a oportunidade de capitação de recursos auxiliares imediatos através de convênio com o DETRAM. Por este convênio, a universidade se comprometia com a aplicação de Exames Psicotécnicos para motoristas, uma atividade não dissociada do ensino. Frente a essas condições, o Conselho de Administração, através da Resolução 53/71, criou no dia 08/02/71 o curso de Psicologia, juntamente com outros seis cursos.
A seguir foi dado o passo inicial para a implementação do curso. “Convidamos o pessoal de Psicologia Educacional da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (na época, ainda não incorporada a UEL) e providenciamos sua transferência para a universidade, contratados para trabalhar inclusive no psicotécnico. O próximo passo seria criar o departamento próprio para a área, do qual emanaria o curso de Psicologia. Reunimos então o pessoal que trabalhava com psicologia e estava disperso em outros setores, e após discussões entre estes docentes foi decidido pela criação de um departamento chamado “Ciência do Comportamento”, cujo o primeiro chefe foi o Prof. Aloyseo Bzuneck”.
Segundo o depoimento do prof. Aloyseo, “Em fins do ano de 1971, a UEL está em fase de implantação, formando-se os primeiros centros e departamentos. Na ex-Faculdade de Filosofia, os professores de Psicologia (que lecionavam para as licenciaturas) se reuniram com alguns médicos psiquiatras, com o objetivo de formar um departamento específico. Deviam ser uns quatro da psiquiatria e uns quatro da filosofia. Da reunião saíram duas decisões: que se iniciava um novo departamento, o Departamento de Ciências do Comportamento, e que ficaria lotado no Centro de Ciências Biológicas. Assim, eu e mais outros nos deslocamos para o CCB. Sucessivamente os psiquiatras deixaram esse departamento e formaram outro no CCS”.
O Dr. Ascêncio, falando desta fase a que se refere o prof. Aloyseo, afirma ter ocorrido uma grande discussão sobre a linha a ser definida para o curso, se deveria se filiar à linha das humanidades, ou à linha das ciências biológicas, prevalecendo a idéia desta última. Foi nesta época em que se decidiu que o curso deveria ficar no CCB que, precisando de mais docentes “procuramos o pessoal de Campinas (PUC de Campinas), pois tivemos a informação que tinham muito boa formação nesta linha da Psicologia. Vieram então cinco professores que, embora recém-formados, se desempenharam muito bem no curso. Soube mais tarde que, infelizmente, esse grupo sofreu perseguição e teve que ir embora da universidade. Isso aconteceu também com outros departamentos, pôr exemplo na medicina”.
A implantação do curso de Psicologia e o Grupo de Campinas
Atendendo ao convite feito pela UEL, em janeiro de 1972, chegaram à Londrina os quatro primeiros professores vindos de Campinas, os professores Francisco Luiz Garcia, José Baus, José Carlos Fontes e José Gonçalves Medeiros. Logo depois era contratado também o Prof. Luiz Leite Monteiro de Oliveira.
Sobre seu início em Londrina e na UEL falam os próprios professores, colocando em suas falas muita emoção. Ouviremos primeiro o professor Francisco:
“Montar um curso de graduação, qualquer que seja, é tarefa árdua e extenuante; fazê-lo na condição de recém-formados, como éramos então, os professores José Baus, José Carlos Fontes, José Gonçalves Medeiros, Luiz Leite Monteiro de Oliveira e eu, uma ousadia e uma temeridade. Mas, apesar das múltiplas dificuldades que enfrentamos acredito que cumprimos nossa tarefa, e nos orgulhamos dela. O curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina é uma realidade e, para todos nós pioneiros dessa jornada, um pouco como um filho querido, independente e autônomo já, mas pôr quem nutrimos um amor e um carinho enormes”.
“Lembrar de todos os acontecimentos que definiram a sua trajetória e a sua história, mesmo o mais críticos e significativos, é praticamente impossível, incontáveis que são, ainda mais depois de tantos anos e de tantas outras experiências acumuladas. Claro que alguns deles me marcaram mais, outros menos; o inverso pode ter ocorrido com as demais pessoas. Tentarei pois, e de uma maneira subjetiva, claro, resgatar alguns episódios fundamentais”.
O professor fala a seguir da chegado do grupo à Londrina, das tarefas enfrentadas, das facilidades e dificuldades encontradas:
“Fomos convidados pelo primeiro Reitor da UEL, Dr. Ascêncio Garcia Lopes, para cumprir uma dupla tarefa: montar o laboratório de Exames Psicotécnicos e criar o curso de Psicologia. (Na verdade inexperientes e desconhecidos, fomos indicados por alguns professores da PUCCAMP, onde nos graduamos, depois de uma consulta pôr parte da administração da UEL) Cabe ressaltar aqui uma qualidade impar do Dr. Ascêncio, além do seu pioneirismo: em plena ditadura militar, período de exceção e de violência, de opressão e de temor constantes ; ele instaurou um clima de absoluta liberdade na UEL, uma experiência democrática em pleno regime de arbítrio e injustiças, fato que, pôr certo, também contribuiu, e muito, para a consolidação desta Universidade. Infelizmente seus sucessores imediatos não souberam, ou não quiseram preservar este espírito”.
“Chegamos à Londrina nos primeiros dias de 1972, ansiosos para tentar implantar o curso que sonhávamos e, ao mesmo tempo, temerosos ante à magnitude e à extensão do projeto; aqui encontramos os professores Aloyseo Bzuneck e José Carlos Pinotti, já falecido, que foram testemunhas do início deste processo; também as professoras Maria de Lourdes Coutinho e Maria Aparecida Zamberlan que pouco participaram deste momento, até como espectadoras, uma vez que estavam licenciadas da Universidade para capacitação ou pôr motivos particulares”.
“Desembarcamos em uma cidade relativamente pequena, com duzentos e cinqüenta mil habitantes talvez, sempre suja, empoeirada na seca e enlameada no período das águas. A estrada até o Perobal, onde estava instalado apenas o centro de Ciências Biológicas, não era ainda pavimentado, de sorte que, nos períodos de chuva, as aulas eram suspensas porque o acesso era praticamente impossível. Naqueles primeiros meses, o departamento não tinha ainda seu pavilhão próprio e partilhamos, todos, uma única sala com alguns professores de Física; em outra sala, vizinha, ficavam os professores do Departamento de Biologia, também sem espaço próprio, como nós. Neste pequeno cômodo, uma sala de aula, dividido pôr paredes de madeira e com umas poucas mesas e armários, nasceu e germinou o curso de Psicologia da UEL.: ali definimos sua primeira grade curricular, listamos os livros e periódicos que comporiam o acervo de sua Biblioteca, planejamos a montagem dos laboratórios de Análise Experimental do Comportamento e de Etologia e o seu biotério, estabelecemos as divisões internas de nosso bloco, construído em 1973, creio, suas instalações elétricas e hidráulicas e até os seus móveis. Além dessas múltiplas atividades, ainda ministrávamos aulas em outros cursos, participávamos de seus colegiados e cuidávamos do laboratório de exames psicotécnicos.”
A Estruturação do Currículo e a ampliação do quadro docente
“Claro que muitas pessoas foram consultadas e com elas discutimos a nossa proposta curricular e a nossa concepção de Psicologia. Foram tantas que, ao citá-las, acabo omitindo nomes. Mas não posso deixar de ressaltar a colaboração, entre outros, do Dr. Luiz Otávio Seixas Queiroz, ex-Diretor do Instituto de Psicologia da PUCCAMP; os doutores Walter Hugo de Andrade Cunha, Mário Arthuro Guidi, Carolina Martuscelli Bori, Maria Amélia Mattos e Fernando Leite Ribeiro, todos da USP, São Paulo; também os doutores Isaias Pessotti e João Cláudio Todorov, da USP, Ribeirão Preto; ainda o Dr. Fred S. Keller, na época na Western Michigan University, E.U.A. Além disso, currículos de várias Universidades foram analisados, o da PUCCAMP, da USP São Paulo e Ribeirão Preto, da Universidade de Brasília, da Western Michigan etc...”
“Outros professores foram pouco a pouco se juntando a esse grupo inicial: primeiro os Professores Dione de Rezende, Heloisa Helena Nunes Sant’Anna, Rodolpho Carbonari Sant’Anna e Vivaldo de Oliveira Reis Filho todos graduados na Universidade de Brasília ou na Universidade Veracruzana do México; depois os professores Erika Wröbel Abib, José Antonio Damásio Abib e Takechi Sato, este da Universidade de São Paulo e aqueles também de Brasília; [2]mais tarde ainda outros professores, muitos outros, inclusive alguns ex-alunos, mas não ouso citá-los, um a um, para não cometer uma injustiça e omitir este ou aquele nome. Estes professores foram convidados, e aceitaram o convite, porque partilhavam, conosco, de uma mesma concepção sobre Psicologia e, por conseguinte, de como deveria ser a estruturação de um curso (não poderia deixar de lembrar, aqui, o professor Peter Walter Westcott, morto por opção ou solidão talvez, que muito contribuiu para a consolidação deste curso, especialmente na área de Etologia)”.
“Desconheço sua atual grade curricular; não sei das alterações introduzidas e a sua abrangência. Posso falar apenas daquela que propusemos e implantamos há vinte e cinco anos. Mas, para fazê-lo, devo antes, ainda que brevemente, falar sobre este conjunto de conhecimentos sistematizados que chamamos Psicologia. Sim, pois não podemos falar em uma Psicologia como se ela fosse singular e coerente. Na verdade existem múltiplas Psicologias, cada qual com um sujeito e um objeto específicos, e com objetivos e metodologias diversos pois. Todos nós entendíamos a Psicologia como uma ciência rigorosa e consistente cujo objetivo primordial seria tentar estabelecer relações funcionais entre um dado padrão comportamental e as variáveis ambientais e ou orgânicas para prever e controlar a sua ocorrência. Não concebíamos, então, quaisquer inferências ou abstrações ; não cabia em nossa concepção qualquer fator que não fosse efetivamente localizável e observável; não concordávamos com modelos exclusivamente teóricos, sem qualquer equivalência real, apenas com aqueles empíricos ou virtuais; não aceitávamos conceitos que, a exemplo das religiões, envolvessem crenças e não constatações. A Psicologia era, para nós, o estudo do comportamento de todo ou qualquer organismo animal; esta concepção, unânime naquela época e ainda hoje, acredito, levou-nos a propor um currículo senão abrangente e superficial, ao menos consistente e coerente”.
“Por privilegiar um modelo particular, com objeto, sujeito, e metodologia específicos, o Departamento foi chamado de “Ciências do Comportamento” e alocado no Centro de Ciências Biológicas”.[3]
Uma proposta de Pós-graduação em Psicobiologia
“Quando do processo de reconhecimento do curso Pelo Conselho Federal de Educação, em 1973 ou 1974, creio tentaram transferir o Departamento para o Centro de Ciências Humanas; [4]argumentavam, então, que um curso de Psicologia, que deveria estudar o comportamento humano, senão sua mente e personalidade, estaria melhor localizado ali. Redigimos então um ofício em resposta a esta tentativa; argumentávamos, nele, que a Psicologia, se era uma ciência humana, era também biológica, que o comportamento, seu objeto de estudo, era, antes, um fenômeno de natureza biológica; que este era um fim em si mesmo, não obrigatoriamente um instrumento para promover o bem-estar e a adequação do homem a seu meio; reportamo-nos ainda à importância da Psicofisiologia e da Psicofarmacologia para tentar reverter aquela situação. Acredito que acabamos por convencer o representante do MEC[5] e a própria administração da Universidade, pois permanecemos no CCB, ainda que o departamento tenha sido dividido em dois e mudado de nome, o Departamento de Psicologia Geral e Experimental, que aqui ficou com a maior parte dos docentes, e o Departamento de Psicologia Escolar ou da Educação[6], não me lembro bem, que foi transferido para a Pedagogia”.
“Em fins de 1977 ou no primeiro semestre de 1978 começamos a planejar um curso em nível de pós-graduação na UEL, um curso de Psicobiologia, o segundo no Brasil creio; nós, do departamento, qualificados já ou em processo de qualificação, e também professores da Biologia, especialmente da Zoologia e da Ecologia, da Fisiologia, da Anatomia etc. Um projeto que, infelizmente, jamais chegou a ser implantado, atropelado que foi por outros acontecimentos”.
Demissões no Departamento
“Neste período, o professor José Carlos Pinotti tinha assumido a Reitoria da Universidade e, em julho de 1978, em pleno período de férias pois, acabou demitindo, de maneira injusta e arbitrária, prepotente mesmo, primeiro o professor José Antônio Damásio Abib e pouco depois os professores Álvaro Sérgio Ribas Junqueira e Miriam de Moraes, esta aluna da Primeira turma do curso de Psicologia. Estávamos então, no Encontro Anual da S.B.P.C., em São Paulo e ficamos extremamente surpreendidos e um bastante indignados com este ato. Depois de um processo extremamente desgastante e doloroso, as pessoas que fundaram este Departamento acabaram se transferindo para outras Universidade do país, uns para a Universidade Federal de Uberlândia, e depois para a UFSCAR, para a UFSC, para a Universidade Federal de Aracajú, outros para a PUCCAMP ou USP, outros ainda abandonaram a vida acadêmica, uma verdadeira diáspora enfim. Alguns professores, afastados para capacitação, na época, para cá retornaram e resgataram o entusiasmo dos primeiros dias. Estes professores, entre os quais a Dione de Rezende, a Heloisa Helena Nunes Sant’Anna mantiveram aceso e tornaram realidade o ideal que germinou e frutificou. A eles agradeço profundamente”.
A Evolução do Curso vista através das mudanças curriculares
Antes de falarmos dos currículos, seus conteúdos e as mudanças de contexto que refletiam, colocaremos algumas datas importantes e dados gerais sobre o curso.
O curso de Psicologia, como já relatado anteriormente, foi criado pela Resolução 53/71, de 26 de outubro de 1971, sendo seu primeiro currículo estabelecido 89/72 de 15/04/1972 e 124/72 de 20/10/72. Esse currículo vigorou até 1980, período em que o curso foi reconhecido pelo Conselho Federal de Educação em 24 de maio de 1978. Em janeiro de 1980 foi implantado o currículo II, que esteve em vigor até janeiro de 1984, quando foi substituído pelo currículo III. Finalmente o currículo IV, ocorreu em função da mudança do Regime Acadêmico da universidade, que passa do sistema de crédito para o seriado.
O curso desde sua origem até hoje oferece três habilitações: Bacharelado, Licenciatura e Formação de Psicólogo. Em seu início foi oferecido em sistema seriado, o que atingiu somente a primeira turma, os ingressantes na segunda turma já o freqüentaram em sistema de crédito.
A coordenação do curso era feita no início por um colegiado amplo que reunia todos os curso de graduação da área biológica. Em 1974 passa a ter seu colegiado específico, em 1980 volta ao sistema anterior e finalmente, com a modificação do Regime Acadêmico da UEL em 1992, retorna ao primeiro sistema[7].
O currículo I: sua fundamentação, estrutura e Implantação
O currículo I, visto através do relato de alguns dos seus criadores, revela forte influência dos projetos da UNB e da USP para a Psicologia.
Embora sua proposta tivesse como objetivo final a formação do psicólogo profissional para atuar na clínica, na escola ou na organização, revelava mais uma preocupação com a formação de pesquisadores, dentro de uma visão de Psicologia como ciência Natural.
Algumas premissas básicas norteavam sua proposta, podemos conhecê-las através das falas de seus criadores:
São palavras do professor José Carlos Fontes: “Éramos todos jovens, impetuosos, carregados com a ansiedade natural da idade e do recém formado, quase que fanaticamente comportamentalistas, certamente apaixonados pela pesquisa, pelo laboratório pela psicologia objetiva e pela formação de novos profissionais”.
É ainda ele quem afirma: “Defendíamos que a formação de um profissional deveria seguir um modelo de encadeamento e não de informações aleatórias, jogadas ao indivíduo para que ele as organizasse e renascesse das cinzas tal qual Ícaro (ainda continuo pensando exatamente igual, mas sem qualquer barreira por sectarismo ideológico). Agora tínhamos a oportunidade de por em prática nossas propostas, inclusive aprendendo em conjunto com os alunos que entrariam para o curso em sua primeira turma”.
“Além desse aspecto iríamos implementar uma formação enfatizando mais a importância do biológico para a compreensão do comportamento, inclusive introduzindo no currículo da graduação a formação etológica, ou seja, da biologia do comportamento. Assim sendo, nada mais do que natural sermos lotados no Centro de Ciências Biológicas”.
Falam também os professores José Baus e José G. Medeiros: “O grupo inicial era bastante coeso, o que era muito importante para que pudéssemos levar adiante a implantação de uma proposta de currículo de graduação em Psicologia cujo eixo principal se fundamentava no Behaviorismo como Filosofia da Ciência do Comportamento e nos métodos experimental e comparado, como instrumentos para construir essa ciência”.
Neste ponto poderíamos perguntar: Como ficavam psicólogos num Centro de Ciências Biológicas?
A inserção do Curso de Psicologia e do Departamento no CCB
Com a palavra novamente os professores José Baus e José G. Medeiros: “O Departamento de Psicologia estava localizado no CCB, onde compartilhávamos uma sala de permanência com alguns professores de outros departamentos. Não foi difícil a adaptação àquela vida do Perobal e o processo foi rápido: éramos jovens, recém-graduados, confiantes em uma determinada proposta de currículo de graduação, e o entrosamento do grupo com os professores dos vários departamentos (Biologia, Fisiologia, Anatomia, e Patologia) deu-se rapidamente. A tal ponto chegou essa afinidade, que recebemos o convite do Diretor do Centro, Professor Carlos Harmarth e da Professora Eleonora Marchesi, Coordenadora dos curso de graduação das áreas biológicas, para incluirmos no rol das disciplinas obrigatórias dos diferentes cursos de graduação dessa área, a disciplina “Atitudes em Ciências”, que era por nós ministrada na primeira fase do Curso de Psicologia. Essa disciplina estava fundamentada em uma proposta de fazer ciência tomando como base quatro atitudes fundamentais - o empirismo, o determinismo probabilístico, a parcimônia e a manipulação científica -, com textos dos autores, Whalley e Mallot. Além disso favorecia-nos a inserção no ambiente universitário em que se destacava a presença de professores oriundos de várias regiões do Brasil, habilitados em diferentes universidades e faculdades e, como nós, jovens, em sua maioria”.
A composição do currículo da primeira turma (sistema seriado), diferenciou-se um pouco, mas não na essência, do da segunda turma (sistema de crédito).
A primeira turma cumpriu um currículo com uma forte carga de Psicologia Experimental (Psicologia Experimental I até VI), cuja base era a Análise Experimental do Comportamento, e ainda outras disciplinas, como, Desenvolvimento, Psicopatologia, Teorias e Técnicas Psicoterápicas, trabalhavam com os mesmos fundamentos.
Cerca de vinte por cento das disciplinas desse currículo eram da área biológica, e algumas como Psicofisiologia, Percepção, Psicofarmacologia e Comportamento Animal, representavam um campo híbrido psicologia-biologia.
As Ciências Humanas apareciam com dez por cento da carga total, representadas por disciplinas como Filosofia, Sociologia e Antropologia Cultural.
No quinto ano entravam as disciplinas exigidas para a Formação de Psicólogo e o Estágio Supervisionado.
As turmas subsequentes passam por um currículo praticamente igual, havendo mudanças, em muitos casos nos títulos das disciplinas e uma ampliação das disciplinas específicas do campo da Psicologia, para atender aos requisitos do Conselho Federal de Educação para o Reconhecimento do Curso. A mudança do nome do departamento de “Ciência do Comportamento” para “Psicologia Geral e Experimental” foi também exigência para esse reconhecimento.
O curso funcionava no seu início com um número pequeno de professores. Até 1975, cerca de treze docentes atuavam efetivamente no curso de Psicologia, sendo dois em tempo parcial. Desde 72 alguns docentes já faziam pós-graduação em sistema de concomitância, e um se afastara em tempo integral, para fazer mestrado e doutorado nos Estados Unidos. Assim, considerando que esses professores assumiam também as disciplinas de outros cursos, a carga média semanal de aulas era de 20 horas/aula por docente, além das outras atividades que desempenhavam, como por exemplo o psicotécnico.
Em relação à qualificação do quadro docente, de início, apenas quatro docentes (os que vieram em 72 e 73 de Brasília) possuíam título de mestre, e embora sempre houvesse tentativas para se trazer pessoas tituladas, havia dificuldades pois mestres e doutores em Psicologia naquela época eram raros e preferiam ficar em universidades maiores ou nas que ofereciam melhores condições de trabalho. [8]Em 77 o departamento é incluído no sistema PICD, e envia 2 professores para o doutorado na USP.
A implantação do 5º ano, Formação de Psicólogo (em 1976), levou a uma abertura do departamento à entrada de docentes com orientações teóricas diversas em Psicologia. Até então, somente dois professores, com formação em Psicanálise, trabalhavam no departamento, desde 1973, ministrando disciplinas de caráter mais informativo. O quadro docente cresce. Ao final de 1976 já estavam lotados no departamento cerca de 20 docentes.
É ainda, em função do 5º ano, que se instala a clínica Psicológica, são firmados convênios com escolas, indústrias e outras organizações para os estágios profissionalizantes. É também no ano de 76 que três ex-alunos do curso, tendo completado sua licenciatura, ingressam no corpo docente do departamento.
Este é um quadro resumido da estruturação e implantação do currículo I. É interessante acrescentar, que esse grupo pequeno de pessoas, trabalhou duro durante alguns anos, pois lhes coube montar toda uma infra-estrutura (laboratórios, salas especiais, clínica, etc) para a implantação do curso, e também participar de trabalho semelhante em relação à universidade que também se estruturava.
A ampliação e diversificação do departamento em 1976, trouxe a necessidade de se discutir o currículo do curso, para que este pudesse refletir essa mudança. O próprio movimento de discussão da Psicologia, em nível Nacional, que chegava ao departamento através dos seus docentes pós-graduandos e também dos eventos de Psicologia, cada vez mais freqüentes, empurravam na direção de mudanças.
O currículo II: Muita discussão e pouca mudança
No início de 1978, o Professor José Antonio Damásio Abib, chefe do departamento de Psicologia na época, conduz o departamento a uma discussão mais sistematizada sobre a mudança do currículo. Essa discussão se tornava necessária, não só pelas mudanças ocorridas no departamento, mas também porque o MEC estudava um novo currículo mínimo para a Psicologia, e seria interessante que nos antecipássemos. São convidados a participarem dessa discussão alunos e professores. A proposta do prof. Abib era partir-se de uma pesquisa (sistematizada e com parâmetros objetivos). sobre as necessidades da comunidade em relação ao trabalho do psicólogo, daí definir-se um perfil de profissional e estabelecer os objetivos do curso. A questão era: que práticas da Psicologia seriam relevantes para a população em geral, e não somente para a elite? Foi elaborado um ante-projeto que encaminhado à discussão em um encontro nacional da área de Psicologia, foi assumido pelas instituições presentes.
Em 1978, quando o professor Abib já havia deixado a chefia do departamento, foi criada uma comissão de trabalho para desenvolver o projeto, que acabou interrompido, logo após a demissão do Professor Abib, seguida das demissões dos professores Miriam de Moraes e Alvaro Ribas Junqueira, fatos que acabaram por ocasionar a “diáspora” referida pelo professor Francisco e citada no início deste texto. O departamento não foi mais o mesmo.
Em função de todos os acontecimentos relatados acima, o Currículo II, que foi implantado no lº semestre de l980, permaneceu muito semelhante ao Currículo I. Todas as discussões sobre se pensar um currículo a partir das necessidades da comunidade e não de um simples rol de disciplinas e práticas, caiu no vazio. Assim, o currículo II permaneceu com as distorções apontadas e amplamente discutidas contidas no currículo anterior.
Que mudanças ocorreram nesse currículo? Não encontramos muita documentação sobre a fundamentação dessas mudanças, mas poderemos descrevê-las em linhas gerais da seguinte maneira, comparando-o com o currículo anterior:
As disciplinas da área biológica tiveram o percentual de sua carga horária aumentado de 20% para 22%, as das humanidades sofreram uma diminuição de 10% para 3%, as disciplinas específicas da Psicologia aumentaram seu percentual de 65% para 71%. As disciplinas relacionadas à formação do Psicólogo aumentaram seu percentual de 25% para 36% .
O currículo III: O curso passa por uma mudança mais significativa
Para se proceder a reestruturação do currículo foram feitas pesquisas, através de questionários e reuniões, junto a alunos e professores, levando às seguintes sugestões, que fundamentaram as modificações aprovadas[9]:
“- deve haver equilíbrio de carga horária entre as três áreas de formação da psicologia: Escolar, Organizacional e Clínica, o que não ocorre nos currículos I e II;
- todas as disciplinas até o 8º período, devem ser pré-requisitos para o estágio, portanto o 9º e 10º períodos, devem ser integralizados apenas com estágios;
- deve-se equilibrar a carga horária das matérias de natureza biológica com a de outras matérias afins;
- os estágios deverão ser igualmente obrigatórios nas três áreas, e com a mesma carga horária;
- as ementas das disciplinas oferecidas ao curso de Psicologia por outros departamentos devem ser específicas para os objetivos do curso de Psicologia;
- deve-se incluir no novo currículo uma disciplina específica para ensinar metodologia de pesquisa em Psicologia;
- algumas disciplinas da área básica e ou disciplinas da área clínica, devem explicitar abordagem nas ementas;
- disciplinas de uma mesma abordagem devem manter seqüência vertical”.
É a partir desse currículo que a formação do aluno para atuar na clínica, oferece duas opções à sua escolha: estágio em clínica na abordagem comportamental, ou estágio em clínica na abordagem psicanalítica. O currículo com vistas à clínica, atendendo as recomendações acima, oferece disciplinas que se bifurcam nos dois troncos.
Este currículo exerceu a função, entre outras, de explicitar formalmente aquilo que já vinha ocorrendo informalmente no curso, ou seja as ementas passaram a explicitar o real conteúdo das matérias lecionadas.
No momento da estruturação e implantação do currículo III, o Departamento de Psicologia Geral e Experimental, já congregava mais de 50 docentes, encarregados de tarefas de Ensino Pesquisa, Extensão e Administração, o que tornava cada vez mais difícil sua gerência, assim acabou por se dividir em três departamentos. A divisão feita por afinidades se inspirou na própria estrutura do currículo de Graduação. Estamos hoje reunidos nos seguintes departamentos: Psicologia Geral e Análise do Comportamento, Fundamentos de Psicologia e Psicanálise e Psicologia Social e Institucional.
Essa divisão facilitou algumas atividades como por exemplo, a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu (cursos de especialização), a definição e implementação de políticas de capacitação e outras.
O Currículo III: Uma adaptação ao novo Regime Acadêmico da UEL
Ele se baseou também em levantamentos feitos junto ao alunado, que apontou como problemas: um número excessivo de disciplinas, apresentando conteúdos repetitivos, número excessivo de pré-requisitos. Apontaram também a necessidade de uma maior integração e continuidade entre as disciplinas, bem como teoria e prática de uma mesma disciplina.
A comissão encarregada da tarefa observou que, os aspectos deficitários apontados não estão propriamente relacionados à sua estrutura, mas às estratégias relacionadas à sua implantação e acompanhamento.
De acordo com esse currículo, o curso de psicologia visa formar:
“- Um profissional capacitado teórica e tecnicamente.
- Um profissional com sólida visão das linhas filosóficas e ideológicas que sustentam os conhecimentos da Psicologia.
- Um profissional em condições de avaliar criticamente os novos conhecimentos que surgem na Psicologia.
- Um profissional capacitado a procurar e desenvolver informações teóricas e técnicas para uma atuação efetiva e responsável”.
Finalmente o currículo III, aconteceu mais para cumprir o requisito de mudança do Regime Acadêmico de crédito para seriado, mas foi uma oportunidade de reflexão sobre o curso e a própria Psicologia.
Bem, até aqui já dissemos muito, e, ao mesmo tempo, muito pouco. Encerraríamos dizendo que ensinar é sempre um trabalho gratificante, em que pese a desvalorização da Educação e do professor em nosso país.
Para nós, essa trajetória de 25 anos, de luta e esforço compensou pelo seu resultado. Nossos alunos, espalhados por esse Brasil a fora, em suas clínicas, em instituições, doutores e mestres ensinandos em Universidades. Em fim Valeu e Vale a pena.
“Tivemos uma tarefa árdua sem dúvida, cansativa por certo, mas que nos foi extremamente benéfica e gratificante.”[10]
Esta é uma história do curso de Psicologia da UEL, escrita, no papel, a sete mãos, mas escrita na vida real por milhares de mãos de professores, alunos e de funcionários da UEL, e também de toda a população que nos recebe como profissionais e mantém esta Instituição de pé com seus impostos.
Seria impossível citar a todos os participantes desse processo histórico e por isso pedimos desculpas ao citar apenas alguns dos iniciadores, e o fizemos, não porque os considerávamos melhores, mas simplesmente, porque foram os primeiros.
Esperamos que a história aqui contada abra o caminho para outras histórias sobre o nosso curso de Psicologia.
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[1] No início de 71 o conselho de Administração criou duas comissões, cujo objetivo era fornecer dados para nortear a criação de novos cursos. A Comissão de Mercado de Trabalho, que investigava a existência da clientela e a de Planejamento de Ensino que verificava a viabilidade de implementação dos cursos, considerando custos, infra-estrutura já existente e prioridades governamentais, que eram saúde, Ensino e Tecnologia (ver Resolução 53/71).
[2] Nesta época entrou também para o departamento a professora Aparecida Clímaco, que trabalhava com as disciplinas de Personalidade e História da Psicologia (nota dos autores).
[3] É interessante lembrar, que o departamento foi batizado com o nome “Ciências do Comportamento”, antes da chegada do grupo de Campinas, e que a abordagem desse grupo se deu em função de uma opção anterior de pessoas que já se encontravam na UEL, conforme informação do Professor Aloyseo Bzuneck (nota dos autores do texto).
[4] O Departamento foi transferido, administrativamente, por cerca de seis meses para o CCH, com o nome de Departamento de Psicologia, situação que foi revertida naquele mesmo ano (nota dos autores do texto, com base no catálogo geral da UEL de 1974) .
[5] Aqui neste caso como se trata de reconhecimento de curso, seria o representante do Conselho Federal de Educação (nota dos autores do texto).
[6] O Departamento que foi para a Educação recebeu o nome de Psicologia Educacional (nota dos autores, com base no catálogo geral da UEL de 1975).
[7] Desde de seu início, os cursos de graduação da UEL foram formalmente geridos por um sistema colegiado, que congregava todos os departamentos que compunham o curso. Na prática no entanto, a gerência sempre fica a cargo do departamento, ou departamentos principais do curso (no caso o departamento ou departamentos de psicologia).
[8] Em 1974, veio para UEL o professor Alcides Gadotti, PhD. em Psicofisiologia, mas alguns problemas criados, pela burocracia da universidade, para a sua efetivação, fizeram com que ele desistisse de aqui permanecer.
[9] Proposta do Currículo III para o Curso de Psicologia; Documento publicado pela Comissão de Reformulação Curricular, 12/07/84.
[10] Do texto do professor Francisco Luis Garcia.