A política de Assistência Social no contexto da educação infantil:possibilidades e desafiospara um trabalho sócio-educativo
Selma Frossard Costa *

            *Assistente Social; Mestre em Serviço Social (UFRJ); Doutora em Educação (USP /SP), Docente (adjunto 4) na Universidade Estadual de Londrina; Assessora em Instituições do Terceiro Setor.

 

Resumo: Este texto discute as mudanças que têm ocorrido no âmbito das instituições que atuam com crianças de zero a seis anos, trazidas pelo ordenamento legal e pelas diretrizes atuais da Educação Infantil, no contexto brasileiro. Procura delimitar a sua interface com a Política de Assistência Social, frente às mudanças no atendimento social e educacional e às características peculiares das instituições que atendem crianças oriundas de famílias vulnerabilizadas pela pobreza. Explicita que houve um avanço sem precedentes na proposta para o atendimento às crianças de zero a seis anos, cujo enfoque é prioritariamente educativo. Porém, em se tratando das creches e pré-escolas que atuam na esfera da Assistência Social, há a necessidade de estabelecimento da interface dessas duas políticas setoriais para o cumprimento da função sócio-educativa dos centros de educação infantil.

Palavras Chaves: educação infantil, assistência social, sócio-educativo, interface.

THE SOCIAL WORK POLICY IN THE CHILDREN EDUCATION CONTEXT: POSSIBILITIES AND CHALLENGES FOR A SOCIAL EDUCATION WORK.

Abstract: This text discusses the changes that have occurred in the scope of the institutions that work with children from 0 to 6 years old, brought by legal order and by the present guidelines of Children Education in the Brazilian context. It tries to limit its interface with the Social Work Policy, facing the changes of the social and educational assistance and the peculiar characteristics of the institutions that assist children from poverty vulnerablized families. It explicits that there has been an unprecedented advance in the proposition for the children from 0 to 6 years old, whose focus is basically educational. However, as to daycare and pre grammar school which work in the social work sphere, there is a need of establishing the interface of these two sector policies to the social-educational fulfillment function in the children education centers.

Key Words: children education, social work, social-educational, interface


Introdução 

     A compreensão das mudanças ocorridas no atendimento social e educacional, em instituições prestadoras de serviço a crianças de zero a seis anos de idade, é tema atual e desafiador para a instauração de um trabalho de qualidade social junto às crianças e famílias usuárias de creches e pré-escolas.

      As significativas transformações, do ponto de vista legal, social e educacional, determinando novas diretrizes e parâmetros de atuação, suscitaram a necessidade de um reordenamento na estrutura funcional e organizacional dessas instituições, mas, principalmente naquelas voltadas para o atendimento de crianças vulnerabilizadas pela situação de pobreza, pois a sua abrangência, além da esfera da Assistência Social, alcançou a da Educação, tendo esta um papel primordial.

      A inserção da Educação Infantil ao sistema regular de ensino definiu as instituições que atuam com essa faixa etária, como instituições educativas, sejam elas públicas, particulares com fins lucrativos ou particulares sem fins lucrativos. São responsáveis, junto com as famílias, pela promoção do desenvolvimento das crianças, ampliando suas experiências e conhecimentos, além de garantir-lhes a higiene e a saúde .

      As creches e pré-escolas que sempre atuaram no âmbito da Assistência Social [1] , ao assumirem prioritariamente o caráter educativo, continuam mantendo suas especificidades, mediante as características sociais e econômicas da população por elas atendidas e aos bairros onde estão localizadas. Porém, esse fato não as alija das diretrizes, objetivos e metas que emergem dessa nova visão, tendo em vista uma política de Educação Infantil que abrange a todas as crianças, independentemente de classe social.

      Buscando contribuir para uma reflexão que aponte para a importância da interface dessas duas políticas setoriais no atendimento a crianças de zero a seis anos, esse texto traz, inicialmente, um relato sobre a configuração da Educação Infantil como direito garantido legalmente a todas as crianças nessa faixa etária. Em seguida, discute as funções de “cuidar e educar” tecendo uma síntese sobre a configuração histórica das creches e pré-escolas no contexto brasileiro, situando aquelas que surgiram especificamente para o atendimento de crianças e famílias que atualmente constituem o público-alvo da política de Assistência Social. Conclui discorrendo como a interface dessas políticas setoriais pode contribuir para um trabalho de caráter social e educativo (sócio-educativo), apontando algumas atribuições profissionais do assistente social nesse novo contexto dos centros de educação infantil.

  1. A Educação Infantil como Direito da Criança

      O atendimento à criança de zero a seis anos de idade, no Brasil, tem experimentado significativas mudanças no decorrer dos últimos vinte anos, marcadas não apenas pelos movimentos sociais organizados, reivindicadores de creches e pré-escolas, mas inclusive pela promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), na qual a criança é reconhecida em sua cidadania e, portanto, como sujeito de direitos.

      Esses fatos foram acompanhados por estudos e pesquisas [2], em diferentes áreas do conhecimento, cujas conclusões apontaram cada vez mais, em direção a importância dessa fase para o desenvolvimento integral da criança, como ser único e indivisível, completo e dinâmico, em intensa relação com as pessoas e o com o meio social onde está inserida.

Muitos estudos vêm mostrando a importância desse período para o lançamento dos alicerces de um desenvolvimento integral, sadio e harmonioso da criança, do jovem e do adulto. A produção acadêmica sobre o tema tem aumentado, bem como também a consciência da necessidade de uma política de educação infantil, integrada e articulada nas três esferas de governo: União, estados e municípios. (FONSECA, 1999:198)

      A C.F./88, em seu artigo 208-IV, determinou que "o dever do Estado com a educação às crianças de zero a seis anos será efetivado mediante garantia de atendimento em creche e pré-escola.”.

      Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990 ratificou que "é dever do Estado assegurar... atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade... (ECA, art. 54-IV).

      A Lei n.º.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo 4º-IV, confirmou, mais uma vez, que o atendimento gratuito em creche e pré-escola é dever do Estado. Deixou claro, também, que o atendimento a essa faixa etária está sob a incumbência dos municípios (art.11-V), determinando que todas as instituições de Educação Infantil, públicas e privadas, estejam inseridas no sistema de ensino. Como parte integrante da primeira etapa da educação básica  [3], a Educação Infantil foi dividida em creche (zero a três anos) e pré-escola (quatro a seis anos), conforme artigo 30-I e II da LDB/96. Não colocou a Educação Infantil como ensino obrigatório, como no caso das crianças a partir dos sete anos de idade, mas reconheceu a sua importância ao defini-la como a primeira etapa da educação básica e como direito de toda a criança de zero a seis anos de idade, sempre que seus pais ou responsáveis assim o desejarem ou necessitarem.

      Portanto, ao ser integrado ao sistema regular do ensino, como direito da criança, o atendimento em creche e pré-escola passou a ser, em contrapartida, um dever do Estado. A dimensão desse direito é universal, independente de classe social, diversidade cultural ou diferenças regionais.

      A partir desse ordenamento um outro cenário começou a ser configurado no contexto da Educação Infantil. Do ponto de vista legal, social e educacional, novas diretrizes e parâmetros de ação foram determinados, indicando a necessidade de um reordenamento na estrutura funcional e organizacional dessas instituições. Estudiosos e pesquisadores, vinculados principalmente às áreas de ciências humanas e sociais (ROCHA, 1999), tendo como base essa legislação e a contribuição trazida pelas descobertas e conhecimentos realizados a respeito da criança de zero a seis anos, debruçaram-se sobre esse tema buscando não apenas compreender esse contexto de mudança em todas as suas nuanças, mas contribuir para a construção de uma política nacional de Educação Infantil inclusiva, educativa e profissional. Isto é, aquela a que todas as crianças tenham acesso, prevalecendo as funções de cuidar e educar, integradas, complementares e interdependentes, realizada por profissionais com capacitação específica para atuarem na Educação Infantil.

2. As Funções da Educação Infantil :       

A superação da dicotomia entre assistir [4] e educar, bem como da visão de que o atendimento à criança de até três anos de idade é de caráter assistencial, e de que a partir dos quatro anos é educativo, preparando-as para o ensino fundamental, constituiu-se como um dos desafios a serem superados, dentro desse novo contexto da Educação Infantil.       

Sousa (2000) considera que, apesar da determinação de que tanto a creche quanto a pré-escola devem estar vinculadas à Educação, unificando as funções de assistir e educar, isto tem permanecido longe da prática cotidiana na Educação Infantil.

Por tradição, pertencer à categoria de instituição educativa é tarefa mais fácil para a pré-escola do que para a creche, historicamente assistencial, mesmo que ambas atendam crianças da mesma faixa etária; as diferenças repercutem nas suas estruturas, formas de funcionamento, qualificação dos profissionais, no modo de se relacionarem com as famílias e, principalmente, nos seus conceitos e funções. (SOUSA, 2000:18)

      Para KUHLMANN (1999), do ponto de vista da interpretação histórica, a polarização entre assistência e educação tem sido superada. Para ele, a distinção entre diferentes instituições não ocorre entre creche e pré-escola, mas situa-se na sua destinação social, pois algumas foram criadas como exclusivas para os pobres, outras não.

O que diferencia as instituições não são as origens nem a ausência de propósitos educativos, mas o público e a faixa etária atendida. É a origem social e não a institucional que inspirou objetivos educacionais diversos. (KUHLMANN, 1999:54)

      Ainda, segundo esse autor, no processo histórico de constituição das instituições pré-escolares voltadas para a infância pobre, o assistencialismo foi tomado como proposta educacional específica para esta população. Indo mais adiante, ressalta que se tratou de uma proposta de educação que objetivou a submissão e não a emancipação das crianças e respectivas famílias das classes populares.

(...) O fato dessas instituições carregarem em suas estruturas a destinação a uma parcela social, a pobreza, já representa uma concepção educacional. A pedagogia das instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para o receber. (KUHLMANN, 1999:54)

      A vinculação das creches e pré-escolas ao sistema educacional significou uma conquista sem precedentes no sentido da superação de uma situação administrativa que mantinha um segmento de instituições educacionais para a infância específico para os pobres, fora do ensino regular. (KUHLMANN, 1999).

       A divisão da Educação Infantil, nas modalidades creche e pré-escola, nos textos, constitucional de 1988 e da LDB de 1996, significava, portanto, o início de um processo de reestruturação administrativa, técnica, política e pedagógica, principalmente junto às instituições de Educação Infantil atuantes na esfera da Assistência Social.

      Porém, o processo de determinação prática do que é creche e do que é pré-escola, a partir do instituído constitucionalmente, não significa tarefa simples e automática, principalmente quando se tratam das instituições que atuam com os segmentos mais pobres da sociedade.       As denominadas "creches" surgiram dentro do contexto capitalista, como um serviço destinado à mulher que se inseria no mercado de trabalho, mais especificamente, às mulheres de classes sociais economicamente mais carentes. Foi para atender aos filhos dessas operárias que o atendimento em creche proliferou-se e adquiriu caráter assistencialista, onde a criança deveria ser cuidada e alimentada “substituindo os cuidados maternais” no período de trabalho da mãe (ROCHA, 1997).

      Com o decorrer dos anos, o atendimento às crianças de zero a seis anos, oriundas de classes sociais menos favorecidas economicamente, em sistema de creche, foi gradativamente sendo assumido por instituições governamentais e não governamentais, com finalidade filantrópica ou beneficente [5] . Organizações vinculadas ao governo federal, como a Legião Brasileira de Assistência (LBA) [6] e aos governos estaduais, como o Instituto de Assistência ao Menor (IAM) [7], no Paraná, exerceram importante papel na criação e manutenção dessas instituições. Também, principalmente na década de 70, surgiram creches sob a liderança e iniciativa de organizações populares, que se constituíram em experiências importantes para o atendimento a essa faixa etária.

    Por outro lado, com a inserção também da mulher da classe média no mercado de trabalho e a crescente conscientização da importância da criança iniciar o seu processo de socialização, fora do contexto familiar, cada vez mais cedo, cresceram de forma significativa as denominadas “pré-escolas”, “berçários” e/ou “jardins de infância”, onde se inseriram crianças, filhos de famílias mais privilegiadas economicamente. Nesse caso, o atendimento foi assumido por instituições particulares, com fins lucrativos, com ênfase inicialmente na faixa etária de quatro a seis anos.

       O que se configurou, portanto, socialmente, foi a idéia de “creche para os pobres” e “pré-escola para os demais”. O filho da patroa estudava no “jardim”; o da empregada, na “creche”!

      Evidencia-se, no processo histórico de surgimento das instituições de atendimento à criança pequena, que as funções de guarda, assistência e cuidado foram assumidas principalmente pelas "creches", que atendiam não apenas até aos três anos de idade, mas até aos seis.

      Porém, a partir dos anos 90, "cuidar e educar" têm sido pontuadas, por diferentes autores [8], como funções complementares e indissociáveis na Educação Infantil, tanto no ambiente da creche quanto da pré-escola. Essa posição contrapõe-se àquela de "guarda e assistência", perspectiva assistencialista, que prevaleceu nas historicamente denominadas "creches", atendendo, em muitos casos até aos seis anos de idade.

       O que caracteriza a função atual da Educação Infantil é a verdadeira integração entre educação e assistência, apontadas já em 1997, por Fonseca, como as funções atualmente atribuídas à Educação Infantil. Portanto, o ato de educar a criança está inegavelmente integrado ao ato de cuidá-la.

4. A Interface das políticas de Educação e Assistência Social na Educação Infantil

       O ordenamento legal da Educação Infantil explicita a idéia de derrubar o caráter assistencialista [9] de atendimento à faixa etária de zero a seis anos, notadamente aquele voltado para crianças oriundas de famílias de baixa renda. No entanto, se faz necessário entender que há uma diferença substancial entre atuação “assistencialista” e de Assistência Social, pois esta também adquiriu caráter de política pública a partir da CF/88, concretizando-se como direito de cidadania e dever do Estado na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – n.º.742 de 07/12/93).

      A Assistência Social tornou-se política pública para o atendimento às necessidades básicas, e a Educação Infantil assumiu papel de fundamental importância no contexto da política educacional, cujo atendimento passou a ter o caráter sócio-educativo, instaurando-se um espaço de formação e proteção a crianças pequenas. As creches e pré-escolas que surgiram sob a égide de uma atuação assistencialista, voltadas para as crianças em situação de pobreza, têm passado por um processo de readequação e reordenamento sem precedentes, pós Constituição de 1988, considerando as mudanças profundas trazidas pela instauração das Políticas de Assistência Social e de Educação, com a determinação de constituírem-se em instituições de Educação Infantil. Porém, as funções de guarda, cuidado e proteção continuam sendo importantes, tendo-se em vista o atendimento integral à criança.

       Ao se dar caráter prioritário à Educação não significa que as instituições de atendimento aos segmentos mais pobres ficaram fora da Assistência Social. Continuam sendo importantes as ações de caráter promocional e preventivo que extrapolem o atendimento cotidiano à criança na creche e/ou pré-escola e atinjam suas famílias e o meio social onde vivem.

No caso de programas voltados para crianças, por exemplo, é preciso que, além da oferta de atividades de desenvolvimento infantil, seja dado também o apoio social às famílias dessas crianças, de modo a permitir que essas famílias pouco a pouco assumam a responsabilidade de buscarem elas próprias um processo de promoção social, de crescimento e de desenvolvimento. Um processo de autopromoção e de promoção familiar." (BRASIL, MPAS/SEAS. Série Diálogo. Vol. 1, 1999:10).

      As crianças de zero a seis anos de idade, que integram a Educação Infantil, compõem um dos segmentos tratados pela Política de Assistência Social como destinatários de suas ações, garantindo-lhes por meio da rede de inclusão e da rede de proteção, o atendimento necessário e adequado, próprios a essa faixa etária. A elas devem ser ofertados serviços educacionais, assistenciais e de saúde, com ações integradas, de caráter preventivo e promocional, sem perder de vista o atendimento às famílias.

        Esta política setorial tem, portanto, um papel específico junto à Educação Infantil, no que concerne à garantia desse direito às crianças de zero a seis anos, vulnerabilizadas pela pobreza. O papel da Assistência Social, no contexto da Educação Infantil, foi apontado sucintamente no documento "Ação Compartilhada das Políticas de Atenção à Criança de Zero a Seis Anos", do Ministério da Previdência e Assistência Social, de 1999:

Identificar as famílias com crianças de zero a seis anos no município, demandatárias da assistência social; Identificar e apoiar tecnicamente, em parceria com a educação, as demandas existentes nas localidades que não possuam as devidas estruturas (físicas, de recursos humanos, pedagógicos e administrativas), conforme normas emanadas dos Conselhos Estaduais ou Municipais de Educação; Apoiar as famílias destinatárias da assistência social que possuam filhos em creches e pré-escolas, através da inclusão em programas oficiais de auxílio de geração de renda, de mecanismos de encaminhamento, de esclarecimento sobre o acesso a programas de enfrentamento à pobreza, garantindo às crianças inclusão e promoção social; Articular e planejar programas e cursos de apoio sócio-educativo à famílias;

Garantir que os recursos oriundos da assistência social aplicados em creches e pré-escolas sejam destinados ao seu público-alvo.

       Haddad (1998), ao se referir à forma como a versão preliminar dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (MEC/1998), utilizou os termos assistência e assistencialismo, sem distingui-los adequadamente, chama a atenção para "... o amplo papel que os setores da assistência, seja no âmbito público ou privado, têm desempenhado ao longo da história do atendimento à infância" . (pág.4). Para ela, o vínculo da Educação Infantil à Assistência Social não pertence ao passado, constituindo-se essa intersetoralidade em condição básica para a qualidade do atendimento.

Acredito que uma maneira menos ingênua e imatura de tratar essa questão seja refletir sobre o papel que a assistência vêm desempenhando ao atentar para questões cruciais da vida moderna que os setores educacionais não têm respondido, como por exemplo, o cuidado e socialização infantil considerados na sua concepção mais ampla. Não é o setor assistencial, mais que o educacional, que vem respondendo à necessidade de trabalho dos pais, e especialmente das mães? Que tem acolhido as demandas dos amplos movimentos sociais em prol da expansão de rede de creches públicas, não filantrópicas e educacionais? Não é o setor assistencial, mais que o educacional, que vem atentando ao fato de que a criança de idade pré-escolar necessita de um ambiente físico e humano diferente do que é proporcionado pela escola formal, apresentando uma estrutura mais flexível e, paradoxalmente, ampliando a concepção de educação tradicionalmente adotada pelos setores de ensino? (HADDAD, 1998:4)

      Por sua vez, Rocha (1999) afirma que um longo caminho há que ser percorrido quanto à melhoria da Educação Infantil. Isto depende da articulação de políticas de Educação, Saúde [10] e Assistência Social.

      A integração dessas diferentes áreas que, basicamente, atuam na Educação Infantil, revela-se também como um desafio para garantir um atendimento qualitativamente melhor nos aspectos físico, social, intelectual e emocional. São políticas públicas setoriais não dicotômicas entre si e que, bem articuladas, desenvolvem suas atribuições no sentido de garantir qualidade no atendimento integral, dentro das atuais diretrizes da Educação Infantil, a todas as crianças de zero a seis anos, inclusive aquelas oriundas de famílias que configuram o público alvo da política de assistência social.

      Nesse sentido, o trabalho técnico e profissional do assistente social, no interior das creches e pré-escolas que atuam com crianças vulnerabilizadas pela pobreza, está pautado em diretrizes de fundamental importância para a garantia de um trabalho de caráter não exclusivamente educativo e nem prioritariamente assistencial, mas sócio-educativo.

      A seguir apontamos algumas das atribuições que podem compor a ação do assistente social nesse contexto: [11]

1. Implementar e implantar, no âmbito institucional, a Política de Assistência Social referente à Educação Infantil, de acordo com as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/93) e Sistema Único da Assistência Social (SUAS/04), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90), Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96) e Política Nacional da Educação/2000;

•  Subsidiar e auxiliar a administração dos Centros de Educação Infantil na formulação, implementação, implantação, execução e avaliação do Plano Gestor Institucional;

•  Desenvolver pesquisas junto à população que integra o Centro de Educação Infantil (crianças, famílias e recursos humanos), definindo o perfil social de cada um desses segmentos, com dados subsidiadores para a implantação de projetos sócio-educativos, interdisciplinares;

•  Identificar, continuamente, necessidades individuais e coletivas, apresentadas pelos segmentos que integram o Centro de Educação Infantil, na perspectiva do atendimento social e da garantia de seus direitos, implantando e administrando benefícios sociais;

•  Realizar seleção sócio-econômica de crianças para as vagas disponíveis do Centro de Educação Infantil, a partir de critérios pré-estabelecidos;

•  Conhecer, no contexto do município, a demanda reprimida de atendimento nos Centros de Educação Infantil, propondo diretrizes e ações diminuidoras dos números apresentados, sem perder de vista o atendimento integral e de qualidade social;

•  Intensificar a relação Centro de Educação Infantil/família, objetivando uma ação integrada de parceria na busca de soluções dos problemas que se apresentarem;

•  Fornecer orientação social e fazer encaminhamentos da população usuária do Centro de Educação Infantil aos recursos da comunidade;

•  Prestar atendimento individual, orientação social e encaminhamento às famílias cujas crianças necessitarem de atendimento especializado, dando suporte aos professores;

•  Participar, coordenar e assessorar grupos de estudos e discussões de casos com equipes multi e interdisciplinares, associações de pais e conselhos, relacionados à política de atendimento na Educação Infantil e nos assuntos concernentes à política de Assistência Social, nesse âmbito de ação;

•  Organizar, coordenar e ministrar palestras educativas com temas relacionados ao atendimento infantil, de acordo com a realidade apresentada pelas famílias usuárias, e a proposta pedagógica para a Educação Infantil;

•  Realizar perícia, laudos e pareceres técnicos relacionados à matéria específica da Assistência Social, no âmbito da Educação Infantil, quando solicitado;

•  Colaborar e buscar junto com a equipe de trabalho e os usuários, a manutenção e melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo Centro de Educação Infantil.

      No interior das instituições de Educação Infantil, a atuação do assistente social, sempre tendo como fim último o atendimento integral e de qualidade à criança, trabalhará não apenas no enfoque da garantia do direito de inclusão na rede de creches e pré-escolas, como também priorizará ações que caracterizam a Política de Assistência Social , em seu sentido mais amplo.

Conclusão:

      O ordenamento legal, especificidade, princípios e diretrizes da Educação Infantil, no contexto brasileiro, confirmaram que mudanças de inegável importância têm permeado e determinado novas formas de trabalho junto às crianças de zero a seis anos de idade. São desafios ainda em processo de superação, principalmente quando há a constatação de que, apesar da Educação Infantil constituir-se em um direito de cidadania das crianças, milhares delas continuam sem acesso à mesma. E, além disso, a qualidade do trabalho oferecido em muitas dessas instituições permanecem aquém dos parâmetros considerados satisfatórios pelo atual arcabouço legal, político e pedagógico.

      Essa situação merece especial atenção quando o foco se dirige para creches e pré-escolas que sempre atuaram na perspectiva assistencialista e filantrópica. Superar essa situação e instaurar uma atuação eminentemente educativa foi e tem sido o principal desafio dessas instituições, que passaram a integrar o sistema regular de ensino.

      Por outro lado, a Assistência Social, a partir da LOAS/93, adquiriu caráter de política pública assumindo as funções de inserção, prevenção, promoção e proteção junto a pessoas que sofrem diferentes formas de exclusão social. Nesse sentido, a Política da Educação Infantil e a Política da Assistência Social não são mutuamente excludentes e nem competitivas. Partindo-se da perspectiva do atendimento integral à criança, a atuação articulada e complementar dessas duas políticas setoriais, garantida pela definição clara de competências e responsabilidades, é de importância estratégica para a instauração dos princípios e diretrizes preconizados pelo ordenamento legal e perspectivas sócio-educativas da Educação Infantil.

      E, o Estado, através de políticas sociais públicas, principalmente na área da Educação e da Assistência Social, ocupa papel de absoluta importância, através de respaldo técnico e financeiro, apoiando e assessorando essas instituições nesse processo de mudança, de reestruturação e de implantação de projetos, ações e serviços coerentes com as diretrizes preconizadas.

 

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______. Lei N.º 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a Organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília, D.F., 1990

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NOTAS

[1]Utilizamos o termo "assistência", para nos referirmos à Política de Assistência Social, explicitada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 07 de dezembro de 1993, contrapondo-nos ao termo "assistencialista" que denota um sentido de atendimento relacionado à "prestação de favor", ao "exercício da caridade" ou ainda, a cuidados de higiene e alimentação à criança.

[2] A respeito consultar Rocha (1999), Rossetti-Ferreira e Silva. (2000) e Strenzel (2000).

[3] LDB/96, art. 21-I afirma que a educação básica é formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

[4] Quando abordadas as funções de educação infantil, surgem os termos "assistir" e "assistência". Nesse contexto é entendido como o ato de prestar cuidado e atenção à criança, nos aspectos de alimentação, higiene, guarda e proteção; prática bastante acentuada principalmente nas creches, como veremos na seqüência do texto, em detrimento à função de educar.

[5] A entidade beneficente é a que atua em benefício de outros que não o da própria entidade ou de seus integrantes, podendo ou não estabelecer contrapartida. A entidade filantrópica atua no interesse ou benefício de terceiros, mas sem qualquer contrapartida por parte desses. A respeito consultar Tachizawa (2002)

[6]Pessoa jurídica de direito privado, criada em 1942, transformada em fundação em 1969, vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social em 1974 e extinta em 1994 (no Governo Collor), que tinha por finalidade promover a implantação e execução da política nacional de assistência social, bem como orientar, coordenar e supervisionar outras entidades executoras dessa política. Consultar Ferreira (1982) e Ferreira (1989)

[7]Entidade autárquica do estado do Paraná, criada em 16 de julho de 1962 com a função específica de formular e executar a política governamental de assistência ao menor, em todo o Estado. Foi extinta em 1986.

[8] A respeito consultar Fonseca (1997), Campos e Haddad (1992), Sousa (2000) e Kulhmann (1999).

[9]O aspecto assistencialista da educação infantil, principalmente nas antigas creches, refere-se às ações prioritárias até então desenvolvidas por essas instituições, de somente prestar atendimento às necessidades básicas de higiene, alimentação, proteção e guarda às crianças, enquanto a mãe exercia atividade remunerada fora do lar. Maiores detalhes sobre a concepção teórica do termo, consultar Alayón (1995).

[10] Apesar de considerarmos de grande importância a atuação da política de saúde no contexto da educação infantil, em interelação com a assistência social e a educação, não nos deteremos em uma reflexão sobre a mesma, por não constituir-se objeto desse trabalho.

[11] Baseado no artigo 19 do Regimento do Centro de Educação Infantil da Universidade Estadual de Londrina, para a formulação do qual, contribuímos.

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