SISTEMAS DE INFORMAÇÃO NA ASSISTÊNCIA SOCIAL E PARÂMETROS ÉTICO-POLÍTICOS
 Liz Clara de  Campos  Jonas*
* Assistente Social da Prefeitura Municipal de Londrina, especialista em Políticas Públicas e Gestão em Serviços Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e mestranda de Serviço Social na UEL. lizjonas@uol.com.br

RESUMO

O presente trabalho formula uma reflexão sobre os parâmetros ético- políticos na construção dos sistemas de informações, especificamente sobre a construção dos sistemas de informação na área da  assistência social. Possibilita a análise das questões intencionais que estão subjacentes  no momento de opção pela construção de um dado sistema e realiza a análise de alguns sistemas de informação. Nestes, pode-se constatar o quanto é urgente e necessária a incorporação, pelos profissionais da área social, destas novas ferramentas de trabalho. Torna-se evidente a necessidade de conhecer a lógica que preside o desenho dos sistemas informáticos e telemáticos de modo a redirecioná-los, abrindo novos caminhos. O conhecimento propiciado por este estudo permite apontar alguns parâmetros necessários para a construção, na área da assistência, de um sistema voltado não apenas para o gerenciamento de ações, mas que também ofereça a possibilidade de sustentar novos modos de criação de redes sociais e políticas e novas formas de participação democrática.  

Palavras-chaves: Tecnologias de Informações; Sistemas de Informação; Política de Assistência Social.


INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, tem sido cada vez mais intensa a repercussão das mudanças tecnológicas sobre o conjunto das manifestações de nossa socialidade. A cultura, a economia, a política e não apenas a produção e o mundo do trabalho são afetados pelas rápidas mudanças tecnológicas. Os serviços sociais, evidentemente, não poderiam escapar a esta onda.

Do conjunto das alterações científico-tecnológicas destacam-se as tecnologias de informação (TI’s) pela sua penetrabilidade e extensão. Os modernos recursos informáticos e telemáticos abarcam hoje, mesmo que de maneira desigual, todos os países do planeta e todas as áreas. Mais do que isso, qualquer processo de organização da vida humana supõe a utilização das TI’s no seu modo de operar.

Não é estranho, portanto, que a gestão pública – do Estado – incorpore cada vez mais estes recursos no seu funcionamento e, nesse campo, aquele que nos afeta enquanto assistentes sociais: as políticas públicas, principalmente aquelas vinculadas à seguridade social.

É nesta interseção entre as TI’s e as políticas sociais que se localiza o foco deste trabalho, mais especificamente, na forma em que as premissas metodológicas de ambas se relacionam. Não é uma preocupação arbitrária, mas expressão da estranheza provocada pela tensão existente entre as finalidades subjacentes aos modernos sistemas informáticos e telemáticos e os pressupostos das políticas sociais, toda vez que se tenta aplicar os modernos recursos à gestão dos serviços sociais.

Todavia, dada a complexidade das TI’s, vamos nos concentrar, neste estudo, nos chamados sistemas de informação, nos complexos de equipamentos, nos programas e rotinas de coleta e nos processamento de dados. 

Os sistemas de informação disponíveis no mercado, para utilização pelas agências públicas, seguem um padrão adequado às necessidades da produção capitalista em situação de crise e ajustamentos intensos. São ferramentas de racionalização do trabalho, de controles cada vez mais rigorosos destinados a eliminar as incertezas da relação decorrente do livre jogo da concorrência. São ferramentas pensadas a partir das necessidades do capital, ou seja, são ferramentas para gerenciamento.

Segundo Wolff:

 sendo assim, a tecnologia informática vem fornecer uma resposta aos imperativos políticos-econômicos engendrados pela mundialização do capital, isto é, em nível macro-econômico ,garantindo rapidez e precisão para atender um mercado cada vez mais amplo e flexível, e em nível micro-empresarial, ao  possibilitar novas formas de garantia dos ganhos de produtividade e flexibilidade da produção (WOLFF,1998,p.99).

                      As políticas sociais se fundamentam numa lógica diferente. A sua origem se vincula, mesmo em sociedades capitalistas, a valores progressistas que, partindo da necessidade de enfrentar a deterioração das condições de vida das massas provocadas pelos efeitos do processo de acumulação monopolista, fundem-se na defesa de que o bem-estar dos cidadãos é um problema de toda a sociedade e não apenas dos indivíduos. Em decorrência disto, os estados estruturam sistemas de proteção social cuja lógica não está atrelada à lucratividade e nem à racionalidade produtiva da fábrica ou escritório comercial. Em síntese, os serviços sociais e as políticas sociais não podem ser tratados como produtos, como mercadorias. 

É natural, portanto, que ao aplicar as modernas tecnologias à gestão das políticas sociais, a tensão entre ambas apareça e provoque dificuldades no equacionamento das aplicações. No limite, pode-se colocar a questão da possibilidade real de compatibilizá-las. 

Sem querer esgotar questão tão complexa como essa, situamo-nos entre os que, por necessidade profissional, precisam adaptar os recursos informáticos à gestão das políticas sociais, mas, ao fazê-lo, não querem abandonar os pressupostos e valores profissionais identificados com a ampliação dos direitos e aperfeiçoamento das instituições democráticas. Ou seja, partimos da premissa que as TI’s podem ser recursos utilizados para divulgação de informações úteis aos cidadãos para, assim, poderem participar das decisões políticas que os envolvem, possibilitando a ampliação do universo dos sujeitos envolvidos na gestão da coisa pública e democratização dos recursos.

Autores consagrados no serviço social vêm reconhecendo a importância das novas tecnologias de informação. È o caso do Professor Vicente Faleiros, que enfatiza a  tecnologia como um instrumento de modernização e, ao mesmo tempo,  de organização de redes comunitárias e de grupos de fortalecimento do poder da população (FALEIROS,1996, p.32). 

A nossa reflexão incide sobre os parâmetros – metodológicos e políticos - presentes na construção de sistemas de informação aplicados à gestão da seguridade social. Não é uma abordagem técnica, mas sim das questões intencionais que estão subjacentes no momento de opção pela construção de um dado sistema, as quais irão definir o seu caráter e orientação metodológica. O objetivo é o de verificar a possibilidade de preservar os princípios doutrinários e ético-políticos, no desenho dos sistemas de informação, na seguridade social.

Adotamos aqui a expressão Tecnologias de Informação (TI) porque expressa de maneira mais completa o conjunto de tecnologias hoje disponíveis e utilizadas em quase todo processo de trabalho mais complexo, o que incluí a gestão e prestação de serviços sociais. Para reforçar a escolha da terminologia, citamos Castells (2000), o qual define tecnologias de informação como sendo “O conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicação, radiodifusão e optoeletrônica”, expressão mais rica de conteúdos do que aquela evocada pela de “informática”. Outro motivo em defesa da escolha do termo “Tecnologias de Informação” é o uso que a literatura profissional internacional já vem fazendo desta expressão, especialmente por europeus e norte-americanos cuja reflexão e apropriação precursora das tecnologias produziram indicações valiosas, tanto no que se refere às aplicações profissionais quanto ao ensino destas aos futuros assistentes sociais.

Em relação à Assistência Social, o que nos interessa destacar neste contexto é a sua condição de “resultado” ou “momento” de um complexo processo histórico de lutas pelas conquista de direitos sociais, consubstanciado, nem que seja provisoriamente, no texto constitucional de 1988 e na Lei Orgânica da Assistência social – LOAS. Destaca-se a importância destes avanços pelo re-direcionamento da trajetória da assistência social,  inserindo-a no patamar de política pública e pelo teor democratizante conferido aos seus princípios e diretrizes. Entretanto, conforme afirma Pereira (1996), apesar da assistência social ter melhorado seu status formal na Constituição Federal, ela continua sendo informada pela noção de pobreza absoluta e mantém sua feição de política distributiva captando e realocando recursos sem ameaçar o “status quo” dos que estão no ápice da pirâmide (PEREIRA, p.69). Mas, é partir daí que segmentos profissionais mais comprometidos com os interesses populares encontram mais apoio para ampliar o alcance da assistência. Neste sentido, se a intencionalidade é de fazer avançar a luta por conquistas de direitos sociais, os princípios e diretrizes explicitados nos documentos que consolidaram a política de assistência social devem ser considerados e preservados no momento da criação de um sistema de informação. As informações devem ser transparentes a todos os atores sociais, conforme afirma DOWBOR, o acesso à informação é um direito  que temos e deve ser assegurado gratuitamente como outros serviços públicos (DOWBOR, 2003). Ainda segundo este autor, a informação aparece como uma condição chave na construção de processos democráticos de tomada de decisão. Percebe-se, nesse contexto, a pressão pela qualificação dos profissionais da área para o enfrentamento da crescente complexidade colocada pelo gerenciamento da política, através da utilização de todos os recursos disponíveis, dentre eles as tecnologias de informação (TI’s). 

Dentre as experiências de aplicações destas tecnologias ligadas às políticas sociais, escolhemos, para examinar, o Hygia – sistema de informação e gerenciamento da saúde, o SIPIA – sistema de informação para a infância e a adolescência e o SIGS – sistema de informação de gestão social. A análise destes sistemas nos possibilitou uma melhor compreensão do tema e da necessidade de estabelecer, com clareza e transparência, a discussão dos parâmetros para construção deste, levando em conta as diretrizes e princípios da política que o regem. Examinamos estes sistemas considerando a política a que se destinam. A análise partiu das informações disponíveis, através de artigos e  também através de  entrevistas  com servidores e Conselheiros Municipais representantes de diversos segmentos possibilitando, assim,  apontar alguns parâmetros necessários para construção de um sistema de informação da assistência social.

 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS E APLICAÇÕES ÀS POLÍTICAS SOCIAIS

 SAÚDE:- HYGIA- sistema de gerenciamento das atividades de saúde

O SISTEMA Hygia foi criado e desenvolvido por uma empresa privada denominada TECHNE, situada em São Paulo. Trata-se de um sistema de gerenciamento das atividades de saúde, o qual é vendido aos gestores públicos e, segundo o próprio fabricante, tem a finalidade de interligar, através da Internet, ambulatórios, clínicas especializadas, pronto-socorro, hospitais, farmácias e laboratórios, automatizando as atividades, levando a rede de saúde a novos patamares de eficiência e resolutividade.

Em nenhum momento o material de divulgação do sistema Hygia, acessado via Internet, refere-se à política de saúde. Na sua criação é da mesma forma, também não é percebido no discurso dos funcionários que operam nem mesmo pelos conselheiros municipais de saúde qualquer preocupação nesse sentido. É um sistema basicamente elaborado para o controle gerencial das atividades, esse sistema vem, realmente, facilitar o trabalho devido à racionalização que proporciona, servindo assim às necessidades dos gestores. No aspecto técnico, o sistema pode ser considerado  perfeito, visto que  cumpre a função para o qual foi criado, mas terá que avançar, no sentido da democratização destas informações, caso se intencione a  efetivação da política de saúde

CRIANÇA E ADOLESCENTE:- SIPIA - Sistema de informação para a infância e a adolescência.

O SIPIA propõe a criação de um sistema de registro e tratamento de informações sobre a garantia dos direitos fundamentais preconizados pelo estatuto da criança e do adolescente (ECA), lei nº 8.069/90. Este sistema opera sobre uma base comum de dados, definida como núcleo básico Brasil - NBB, levantados e agrupados homogeneamente nos municípios de cada unidade federada, através de um instrumento único de registro. De um lado, o sistema registra os direitos violados e, de outro, subsidia a definição das políticas públicas de atendimento a este segmento específico. Este sistema, se operado de forma correta, é uma ferramenta de trabalho de fundamental importância, pois possibilita, além da racionalidade e otimização das atividades, cumprir e operacionalizar a política de atendimento à criança e ao adolescente.

ASSISTÊNCIA SOCIAL : SIGS- sistema de Informação de gestão social

SIGS é um sistema de informação criado para facilitar o processo de gestão e monitoramento de programas sociais e do acompanhamento das famílias incluídas nestes programas. Este sistema foi elaborado pela PUC-SP/IEE - Instituto de Estudos Sociais - e disponibiliza as informações a outras prefeituras e instituições que desenvolvem atividades e programas de complementação de renda.

Através da Internet, é oferecido um conjunto de informações de grande importância as quais se referem: cadastros das famílias, dos técnicos e dos programas, relatórios gerais, análise de indicadores sociais do programa, e a gestão financeira do programa. Estes dados são de grande importância para os profissionais da área social, pois possibilitam um maior controle e domínio dos programas, porém o programa não possibilita formas de acesso à população das informações derivadas de suas próprias vidas. Podemos dizer que o que se depreende dos menus e rotinas são dados que atendem o gestor, onde há grande ênfase no controle dos usuários.

 RESULTADOS

Primeiramente, queremos salientar que, diante dos avanços tecnológicos e das novas tecnologias de informação, a assistência social não pode permanecer alheia a estas inovações. É evidente a necessidade de incorporar ao funcionamento cotidiano da assistência as ferramentas informáticas e telemáticas, sob pena de se isolar do conjunto de serviços organizados e ofertados nessa modalidade. Contudo, não se trata apenas de utilizar os pacotes comerciais fechados, mas, de avançar no domínio da lógica que embasa o desenho desses sistemas para poder influenciar a construção de aplicações adequadas aos parâmetros ético-políticos profissionais. 

Este domínio tecnológico é um ponto de grande importância na luta pelo reconhecimento da profissão, pois a coloca em pé de igualdade com outras profissões, que hoje estão mais avançadas, neste aspecto.

Pensar um sistema de informação é muito mais que fazer um processo licitatório, contratar uma empresa privada e informatizar o serviço. Este aspecto, desde que existam recursos e  vontade política, é relativamente mais simples, pois as grandes empresas privadas criam, com facilidade, sistemas que visam à racionalização, gestão e o controle dos diversos serviços. O mais difícil é o desenho e criação de sistemas que reflitam interesses da política. Neste caso, a montagem dos sistemas segue um caminho inverso do modelo predominante de se adaptar aos produtos disponíveis. Esta opção é determinada pela intencionalidade e postura ético-política, e é de responsabilidade do gestor público desencadear uma ou outra forma de agir. Quando o gestor tem o compromisso com a política que gerencia, buscará formas para concretizar a política, criando sistemas que viabilizem o controle social por parte da população e também a sua participação.

Quando o gestor não tem este compromisso, ele simplesmente delega esta responsabilidade a uma empresa que, com certeza, desenvolverá sistemas tecnicamente perfeitos, ficarão dependendo destas empresas, pagando muito caro pela manutenção do sistema e sem propiciar nenhum avanço, no sentido de que o sistema se constitua em um meio de democratização do controle social.

Reportando-nos à política de assistência social, aos princípios e diretrizes estabelecidos, os quais referem-se à descentralização, à participação popular, à transparência e ao controle social, é de nosso entendimento que um sistema de informação deverá, antes de tudo, ser e constituir-se num meio de concretização desta política, isto é, este sistema deve ser impregnado por estes parâmetros, os quais constituem-se na espinha dorsal, na luta pela conquista de cidadania.

Para esta construção são necessárias uma grande divulgação e discussão com os diversos setores envolvidos: Conselho Municipal da Assistência Social, sociedade civil organizada, técnicos e comunidade. É este processo inicial que faz a diferença na construção de um sistema de informação, que vise assegurar o cumprimento dos princípios e diretrizes da política da assistência social.

Não se trata de depreciar a importância dos procedimentos de controle e gestão dos serviços, pelo contrário, reconhecemos a importância e a necessidade que é posta aos profissionais frente ao grande volume de informações e dados que são fornecidos no cotidiano profissional, e que precisam ser cuidadosamente tratados e selecionados, constituindo-se num banco de dados, servindo para construção de indicadores de avaliação, tanto das condições de vida da população usuária dos serviços, como da própria política, apontando e (re) direcionando projetos e prioridades.

É importante que estes sistemas sirvam para a construção de redes de informação interligando os diversos serviços e que estes tenham conhecimento dos mecanismos de funcionamento do sistema, permitindo níveis de acesso para consultas, informações, controle e participação. Somente com este grau de envolvimento poderemos dizer que a informatização poderá contribuir para o avanço da política de assistência social, caso contrário, apenas servirá para criar um distanciamento ainda maior da população, criando a exclusão digital deste segmento já tão distanciado dos serviços públicos, tornando a participação popular apenas uma retórica.


BIBLIOGRAFIA

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FALEIROS, Vicente de Paula. Serviço Social: questões presentes para o futuro. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 50, 1996.

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PEREIRA, Potyara A. P. A Assistência Social na perspectiva dos direitos: crítica aos padrões dominantes de proteção aos pobres no Brasil. Brasília: Thesaurus, 1996. 

SIGS, Sistema de Informação de Gestão Social. Disponível em <http://www.sigs.com.br. Acesso em: 26 jun. 2003.

WOLFF, Simone. Informatização do trabalho e reificação: Uma analise à luz dos programas de qualidade total. Dissertação (mestrado), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.

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