CONSELHOS DE DIREITOS: CAMINHO DE SUA CONSOLIDAÇÃO
Vera Lucia Tieko Suguihiro*
* Docente do Departamento Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina e Doutora em Serviço Social.

RESUMO

O presente artigo trata sobre a consolidação de Conselhos Municipais e Tutelares enquanto espaços municipais de participação popular e criação de estratégias para a gestão da política pública municipal de atenção à criança e adolescente.

Palavras-chaves: conselhos, participação popular, gestão pública.


O Projeto Integrado de Reordenamento Político, Jurídico e Administrativo do Estado no Âmbito da Criança e do Adolescente e da Assistência Social tem como preocupação central, expresso desde o seu original, a produção de um conhecimento profissional capaz de contribuir na formação técnica, política, teórica e ética dos diferentes segmentos (profissionais, conselheiros municipais e tutelares) envolvidos com a questão social e política na área da criança e adolescente da região Norte do Paraná, abrangendo, atualmente, 39 municípios da Associação dos Municípios do Médio Paranapanema (AMEPAR) e da Associação dos Municípios do Vale do Ivaí (AMUVI).

Este estudo vem investindo, no decorrer destes cinco anos, em dois desafios: o primeiro desafio está em acreditar na capacidade dos Conselheiros em desenvolver a dimensão prático-crítica em suas ações cotidianas, através da adoção da atitude investigativa; o segundo desafio está em investir na capacidade de mudanças do modo de pensar e agir dos Conselheiros mediante superação das práticas singulares de natureza reiterativa e imediatista, assumindo a construção de um projeto social e político mais amplo, em defesa da garantia dos direito da criança e do adolescente da região do Norte do Paraná.

Estes dois desafios, embora apresentados de modo distintos, fazem parte de um mesmo movimento dialético: os Conselheiros enquanto sujeitos históricos transformam fatos empíricos em fonte de conhecimento, acumulado mediante apreensão crítica dos seus significados, produzindo um novo saber, capaz de imprimir um novo saber/fazer/crítico.

Esta trajetória de investigação-ação foi motivada pela necessidade dos conselheiros em desvelar o que está oculto em suas práticas singulares, bem como estimular a tomada de consciência do seu lugar na sociedade.

O quadro que se desenha, numa primeira aproximação, é de um Conselho que ainda não consegue se desvencilhar das práticas autoritárias e impositivas por parte daqueles que detém o poder; dificuldade de incorporação do seu novo papel de sujeitos políticos, atuando no limite de um “simples fazer parte" de alguma situação pontual e decisão de segunda classe; dificuldade de enfrentar os entraves da máquina administrativa burocratizada do Estado; grau incipiente de organização, dificultando a criação de canais de participação, comunicação e informação; a participação em ações rotineiras, pontuais e burocráticos, ancorando suas ações nas instâncias governamentais; pouca visibilidade das demandas e necessidades do segmento que representa; prevalência na administração dos conflitos internos dos Conselhos, em detrimento de discussões e decisões de interesse coletivo; dificuldade de atuar no campo das ações propositivas, desqualificando-se enquanto instrumento de interlocução e controle das ações governamentais; atitude de desconfiança ao poder constituído (cooptador), prejudicando o exercício político do diálogo e negociação. Nesta perspectiva, os Conselheiros têm se mostrado politicamente despreparados.

Ultrapassar a prática do “já pronto”, do “já constituído”, ou seja, o formal, os enunciados e as regras da lei, vêm exigindo dos Conselheiros, o desmonte crítico das categorias que emergem do senso comum, dando-lhes uma nova configuração do todo social capaz de subsidiar um salto de qualidade, tanto na forma de pensar (sujeitos pensantes), quanto na forma de agir (sujeitos políticos), fundamentados em um trabalho de cariz crítico.

Calcada nesses supostos, a presente pesquisa vem adotando como referência metodológica a perspectiva da investigação-ação, fundamentada na convicção de que a prática singular dos Conselhos é a própria fonte de conhecimento acumulado e espaço vivo de diálogo com a realidade, permitindo que a sua reconstrução seja cada vez mais rica de significados e explicações, mediante a vinculação do pensamento e a ação. Isto significa privilegiar a atitude investigativa no cotidiano das práticas dos Conselhos.

O Fórum Regional de Defesa do Direitos da Criança e do Adolescente, espaço delimitado da realidade empírica a ser investigada, está fundamentado no princípio da regionalização, criado no sentido de garantir um espaço de articulação dos Conselhos Municipais de Direitos e Tutelares como força política significativa para o reordenamento político, jurídico e administrativo do Estado, em defesa da criança e do adolescente.

O Fórum representa o campo da problematização, da inquietação extraída da prática cotidiana dos sujeitos sociais, que articuladas aos interesses e ações coletivos, torna-se um espaço fértil para a consecução de objetivos vinculados a uma determinada organização (fórum, movimentos, instituições).

Neste sentido, tem-se a convicção de que toda ação humana concebida nesta perspectiva favorece a ampliação do horizonte de conhecimento dos sujeitos envolvidos e, ao mesmo tempo, permite o desenvolvimento de ações de natureza crítica de conseqüências sociais e políticas em favor da coletividade.

Assim, a investigação-ação vem investindo na capacidade dos Conselhos constituírem-se em uma instância fundamental no processo de democratização da participação dos segmentos expressivos da sociedade, procurando mobilizar as suas forças vivas para garantir o debate público das políticas locais.

Assim, a importância da consolidação dos Conselhos Municipais e Tutelares da região Norte do Paraná, está em assegurar espaço de participação e engajamento ético-político, instituindo um canal permanente de comunicação e informação, possibilitando o exercício da soberania popular no controle das ações do Estado em defesa dos interesses coletivos da criança e do adolescente.

No entanto, as práticas de consolidação dos Conselhos enquanto instrumento legítimo de defesa e construção da cidadania da população infanto-juvenil têm sido revestidas de grandes desafios.

Embora o Conselho seja um colegiado criado a partir de exigências constitucionais, isto não tem lhe garantido a possibilidade de exercício pleno de suas funções e atribuições.

Ainda, a maioria dos Conselhos foi criado num cenário de perplexidade tanto da sociedade civil quanto do setor político, sem qualquer tempo e clareza para se estruturarem e assumirem o seu novo papel.

A descrença na capacidade da população em tomar decisões políticas e transforma-las em práticas sociais efetivas tem levado os governantes a “convidar” a população para contribuir com sua energia, seu tempo e com seu esforço na execução de atividades de interesse do poder constituído.

Portanto, tornar real o espaço público para o debate democrático dos objetos de interesses coletivos, isto significa: participar, em espaços criados na estrutura de poder, através de ações propositivas, ou seja, assumir uma ação de um sujeito com competência para propor, para negociar, para fiscalizar, para controlar e para defender os direitos da criança e do adolescente e de suas famílias.

O desafio do presente projeto foi em evidenciar o modo pelo qual os Conselhos procederam a captura dos fatos e acontecimentos tidos como importantes para a superação de uma prática meramente reivindicativa e executiva de cunho imediatista, rotineira, burocrática e cartorária – reiteradamente presentes no processo de organização, consolidação e execução das ações dos Conselhos –, transformando-os em objetos de conhecimento.

A proposta da investigação-ação foi imprimir um tipo de ação que possibilitasse a explicitação das principais categorias explicativas, procurando apreender “por dentro”, por aproximações sucessivas, os espectros essênciais existentes na realidade da prática cotidiana dos Conselhos da região Norte do Paraná.

Para melhor compreensão dos conteúdos e dos resultados preliminares da investigação-ação, os dados foram sistematizados em 4 (quatro) grandes categorias de análises, com a intenção clara de identificar as principais categorias de base empírica, para em seguida, reconstruí-las mediante uma sustentação crítica.

Categorias de base empírica: Organização e Burocracia

– Ausência de princípios, diretrizes, planejamentos e metodologias de trabalho;

– falta de organização e direcionamento das ações de modo a embasar as práticas dos Conselhos;

– ênfase na administração de conflitos internos dos Conselhos, em detrimento da discussão e decisão sobre a política de atenção a criança e ao adolescente;

– falta de clareza das reais funções e atribuições dos membros dos Conselhos;

– centralização de poder na pessoa do presidente, desqualificando o caráter colegiado do Conselho;

– desânimo e falta de compromisso dos Conselheiros frente às dificuldades enfrentadas no seu cotidiano;

– as atribuições e funções dos conselheiros estão subordinadas (tempo, prioridade, dedicação) às outras atividades profissionais;

– acúmulo de cargos e responsabilidades junto a outros segmentos (conselheiro da saúde, da assistência social, do trabalho, da segurança), comprometendo sua participação;

– alta rotatividade dos representantes dos Conselhos, prejudicando o processo de continuidade dos trabalhos e tomada de decisões;

– problemas de natureza coletiva são tratados em âmbito privado;

– precárias as instalações físicas dos Conselhos;

Reconstrução da categoria: Autonomia Administrativa

O que se percebe é que os problemas enfrentados pelos Conselhos vão além dos problemas burocráticos ou administrativos. O vício da subordinação não foi superado porque os conselheiros ainda estão entrincheirados em suas próprias alienações culturais, políticas e sociais.

O vício de reduzir suas ações em conquista de pessoas, instituições e atos burocráticos tem alimentado “vaidades” internas em detrimento de uma gestão democrática.

O que os Conselhos precisam vislumbrar é a possibilidade permanente e cumulativa de conquistar espaços no interior da esfera pública, invertendo paulatinamente a correlação de forças, fazendo com que os conhecimentos, as informações, os movimentos contraditórios, as relações sociais, sejam potencializados como instrumentos político/administrativos para a realização de seus propósitos. Ou seja, utilizar as estruturas do poder para criar uma contra ordem social, para gerar novas iniciativas de construção das condições de sua própria liberdade. (Coutinho, 1989)

Neste sentido, os Conselhos não podem ser entendidos como um espaço de confronto e de lutas entre público e o privado. A posição a ser assumida pelos Conselhos está na capacidade dos sujeitos sociais se situarem na sociedade, bem como do nível de consciência sobre seu poder enquanto força política no município.

Novos desafios:

– Investir em ações propositivas e deliberativas com suporte burocrático-administrativas de qualidade;

– potencializar a capacidade de gerenciamento a partir das condições existentes;

– investir na capacidade do sujeito assumir o controle do seu próprio avanço;

– criar formas ágeis de comunicação e informação para garantir maior visibilidade das decisões e das ações a serem implementadas pelos Conselhos

Categoria de base empírica: Forças em Confronto

– Omissão por parte do poder público no processo de consolidação dos Conselhos, dificultando a articulação tanto da sociedade civil quanto do poder público para a sua estruturação;

– dificuldades no relacionamento entre os representantes do poder público e da sociedade civil, minado pelo “sentimento de desconfiança”;

– prevalência da prática de compadrismo e autoritarismo para indicação de conselheiros representando o setor público;

– representante do poder público desqualifica a participação da sociedade civil, prejudicando o princípio da paridade;

– negação dos membros dos Conselhos como força política do município na condução dos interesses e necessidades do segmento que representa;

– pouco envolvimento da sociedade civil no debate de suas necessidades e reivindicações, delegando aos “seus representantes” esta responsabilidade;

– “pessoas” ou “entidades” exercendo a função de “representação”, colocando em risco o interesse coletivo;

– práticas impregnadas de acomodação e alienação como subproduto cultural brasileiro;

Categoria reconstruída: Lutas e Conquistas Coletivas

Partindo do pressuposto de que “ a participação não é dada, é criada. Não é dádiva é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. A participação precisa ser construída, forçada, refeita e recriada”. (Demo, 1988, p. 82) A capacidade de partilhar o poder de decisão é uma conquista.

Nesta perspectiva, o processo tende a ser lento e conflituoso. É um exercício cotidiano não muito fácil de decisão. Trata-se de definir “quem faz o que” na sociedade. Ou seja, um exercício de poder conjunto com divisão de responsabilidade tanto nas decisões tomadas, quanto nas ações executadas e nos resultados obtidos.

A prática de Conselho de caráter coletivo e emancipatório está na sua capacidade de assimilar os novos conceitos das estruturas modernas da sociedade civil. Para Maria Glória Gohn a sociedade civil hoje,

“não só capitalizam os anseios político-culturais e as necessidades econômico-sociais/coletivas como também adquiriram identidade democrática e passaram a ser vistas como os “fiscais da sociedade civil” sobre a sociedade política em seu conjunto, denunciando e pressionando-a. Uma nova institucionalidade se esboça a partir da nova visão de mundo que se construiu onde se observa a reformulação da concepção sobre o que é e o que pertence à esfera pública, a construção de uma nova esfera ou subesfera, entre o público e o privado, que é o público não-estatal; e o surgimento de uma ponte de articulação entre estas esferas, dada pelas políticas de parceria.” (Gohn, 1997, p. 105)

Esta visão de mundo implica no resgate dos valores éticos fundamentais como liberdade, democracia, respeito, dignidade, justiça, de modo a alavancar nos diferentes atores sociais o desejo de luta em prol dos interesses gerais da coletividade.
Para Hannah Arendt,

“o poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (Arendt, 1991, p. 212)

Nesta perspectiva, os conselhos da região Norte do Paraná estão procurando criar “algo novo”, representando interesses coletivos que traz em seu bojo um desejo e um esforço por um “que fazer” plural e democrático, numa fundamentação crítica, para a construção de novas práticas.

Neste processo, os Conselhos vêm percorrendo uma trajetória descrita por Utria como um movimento que “começa com um lento e articulado processo de tomada de consciência, pelo qual os indivíduos adquirem uma vivência real de sua situação e de seu destino no universo social e político que os rodeia, elaboram e definem uma imagem de seus autênticos interesses e os contrastes, analiticamente , com a ordem social, política e econômica . Através deste processo, o homem e a comunidade se descobrem a si mesmos, se identificam com tudo aquilo que resulte compatível com sua dignidade humana e que pode conspirar contra seus interesses e aspirações. Nessas condições homem e comunidade estão potencialmente preparados para iniciar o complexo processo de participação.” (Utria, 1969, p. 55)

Novos Desafios:

– Reconhecimento social e legitimidade política dos Conselhos como interlocutores para a formulação das políticas públicas locais;

– elaboração de um proposta social a ser “apropriada”, a ser “assumida” pela sociedade como uma bandeira de luta;

– investir em ações em que os Conselhos possam divulgar sobre o que faz para conquistar maior visibilidade social e política;

– incluir no debate público novos valores coletivos como as noções de autonomia, transparência, parceria, direitos, solidariedade, pluralidade, as quais deverão fazer parte do cotidiano dos atores sociais.

Categoria de base empírica: Treinamento e Capacitação

– Dificuldade de compreensão do significado filosófico, ético, político dos princípios e diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); falta de clareza conceitual;

– conhecimento fundamentado no senso comum;

– dificuldade de participação dos Conselheiros em curso de capacitação e de formação continuada (tempo, interesse, motivação, deslocamento, recurso financeiro, autonomia, liberação etc);

– prevalência da cultura do “aqui e agora” desqualificando qualquer ação a ser projetada à médio e a longo prazo;

– ausência de um diagnóstico da realidade e planejamento de suas ações;

– busca de uma “receita mágica” que melhore a atuação dos conselheiros;

– resistência em refletir a prática orientada por uma teoria - “Na prática a teoria não funciona”;

– desqualificação de cursos que venham exigir dos conselheiros o “pensar sobre a sua prática” de modo mais sistematizado;

– reivindicação de curso para troca de experiência com conotação de “troca de receita” , sem a sua reconstrução crítica;

– pouca capacidade de reflexão propositiva;

– negação e desqualificação enquanto sujeitos pensantes;

– dificuldade de motivação e envolvimento de conselheiros em atividades teóricas (aula expositiva/reflexiva);

– falta de clareza entre a dimensão política do conselho e política partidária (preferência do prefeito);

Categoria Reconstruída: Cidadão em Formação

Para Marilena Chaui o “saber é um trabalho”. Por ser um trabalho, é uma negação reflexionante, isto é, uma negação que, por sua própria força interna, transforma algo que é externo, resistente e opaco. (Chaui,1990, p. 4)

“(...)a experiência imediata cuja obscuridade pede o trabalho da clarificação. A obscuridade de uma experiência nada mais é senão seu caráter necessariamente indeterminado e o saber nada mais é senão o trabalho para determinar essa indeterminação, isto é, para torna-la inteligível” (Chaui,1990, p. 5)

A resistência dos Conselheiros frente ao trabalho de reflexão adquiri um componente ideológico: a valorização do “fazer/ já pronto” está na segurança que o movimento da ordem instituída, as normas previamente fixadas e aceitas como verdadeiras na esfera da vida social, legitima e autoriza um tipo de prática isenta do questionamento, do inconformismo, da crítica reiterada à realidade, anulando a possibilidade de desvelar as contradições e as diferenças entre pensamento e realidade.

Neste sentido, os conselheiros deixam a condição de atores sociais e político e assumem à condição de homem/objeto, desamparado de um saber. Entra em cena algum detentor de conhecimento que “exige a interiorização de suas regras, pois aquele que não as interiorizar corre o risco de ver-se a si mesmo como incompetente, anormal, a-social, como detrito e lixo” (Chaui, 1990, p. 13)

Desvelar o risco do conhecimento instituído – enquanto “arma para um fantástico projeto de dominação e de intimidação social e político”, (Chaui, 1990, p. 13) significa libertar das amarras do saber autorizado e assumir a posição de sujeitos de pensamentos, negação e historicamente situado.

Assim, tornar as ações mais qualificadas significa abrir caminhos para uma gradativa interferência no processo decisório da Política Pública local, conquistando o reconhecimento político e social no interior do espaço de poder.

Novos Desafios:

– Investimento na formação do cidadão para o resgate da atitude criativa, organizadora e mobilizadora da sociedade;

– formação de lideranças populares para atuarem como co-partícipe das políticas públicas municipais;

– elevar o mundo do saber como um bem público, ou seja, com direito de acesso, usufruto e produção por parte de todos os sujeitos sociais;

Categoria de base empírica: Contra-Informação

– Dificuldade de comunicação e divulgação das ações desenvolvidas pelos Conselhos, pouco reconhecimento e valorização, tanto da sociedade civil, quanto do poder público face a pouca visibilidade de suas práticas;

– o caráter privado dada à ação dos Conselhos vem em detrimento da construção do espaço coletivo aberto ao debate, a publicização da vida política, a socialização de idéias e propostas;

– informações truncadas têm permitido que as autoridades repassem apenas o que lhes interessam;

– centralismo e privilégio de acesso aos meios de comunicação do poder constituído;

– desconhecimento do papel da informação como instrumento formador da opinião pública;

– a prevalência da desinformação em prejuízo às práticas transparentes e democráticas;

Categoria Reconstruída: Comunicação e Informação

A informação, necessariamente, precisa ter um conteúdo de crítica da realidade com a nítida clareza de refletir os anseios da sociedade. Deve estimular a participação, a organização, a mobilização da sociedade, seja numa formatação de movimentos reivindicatórios de acesso a bens de consumo coletivo e/ou tornando espaço de denúncias e manifestações sobre os diferentes aspectos da vida cotidiana.

Constituir espaço de comunicação e informação democrática como fonte de diálogo, de deliberação, de representação múltipla dá aos Conselhos uma nova configuração nas relações entre Estado e Sociedade Civil. Torna-se quase impossível pensar em ações comprometidas, sem dar relevância ao papel da comunicação e da informação enquanto instrumento de formação da consciência crítica da sociedade.

Nesta perspectiva, a comunicação e a informação toma uma dimensão de embate entre a alienação e cidadania.

A alteração significativa dos valores, princípios, conceitos, dos diversos atores sociais e da população em geral não se garante mediante existência de leis e regulamentos. O que precisa ocorrer são mudanças na forma e na qualidade da comunicação, da informação e da revolução tecnológica em favor do resgate da cidadania da população menos favorecida.

Alavancar um autentico processo de conscientização e formação cultural para alteração dos preconceitos profundamente enraizados na sociedade contemporânea deve constituir-se em eixo essencial de recuperação da democracia.

A socialização da informação implica também na partilha do poder da informação. A democratização do acesso à informação, a criação de redes descentralizadas, potencializa os diferentes atores sociais para uma ação entre iguais.

Novos desafios:

– Criar instrumento diversificado de acesso as informações, mediante organização, produção e distribuição de material de natureza pedagógica (cartilhas, manuais, folhetos, site, endereço eletrônico), que divulguem as práticas realizadas pelos diferentes segmentos da sociedade;

– criação de novos canais de comunicação para expor idéias e propostas para a construção de uma base cultural e política;

– organização e acesso às informações para melhor instrumentalizar a população sobre os programas e serviços existentes nos municípios;

– formação diretamente vinculados à organização da informação municipal e aos programas de comunicação;

– investimento em programas de divulgação e informação das ações dos Conselhos para obtenção do aceite social e conseqüente apoio às iniciativas locais;

– incentivar os diferentes segmentos da sociedade para a participação no planejamento, produção e gestão de atividades de comunicação e informação, a serviço do bem comum;

– envolver técnicos e especialistas da área de comunicação para assessorar na produção de programas, definição de recursos e metodologias adequadas de trabalho para alcance dos objetivos.

Os indicadores aqui elaborados constituem mais uma síntese das reflexões críticas dos estudos empreendidos, no sentido de vislumbrar novos caminhos (ou inquietações), impondo novos desafios.

Neste sentido, o estudo sinaliza de modo reiterado que nas práticas cotidiana dos Conselhos o tema da informação e a comunicação têm como instrumento de formação da consciência crítica da sociedade sobre o papel dos Conselhos Municipais de

Direitos e Conselhos Tutelares.

Para Thompson,

“o desenvolvimento dos meios de comunicação é, em sentido fundamental, uma reelaboração do caráter simbólico da vida social, uma reorganização dos meios pelos quais a informação e o conteúdo simbólico são produzidos e intercambiados no mundo social e uma reestruturação dos meios pelos quais os indivíduos se relacionam entre si.” (Thompson, 1998, p. 19)

Assim, é através da comunicação que os atores sociais estabelecem e renovam às relações sociais uns com os outros, dentro de um contexto sócio-histórico.

Neste sentido, é importante caracterizar a comunicação enquanto ato social. Mas, contraditoriamente, por integrar na rotina, na atividade prática da vida cotidiana dos indivíduos, a recepção dos produtos da comunicação transformam estes mesmos indivíduos em consumidores passivos, de acordo com formação e as condições sociais de cada um.

Contudo, a atividade interpretativa do produto da comunicação, exige do sujeito receptor um grau de atenção, concentração e esforço, tendo como pano de fundo o conhecimento que os indivíduos vão acumulando enquanto sujeitos históricos.

Thompsom argumenta que através da “apropriação das mensagens da mídia, os indivíduos são envolvidos num processo de formação pessoal e de auto-compreensão”, (Thompson, 1998:46), potencializando sua capacidade de ampliar os horizontes de suas experiências e conhecimentos.

Nesta perspectiva, torna-se condição para cada Conselheiro alargar os horizontes, olhar para mais longe, captar novas formas de apreensão do movimento da realidade, ou seja, desenvolver a capacidade de decifrar os limites e as possibilidades que sua prática cotidiana lhe impõe e construir proposta de ações criativas capazes de efetivar direitos.

O desafio está na mudança de pensamentos e práticas dos Conselheiros. É preciso redimensionar as práticas coletivas, valorizando as experiências já vividas. Nessa caminhada é que os iguais descobrem suas diferenças e os diferentes encontram sua igualdade, deslocando-se da unidade arbitrária e, aos poucos, vão tentando reaprender os vínculos com a unidade provisória construída a partir de interesses comuns, não de uma categoria abstrata, imposta (Ribeiro, 1998, p. 67).

O mais importante é continuar insistindo nesta caminhada, sem perder a perspectiva de mudança em direção a uma sociedade democrática que motive as lutas coletivas em prol da criança e do adolescente.


ABSTRACT

This article is about the consolidation of the Municipal and Tutelary Councils as public space of popular participation and creation of strategies to the administration of municipal public politics of attention to the child and the adolescent.

Key words: councils, popular participation, public administration.


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