ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: UMA ABORDAGEM SOCIAL
Cristiano Guedes de Souza

RESUMO

O presente traz considerações sobre a adoção da prática da produção de alimentos transgênicos e sobre o componente ético contido dessa nova prática.

Palavras-chave: alimentos transgênicos, ética.


Através da história a ciência tem proporcionado ao homem apreender o ambiente no qual está inserido e transformá-lo conforme as suas necessidades. Neste cenário surge a polêmica questão dos alimentos transgênicos resultante do avanço na Engenharia Genética.

Os transgênicos são alimentos manipulados geneticamente, através da tecnologia do DNA recombinante que proporciona, entre outros: a transferência de genes animais para espécies vegetais e vice-versa; e retirada de genes responsáveis, por exemplo, pela reprodução da planta.

O sociólogo Max Weber em seu texto “ A ciência como vocação” já fazia a seguinte reflexão quanto as contribuições científicas: “ A ciência Natural nos dá uma resposta para a questão do que devemos fazer se desejamos dominar a vida tecnicamente. Deixa totalmente de lado, ou faz as suposições que se enquadram nas suas finalidades, se devemos e queremos realmente dominar a vida tecnicamente e se, em última análise, há sentido nisso.” Nota-se a necessidade latente de se avaliar os benefícios provenientes do avanço científico e a maneira como a humanidade deve lidar com as suas conquistas.

A contribuição bioética é fundamental na busca de caminhos viáveis diante de conflitos que surgem entre a moral e a conveniência de se adotar alimentos alterados geneticamente, por exemplo. Pois através da abordagem bioeticista haverá a confrontação entre o funcional e o tradicional, o sagrado ( intocável ) e aquilo que é vulnerável à ação humana e, portanto, mutável. Os debates bioéticos proporcionam o encontro de opiniões divergentes que almejam algo comum: a vida em sociedade apesar da pluralidade de atores sociais existentes.

No cenário brasileiro a soja transgênica, em virtude de seus benefícios e malefícios, tem sido alvo, inclusive, de análises éticas.

Os aspectos positivos que foram considerados, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério da Agricultura, para a liberalização do plantio, comercialização e consumo das soja transgênica no Brasil são os seguintes: redução de 10 a 15% nos custos de produção da soja possibilitando, assim, aumento das exportações; e resistência de plantas às pragas oque dispensa a utilização de herbicidas (agrotóxicos) utilizados atualmente. Também, o fato de a fruta transgênica manter o sabor e permanecer com sua consistência por vários dias em temperatura ambiente, pode ser considerado um benefício presente no alimento modificado geneticamente.

Quanto aos riscos identificados nos alimentos transgênicos, destacam-se segundo Goldim (1999) : “toxicidade em grandes populações e a dificuldade de execução de estudos de monitoramento; alergenicidade, que não será resolvida pela simples rotulagem (selo que informa ao consumidor a presença de transgênico ); hibridação de espécies nativas com plantas transgênicas, repassando a característica para uma outra espécie, ao acaso. O principal risco envolvido é a transmissão de resistência à substâncias químicas, tipo herbicidas, podendo gerar novas pragas resistentes; e dependência dos produtores e consequentemente, da própria sociedade, de um reduzido número de indústrias que produzem sementes patenteadas, com replantio impedido por contrato ou por geração de pagamento de royalties”.

O curto processo observado na liberalização do cultivo de transgênicos em território nacional corrobora a suposição de que a avaliação ocorreu insatisfatoriamente. Uma vez que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio– órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia – responsável pela avaliação e aprovação dos testes ( realizados em outros países ) de variedades de plantas obtidas pela biotecnologia, embora apontando a necessidade de estudos de impacto ambiental segundo as peculiaridades da biodiversidade brasileira, aprovou o cultivo da soja transgênica. Diante destes fatos a sociedade tem-se manifestado sob diversas formas, como por exemplo: a proposta (moratória de cinco anos de testes em território nacional antes da liberalização do produto) feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC; a realização, na Câmara dos Deputados, do “ Seminário Internacional Sobre Biodiversidade e Transgênicos” – momento em que foi discutido, juntamente com vários atores sociais, os aspectos éticos, políticos e econômicos presentes na biotecnologia dos transgênicos; e a proibição, da comercialização de soja transgênica, determinada pelo juiz federal Antônio Prudente e contestada pelo ministro Bresser Pereira.

Não restam dúvidas quanto a falta de segurança apresentada pela Engenharia Genética, entretanto é através do aprimoramento das técnicas e novas pesquisas que se poderá contornar esta limitação. Portanto, faz-se necessário cautela entre os opositores e os defensores dos alimentos geneticamente alterados que através de discussões inflamadas defendem posicionamentos radicais e, por vezes, excludentes. Os avanços técnicos de Engenharia Genética trarão contribuições ao homem desde que a ciência proceda responsavelmente no seu agir e considere a diversidade ética, cultural, política e econômica constituinte da população.

“ Os conceitos éticos estão vinculados aos costumes da sociedade, aos modos, às tradições e às instituições, todos eles estruturam e formam as maneiras pelas quais um membro desta sociedade lida com o mundo.” (Elliott C. Where ethics comes 1992; 22(04): 28- 35.).

A autonomia do indivíduo é vital na busca de saídas às questões éticas demandadas. O espaço ocupado pela esfera privada (a pessoa e os seus valores, crenças e objeções) e a esfera pública (o comum, o coletivo “materializado” através da moralidade, das leis ...) não deve configurar-se num local de disputas pelo poder de coerção; mas a busca de uma coexistência cada vez mais satisfatória apesar das diferenças – deve ser a meta perseguida na trajetória da ética.

O agricultor, o consumidor, o cientista, o professor, o médico, o assistente social , enfim todos os membros da sociedade possuem exigências provenientes do desenvolvimento da humanidade, conforme destaca Bobbio ( 1992:76 ) : “ as exigências de direitos sociais tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade ... são precisamente certas transformações sociais e certas inovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis e inexeqüíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido.”

Lidar com estas exigências e construir um meio que assegure a liberdade, democracia, cidadania, justiça e eqüidade social são os requisitos que ditarão um novo capítulo na história da humanidade.


ABSTRACT

This paper is concerned with the adoptiom of the transgenic food production and the ethical issue of this practice.

Key-words: transgenic food, ethic.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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