CONTEMPORANEIDADE E SERVIÇO SOCIAL: Contribuição para Interpretação das
Metamorfoses Societárias

Ana Carolina Santini B. de Abreo*

* Assistente Social, PROF DO Depto de Serviço Social da UEL , doutora em Ciências da Comunicação-USP.Coordenadora da Pesquisa.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo promover debates pertinentes as transformações que vem ocorrendo: no mercado mundial, na globalização, no avanço do neoliberalismo procurando encontrar algumas hipóteses explicativas dos fenômenos da pós-modernidade que mudaram o espaço ocupacional do Serviço Social e as demandas a profissão

Palavras-chaves: globalização, neoliberalismo, novas tecnologias,novas demandas profissionais


No limiar do 2000, é importante que o Serviço Social como profissão, reconheça as profundas alterações que estão acontecendo na América Latina e no mundo.

Esta leitura deve realizar-se através de uma visão macroscópica, que estude com um enfoque interdisciplinar o mundo contemporâneo considerando as dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas para analisar e delinear as principais categorias explicativas que permitam proceder ao estudo das mudanças que se produziram em todos os países do planeta. O Brasil, é profundamente atingido pelas transformações originadas pela globalização dos mercados e o avanço do Neoliberalismo. Na atualidade, o país vive um momento de redefinição, porque os rearranjos políticos internacionais aprofundaram ainda mais as diferenças, por um lado a concentração da riqueza e por outro o empobrecimento da população, afetando principalmente o mundo do trabalho, altos índices de desemprego e novos modelos de organização e estruturação, causando a flexibilidade e a precariedade nos vínculos de trabalho. Reduzindo cada vez mais as responsabilidades do Estado sobre a seguridade social e os direitos sociais da população. Estas transformações societárias vem implicando, não só a emergência de novas demandas para o Serviço Social, como na necessidade premente de redimensionar a formação profissional a partir de procedimentos investigativos* que tomem como objeto as mudanças do espaço ocupacional do Assistente Social. O estudo desta temática , é importante para o Serviço Social, pois vem proporcionar uma análise das mudanças impostas pelas novas tendências da sociedade contemporânea e seu rebatimento na prática do Serviço Social.


1. As questões contemporâneas

Alertamos aos Assistentes Sociais para esta discussão contemporânea, principalmente para aqueles que ainda não estão conscientes do que está acontecendo no mundo e principalmente em América Latina. Neste debate encontramos duas posturas: os apocalípticos , que acreditam que no final deste século, a economia de mercado internacionalizado trará enormes prejuízos para os trabalhadores, pois a crises que abala as bolsas é uma recente manifestação de um processo em que o poder dos governos, o papel das empresas e o destino dos empregos e as culturas nacionais são transformados pela integração econômica e tecnológica.

Para Viviane Forrestier (1997), no atual modelo econômico que se instala no mundo sob o signo da cibernética, da automatização, das tecnologias revolucionárias-, o trabalhador é supérfluo e está condenado a passar da exclusão social a eliminação. Na era da mundializacão, do liberalismo absoluto, na era da globalização e a virtualidade, o trabalho é considerado como conjunto de empregos e assalariados, é um conceito obsoleto, um parasita sem utilidade, é a falta de humanidade de um sistema que lucra a partir da vergonha e a humilhação de milhes de desempregados por todo o mundo .

No atual modelo econômico que se instala no mundo sob o signo da cibernética, da automatização, das tecnologías revolucionárias-, o trabalhador é supérfluo e está condenado a passar da exclusão social a eliminação total.

Mas em contraposição ao “Horror econômico”, Robert Kurtz manifesta outra visão: de que o capitalismo começa a libertar o homem do sofrimento do trabalho. O que deve diferenciar-se, é que o escasso ” tempo livre” é hoje um mero prolongamento do “trabalho” por outros meios como prova a industria da diversão. Na atualidade, a lógica do “trabalho”, apoderou-se das esferas cindidas e insinuo-se na cultura, no esporte até mesmo na intimidade.

Da mesma forma o desenvolvimento das forças produtivas cientificadas leva ao absurdo a priorização do trabalho. O principio positivo do sofrimento não pode mais sustentar-se, pois o capitalismo começou a libertar o homem do “trabalho”.

Nas palavras de Kurtz “No futuro a emancipação social não poderá mais fundar-se num conceito positivo de “trabalho”. Este fim histórico de sofrimento, não seria o fim da atividade humana em sua troca com a natureza, mas somente o da menoridade irrefletida.”

Posições apocalípticas ou mais positivas, demonstram que por mais que certos pensadores queiram incondicionalmente preservar essa forma que nos conhecemos hoje por trabalho, ele está mudando, e neste fim de milênio, encontramo-nos diante de uma porta, atrás da qual existem conceitos ainda pouco conhecidos para desvendar.
Os integrados ou triunfalistas manifestam que a globalização da economia e a internacionalização dos capitais internacionais, não são um fenômeno recente, mas existe atualmente de una forma mais intensa, e a alta tecnologia , a cibernética e a robótica, estão causando a mesma reviravolta, que na época em que os teares foram substituídos, durante a revolução industrial. Contudo, tem que existir nesta nova onda, uma readaptação dos trabalhadores, depositando na capacitação dos operários as maiores esperanças para o futuro, contra o desemprego estrutural.

Nesse sentido as épocas de transformações polarizam expectativas, é natural que num mundo de velozes mudanças: tecnológica, econômica e geopólitica se produza um assombroso desvio dos teóricos sobre as crenças acerca do futuro. O pensamento catastrófico de Jean Beaudrillard e Viviane Forrestier entre outros e os Triunfalistas, Roberto Campos o Gunter Sachs são o resultado de épocas marcadas pela aceleração do tempo histórico, repleto de ansiedade frente ao desconhecido.
Quais são as principais hipóteses sobre as transformações societárias?

Segundo Eduardo Gianetti da Fonseca, O fenômeno da globalização é o resultado da conjunção de três forças poderosas:
– A terceira revolução tecnológica (tecnologia ligadas a busca, processamento , difusão e transmissão das informações; inteligência artificial; engenharia genética).
– A formação de áreas de livre comércio e blocos econômicos integrados (como o Mercosul, a União Européia e o Nafta);
– A crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária.

Segundo Steffan(1997) o termino do “período extraordinário” do capitalismo de pós-guerra e a mudança radical das relações sociais de produção mediante a substituição do Estado benfeitor keynesiano pelo capitalismo reacionário do Estado- não bem nomeado “ neoliberalismo”- foram duas variáveis de grande importância no processo de globalização do capital .

Para outros autores “O neoliberalismo é um engano monumental, no somente do ponto de vista econômico mas também no político, já que preconiza uma ampla democracia e na sua versão latino-americana tem levado a um desmantelamento dos antigos estados de bem-estar e a um crescimento desmesurado do poder transnacional, num processo autoritário, realizado fora da vontade dos povos do continente.” Garrido l997

Podemos afirmar então, que este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, auto-consciente, militante , lucidamente decidido a transformar todo o mundo á sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional .

O neoliberalismo aparece como uma categoria fundamental pois altera as dimensões, orientações e funcões do Estado.
Do Estado de Bem-estar Social ao:

• Estado Mínimo
• Privatização de empresas públicas,
• Não intervenção do Estado na economia.
• Redução do gasto público (diminuição de recursos destinados a área social: políticas sociais e assistenciais)

Estas caraterísticas apontadas do modelo neoliberal implicam na alteração das políticas sociais: base de sustentação da profissão.

Como fator fundamental aparece a redução do tamanho do Estado e a conseqüente privatização das políticas sociais que estão saindo da orbita do Estado e passam para: ONG, Igrejas, Instituições filantrópicas, Associações de Moradores etc.). As Políticas Sociais que permanecem perdem seu caráter universal e enfocam somente a população mais pobre.

O avanço do neoliberalismo promove a descentralização das Políticas Sociais mas ao mesmo tempo, ocorre a: centralização executiva, econômica e normativa. Podemos decodificar que o discurso neoliberal promete uma maior igualdade de oportunidades, tanto em nível institucional como para a população, mas paradoxalmente podemos constatar no cotidiano da pratica profissional, a existência de uma crescente desigualdade econômica , social e cultural.

Alain Touraine (1997) assinala uma luz no final do túnel, ele afirma que a eficácia positiva das indispensáveis reformas liberais está esgotada. Seus efeitos negativos, sobre todo os sociais e os políticos, são cada vez mais evidentes devido as posições anunciadas pelos diferentes chefes tanto do FMI (Fundo Monetário Internacional (como do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

As últimas noticias da Cumbre das Américas realizada no mês de abril de 1998, no Chile reafirma a necessidade dos governos de implantar a educação para todos, e melhorar a situação social dos países do Mercosul para poder integrar o ALCA (Associação de Livre Comercio das Américas) previsto para o ano 2005, posturas incompatíveis com a redução do Estado, pois ele deverá ser o principal gestor de recursos para a implantação de políticas para a educação e para a área social. Tal vez, o fato mais importante e que se estão gerando algumas contradições no cenário nacional e internacional.

Em sínteses, as mudanças nos processos produtivos, geraram, um impacto, que atingiram a todos os países. O Brasil está sendo profundamente afetado pelas transformações do mundo do trabalho. Sobre todo, é necessário mobilizar todos os segmentos para defender os direitos sociais já contidos na Constituição de 1988 para enfrentar as conseqüências de este processo; principalmente “a escassez” de trabalho, que está refletida nos altos índices de desemprego , y também pelas novas modalidades de organização e estruturação, originando a flexibilidade e precariedade dos vínculos laborais.

2.Mudanças no espaço ocupacional do Serviço Social

Se bem foi constatado através de investigações sobre o mercado de trabalho de Serviço Social realizadas em diversas regiões, que no Brasil ainda não tem ocorrido uma redução global de demandas de Assistentes Sociais, encontramos , uma sensível diminuição de postos de trabalho no Estado, (vagas que já não são mais preenchidas) com cortes dos recursos orçamentários para as políticas sociais e um aumento de trabalhadores voluntários e de terceirização dos serviços.

Se as políticas sociais como observa Carlos Montaño (1997:117) se constituem em fator de sustentação funcional ocupacional dos assistentes sociais (sua funcionalidade, sua instrumentalidade, sua legitimidade) se estas foram significativamente alteradas no atual contexto sócio-econômico e político (suas orientações e funcionalidade) podemos pois, afirmar que a base de sustentação funcional-ocupacional do Serviço Social tem sofrido (ou ainda estão sofrendo) transformações relevantes.

Com base nestas observações é importante destacar que apesar do maior empregador ainda ser o Estado, também existe una tendência de abertura para novos postos de trabalho em outras esferas, como nas Organizações Não Governamentais, ampliação das consultorias devido a terceirização dos serviços, e nos serviços privados de saúde entre outros.

Registra-se no atual contexto , mudanças nas atividades que já foram atribuídas ao Assistente Social, atualmente exige-se, cada vez mais, que integre equipes interdisciplinares, que atue no âmbito da formulação e implementação das políticas sociais, impulsadas pelo processo de municipalização ; que tenha contato com o mundo da informática e conheça as novas tecnologias e as formas de gestão administrativa – entre outros aspectos.

No bojo das discussões, a preocupação que é mais saliente refere-se ao Sevicio Social como profissão, que deve ir de encontro a esta nova realidade, pois existe o perigo latente deste vir a tornar-se uma pratica residual. O desafio profissional radica em não fechar-se em si mesmo, ampliar os horizontes procurando compreender as mudanças que estão acontecendo no mundo e principalmente em Latinoamérica. Em quanto a este problema, sustentamos que é possível e necessário que a profissão como um todo inicie um debate e participe ativamente na definição de sua base de sustentação ocupacional, pudendo assim os assistentes sociais converter-se em atores desse processo .

Como afirma Netto (1996: 89) as profissões não são só os resultados de processos macroscópicos devem também ser tratadas, cada qual como corpus teórico e políticos que condensam projetos sociais, onde emanam dimensões ideológicas que dão a direção aos mesmos processos sociais.

Por tanto, devemos avançar e conquistar um efetivo mercado de trabalho, mas devemos preocuparmos também por melhorar o nível da formação profissional. Estos seguimentos estão estreitamente interrelacionados, pois existe uma correlação entre as dificuldades da pratica profissional atual, os baixos salários, o aumento da clientela a ser atendida, e o preparo dos outros profissionais que disputam o mesmo espaço ocupacional.

Só através da formação profissional acorde as novas exigências do mercado de trabalho e a retroalimentação constante de novos conhecimentos permeados por uma reflexão critica é que poderemos tornarmos competentes , podendo assim competir lado a lado com outras profissões da área de humanas.

Redimensionar o perfil profissional que exige na atualidade um conhecimento de línguas estrangeiras, de informática, sintonias com as mudanças e atenção a qualificação continua. Requisita-se um profissional crítico com competência teórico-metodológica, técnico operativa e ético-política, dotado de habilidades como criatividade, versatilidade, iniciativa, liderança, capacidade de negociação, resolutiva e de argumentação, habilidade para o trabalho interdisciplinar e para atuar no campo da consultoria KROIKE.:1997

Nesta ótica, o desafio para o Serviço Social como profissão no limiar do próximo século e participar como um agente ativo na formulação de políticas públicas, inserido em equipes interdisciplinares, atuando no mundo da informática, vinculando-se nas redes mundiais. Capacitándo-se permanentemente e abordando também as novas técnicas e discursos gerenciais .

Por último, as grandes mudanças na sociedade como um todo e nas organizações, instituições governamentais, não governamentais ou empresas, aconteceram nos últimos anos na maioria dos países ocidentais Estas mudanças : como a tendência à privatização, a terceirização de setores das organizações, a grande revolução do setor da comunicação e da tecnologia, a globalização da economia e o avanço do neoliberalismo afetaram o mundo do trabalho e o espaço ocupacional do Serviço Social e levaram aos países latino-americanos onde impera a desigualdade social, à redução paulatina das responsabilidades do Estado sobre a seguridade social e os direitos sociais da população.
O desafio portanto é realizar uma leitura reflexiva processual para determinar as repercussões das transformações que se estão produzindo em Brasil, especificamente o processo de avance do neoliberalismo que realmente existe, com sus particularidades próprias em nosso país e em América Latina.


NOTAS

* Este artigo, refere-se aos resultados parciais da pesquisa “As Questões Sociais Contemporâneas e as Demandas da Profissão Frente A Re-Construção do Projeto de Formação do Assistente Social” que desenvolvimos em 1997-98, junto a uma equipe de pesquisadores e colaboradores no Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, com apoio do CNPq. [volta]


ABSTRACT
This article objective to promote pertinent debates about the transformations that it comes happening: in the global economy, trying to find some explanatory hypotheses of the phenomenons of the postmodernity that changed the occupational space of Social Work.

Words-keys: global economy mundialization, political ideas, tecnological edge labour,social work new demands


BIBLIOGRAFIA

Beaudrillard,J. A Sociedade de Consumo,Lisboa, editora 70.1981

Forrestier V . O Horror Econômico, São Paulo, editora da Universidade Estadual Paulista,1997

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Kurtz R . Jornal: Folha de São Paulo,3 de dezembro de 1995

Kroike M. Caracterização de área de Serviço Social, Brasília : Secretaria de Educação Superior, 1997

Montaño C. O Serviço Social frente ao neoliberalismo. Mudanças na sua base de sustentação funcional-ocupacional. In: Serviço Social e Sociedade. n. 53. São Paulo, Editora Cortez, 1997

Netto J. Transformações Societárias e Serviço Social. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo, Editora Cortez, 1996

Steffan J. In: Modernização Reflexiva, Política, tradição e estética na ordem social moderna, São Paulo, Editora UEP, 1997

Touraine A. Jornal: Folha de São Paulo, 13 de dezembro de 1997

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