O processo de afirmação da assistência social como política social
Eliana Lonardoni * **
Junia Garcia Gimenes * **
Maria Lucia dos Santos * ***
Sônia Regina Nozabielli ****
*Alunas-Pesquisadoras do Programa de Iniciação Científica, do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Toledo – NEPE, das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente. Participam do Grupo de Iniciação Científica com o tema “Descentralização da Política de Assistência Social nos municípios de pequeno porte da 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo”, coordenado pela Professora Sônia Regina Nozabielli.
**Alunas do 3º ano da Faculdade de Serviço Social.
***Aluna do 4º ano da Faculdade de Serviço Social .
****Professora da Faculdade de Serviço Social das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente. Coordenadora de Grupo de Iniciação Científica. Doutoranda em Serviço Social na PUC/SP sonia@unitoledo.br

RESUMO:
Este artigo busca responder as indagações iniciais de alunas-pesquisadoras, sobre a Política de Assistência Social. Surge no contexto de discussão teórico-crítica do grupo de iniciação científica que investiga a temática na 10ª região administrativa do Estado de São Paulo. Pretende apresentar, de modo sucinto, um quadro de análise do processo de afirmação da assistência social como política social, a partir do disposto na Constituição Federal de 1988 - CF/88 e na Lei Orgânica da Assistência Social de 1993 – LOAS/93. Busca compreender os elementos centrais que contribuíram para que a assistência social alcançasse o status de política social, de direito do cidadão e dever do Estado e os movimentos de mudanças, tensões e propostas decorrentes.

PALAVRAS CHAVE: Assistência Social, Política Social. Movimentos Sociais. Sistema Único de Assistência Social.

THE SOCIAL WORKER AFIRMATION PROCESS AS SOCIAL POLICY

ABSTRACT:
This article tries to answer the initial questions of the research-students about Social Work policy. It occurs in the theoretical-critical discussion context of the scientific initiation group that investigates the São Paulo State 10th region theme.It intends to present in a brief way, an analysis picture of the social worker affirmation as social policy from what says in the Federal Constitution of 1988 and in the Social Work Organic Law of 1993 – LOAS/93. It tries to understand the core elements that contributed the social worker to reach the status of social policy, of the citizen's right and the State duty and, the change movements, tensions and further propositions.

KEY WORDS: Social Worker, Social Policy, Social Movements, Social Work Only System.


1. A ASSISTÊNCIA SOCIAL ANTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Para analisar a Política de Assistência Social é fundamental investigar a sua trajetória. A Constituição Federal é um marco fundamental desse processo porque reconhece a assistência social como política social que, junto com as políticas de saúde e de previdência social, compõem o sistema de seguridade social brasileiro. Portanto, pensar esta área como política social é uma possibilidade recente. Mas, há um legado de concepções, ações e práticas de assistência social que precisa ser capturado para análise do movimento de construção dessa política social. 

A prática da assistência ao outro é antiga na humanidade. Em diferentes sociedades, a solidariedade dirigida aos pobres, aos viajantes, aos doentes e aos incapazes sempre esteve presente. Esta ajuda pautava-se na compreensão de que na humanidade sempre existirão os mais frágeis, que serão eternos dependentes e precisam de ajuda e apoio.

A civilização judaico-cristã transforma a ajuda em caridade e benemerência e, dessa forma, compreende-se que o direito à assistência foi historicamente sendo substituído pelo apelo à benevolência das almas caridosas.

Com a expansão do capital e a pauperização da força de trabalho, as práticas assistenciais de benemerência foram apropriadas pelo Estado direcionando dessa forma a solidariedade social da sociedade civil.

No Brasil, até 1930, não havia uma compreensão da pobreza enquanto expressão da questão social e quando esta emergia para a sociedade, era tratada como “caso de polícia” e problematizada por intermédio de seus aparelhos repressivos. Dessa forma a pobreza era tratada como disfunção individual.

A primeira grande regulação da assistência social no país foi a instalação do Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS - criado em 1938. Segundo Mestriner (2001, p.57-58):

O Conselho é criado como um dos órgãos de cooperação do Ministério da Educação e Saúde, passando a funcionar em uma de suas dependências, sendo formado por figuras ilustres da sociedade cultural e filantrópica e substituindo o governante na decisão quanto a quais organizações auxiliar. Transita pois, nessa decisão, o gesto benemérito do governante por uma racionalidade nova, que não chega a ser tipicamente estatal, visto que atribui ao Conselho certa autonomia.

Dessa forma, é nesse momento que se selam as relações entre o Estado e segmentos da elite, que vão avaliar o mérito do Estado em conceder auxílios e subvenções (auxilio financeiro) a organizações da sociedade civil destinadas ao amparo social. O conceito de amparo social neste momento é tido como uma concepção de assistência social, porém identificado com benemerência.

Portanto, o CNSS foi a primeira forma de presença da assistência social na burocracia do Estado brasileiro, ainda que na função subsidiária de subvenção às organizações que prestavam amparo social.

A primeira grande instituição de assistência social será a Legião Brasileira de Assistência – LBA - que tem sua gênese marcada pela presença das mulheres e pelo patriotismo. Segundo Sposati (2004, p.19):

 A relação da assistência social com o sentimento patriótico foi exponenciada quando Darcy Vargas, a esposa do presidente, reúne as senhoras da sociedade para acarinhar pracinhas brasileiros da FEB – Força Expedicionária Brasileira – combatentes da II Guerra Mundial, com cigarros e chocolates e instala a Legião Brasileira de Assistência – LBA. A idéia de legião era a de um corpo de luta em campo, ação.

Dessa forma compreende-se que o intuito inicial da LBA era atuar como uma legião, como um corpo em ação numa luta em campo.

Em Outubro de 1942 a L.B.A. se torna uma sociedade civil de finalidades não econômicas, voltadas para “congregar as organizações de boa vontade”. Aqui a assistência social como ação social é ato de vontade e não direito de cidadania. (SPOSATI, 2004 p.20).

A L.B.A. assegura estatutariamente sua presidência às primeiras damas da República, imprimindo dessa forma a marca do primeiro-damismo junto à assistência social e estende sua ação às famílias da grande massa não previdenciária, atendendo na ocorrência de calamidades com ações pontuais, urgentes e fragmentadas.

Segundo Sposati (2004) essa ação da LBA traz para a assistência social o vínculo emergencial e assistencial, marco que predomina na trajetória da assistência social.

Após as campanhas de impacto realizadas junto aos “convocados” de guerra, a Legião Brasileira de Assistência será a instituição a se firmar na área social, e sua ação assistencial será implementada no sentido de dar apoio político ao governo. (MESTRINER, 2001, p. 145).

Para desenvolver essas novas funções, a LBA busca auxílio junto às escolas de serviço social especializadas. Dessa forma, há uma aproximação de interesse mútuo entre a LBA e o serviço social, pois a LBA precisava de serviço técnico, de pesquisas e trabalhos técnicos na área social e o serviço social estava se firmando e precisava se legitimar enquanto profissão.

Em 1969, a LBA é transformada em fundação e vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, tendo sua estrutura ampliada e passando a contar com novos projetos e programas.

A ditadura militar cria, sob o comando de Geisel, em 1º de Maio de 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS – que contém na sua estrutura uma Secretaria de Assistência Social, a qual, em caráter consultivo, vai ser o órgão-chave na formulação de política de ataque à pobreza. Segundo Mestriner (2001, p.168):

[...] Tal política mobilizará especialistas, profissionais e organizações da área. O Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais – CBCISS realiza, então, seminário em Petrópolis (de 18 a 22 de maio de 1974), com 33 especialistas, visando subsidiar a iniciativa governamental.

Documento resultante deste seminário destaca a valorização da assistência social pelo MPAS e enfatiza a necessidade de tratamento inovador nessa área, fugindo ao caráter assistencialista e de simples complementação da previdência.  

O processo de pauperização se acirra ainda mais no final desse período exigindo do Estado maior atenção em todos os níveis.          

A política social direciona-se ao exército de reserva de mão-de-obra usando essa demanda como uma justificativa para o crescimento do Estado. Há uma expansão de programas sociais como de Alfabetização pelo Mobral, casas populares – BNH, complementação alimentar – Pronam e outros.

A assistência social deixa de ser simplesmente filantrópica fazendo parte cada vez mais da relação social de produção, mas:

 A criação de novos organismos segue a lógica do retalhamento social, criando-se serviços, projetos e programas para cada necessidade, problema ou faixa etária, compondo uma prática setorizada, fragmentada e descontínua, que perdura até hoje. (MESTRINER, 2001, p.170).

Assim, pelo binômio repressão x assistência, o Estado mantém apoio às instituições sociais.

A questão social toma maior visibilidade com o fim da repressão, proporcionando um campo fértil para o desenvolvimento dos movimentos sociais, que com poder de pressão almejam legitimar suas demandas proporcionando visibilidade à assistência social ao lado das demais políticas públicas como estratégia privilegiada de enfrentamento da questão social, objetivando a diminuição das desigualdades sociais.

2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA POR POLÍTICAS SOCIAIS.

Historicamente, as mobilizações da sociedade civil receberam diferentes tratamentos. No período anterior a 1930, os movimentos sociais eram tratados como “caso de polícia”, com forte repressão.

As manifestações ocorridas no período de 1930 a 1964 ficaram conhecidas como populismo e elas reivindicavam a reforma de base e melhores condições de vida para a classe trabalhadora do campo e da cidade.

Antes de 1964, com alguns setores sindicais e a esquerda tradicional, o Estado passou a intervir na relação capital e trabalho, de maneira fragmentada e seletiva, deixando de fora os trabalhadores rurais e os do setor informal.

Posteriormente a 1964, no período ditatorial, a atuação das camadas populares no âmbito econômico, político e cultural sofreu restrições redefinindo, portanto, o Estado e sua relação com a sociedade.

A partir de 1964, ocorreu uma significativa mudança na relação das forças  presentes no cenário político. Com o golpe de Estado, os governantes eleitos e reconhecidos, são sumariamente retirados do cenário político pela força militar, rompendo-se as regras do jogo político na escolha dos dirigentes. Os militares passam a controlar as decisões econômicas, ocupando postos-chave da administração. (SERVIÇO SOCIAL E REALIDADE, 1996, P.32)

Neste momento o Brasil pára, proibindo-se expressamente as manifestações populares.

Em 1968, os movimentos sociais voltam a se articular, com objetivos diferentes, mas com um único propósito de por fim ao sistema ditatorial. Destacam-se os movimentos estudantis, religiosos, operários e camponeses.

Os movimentos sociais não podem ser pensados, apenas como meros resultados de lutas por  melhores condições de vida, produzidos pela necessidade de aumentar o consumo coletivo de bens e serviços.

Os movimentos sociais devem ser vistos, também (neles, é claro, os seus agentes), como produtores da história, como forças instituintes que, além de questionar o estado autoritário e capitalista, questionam  suas práticas, a própria centralização/burocratização tão presente nos partidos políticos. (RESENDE, 1985, p.38)

Com toda a repressão, a sociedade civil busca maneira de por fim ao sistema ditatorial, surgindo vários focos de manifestações, como por exemplo, a guerrilha armada na zona urbana e rural, greves e movimentos contra a carestia.

Em 1975, surgem os novos movimentos sociais e, dentro da Igreja Católica, o movimento da Teologia da Libertação, que buscava romper com a dominação a que a população pauperizada e os setores excluídos sofriam.

 Há, ainda, de forma progressiva, a presença de movimentos sociais na área da Saúde, Educação, e outros, para que seja garantida a sua inserção na Constituição Federal de 1988.

O serviço social põe sua força em campo, para fortalecer o nascimento dessa política no campo democrático dos direitos sociais desenvolvendo múltiplas articulações e debates.

As Associações Nacionais dos Servidores da LBA – ASSELBAS e ANASSELBAS se articulam gerando debates, documentos, posicionamentos e proposições para a efetiva inserção da Assistência Social na Constituição Federal como política social, direito do cidadão e dever do Estado.

Em meio a essa efervescência e poder de pressão dos movimentos sociais, as políticas sociais encontram campo fértil para desenvolverem-se e auxiliarem a efetivação dos direitos sociais na Constituição de 1988.

Dessa forma, os movimentos sociais exerceram grande influência, emergindo com todo poder de pressão, conformando e norteando a configuração das políticas públicas e da Política de Assistência Social. Assim, os movimentos sociais com suas lutas contribuíram para trabalhar o rosto do Brasil e a configuração das políticas sociais.

3. A REGULAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Em um contexto de grande mobilização democrática e exigência de práticas inovadoras na área social, tem início uma intensa discussão para a formulação de uma política pública de Assistência Social, constitucionalmente assegurada.

Para tanto, faz-se necessária a elaboração de diagnósticos, estudos e propostas, promovidas pelo Estado, categorias profissionais e organizações da sociedade civil, compreendendo o significado político e o vínculo de tal área com os setores populares.

No governo Sarney, executa-se um quadro de reformas institucionais, visando o desenvolvimento econômico e social, esquematizando planos de realinhamento de posições. Dentre tais planos destaca-se, em 1985, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, propondo um desenvolvimentismo baseado em critérios sociais.

Com Waldir Pires à frente da pasta da Previdência e Assistência Social, devido sua forte oposição ao regime autoritário, houve grande impulso inicial para as reformas nesse âmbito, que, contudo, não tiveram continuidade com sua saída, um ano depois da sua posse, assumindo Raphael de Almeida Magalhães.

Instala-se um complexo processo de debates e articulações com vistas ao nascimento da Política de Assistência Social, inscrita no campo democrático dos direitos sociais, garantindo densidade e visibilidade à questão.

Portanto, o contexto do processo constituinte que gestou a Nova Constituição Federal é marcado por grande pressão social, crescente participação corporativa de vários setores e decrescente capacidade de decisão do sistema político. A Constituição Federal de 1988 – CF/88, aprovada em 5 de outubro, trouxe uma nova concepção para a Assistência Social, incluindo-a na esfera da Seguridade Social:

Art.194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2003, p. 193.)

A Política de Assistência Social é inscrita na CF/88 pelos artigos 203 e 204:

Art.203 A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV- a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V- a garantia de um salário mínimo de benefício  mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Art.204 As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,previstos no art.195,além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I–descentralização político-administrativa,cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II–participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2003, p. 130)

Afirma Sposati (2004, p.42), que a Assistência Social, garantida na CF/88 contesta o conceito de “(...) população beneficiária como marginal ou carente, o que seria vitimá-la, pois suas necessidades advêm da estrutura social e não do caráter pessoal” tendo, portanto, como público alvo os segmentos em situação de risco social e vulnerabilidade, não sendo destinada somente à população pobre.

A CF/ 88 ofereceu a oportunidade de reflexão e mudança, inaugurando um padrão de proteção social afirmativo de direitos que superasse as práticas assistenciais e clientelistas, além do surgimento de novos movimentos sociais objetivando sua efetivação.

Para regulamentar e institucionalizar os avanços alcançados na CF/88 tornou-se imprescindível a aprovação de leis orgânicas. A luta para a aprovação dessas leis exigiu um complexo procedimento de organização dos princípios preconizados na CF/88. Sua deliberação esbarrou em forças conservadoras, convertendo-se em um processo de difícil operacionalização.

A área que alcançou maior avanço foi a Saúde, fundamentada na VIII Conferência Nacional de Saúde, alcançando a aprovação de sua lei orgânica em 19/09/1990.

A Previdência Social, apesar dos problemas na elaboração de seus planos de custeio e planos de benefícios, foi aprovada, em segunda propositura, em 27/09/1991.

A Assistência Social foi prejudicada pelo atraso no processo de discussão e elaboração de propostas, articuladas por universidades e órgãos da categoria profissional (CNAS e CEFAS), ampliando gradativamente os debates sobre a área, objetivando a coleta de subsídios para formulação da lei orgânica, caracterizando-se como um período fértil de produção intelectual.

Nesse movimento de intenso debate, são questionadas a burocratização e a seletividade que dificulta o acesso às políticas sociais; a centralidade de poder estatal que não se adapta às diferentes realidades; o caráter pontual, fragmentado e emergencial das ações e a falta de mecanismos de participação popular. Deste modo, converteu-se para uma redefinição institucional, baseada nos princípios da democracia participativa e descentralização, alterando as relações político-institucionais.

Sob a coordenação do IPEA/UnB, com a participação de especialistas, elaborou-se um anteprojeto de lei, fruto de seis meses de estudos, fragilizado, no entanto, pela falta de solidez e consistência teórica na área.

A realização do I Simpósio Nacional de Assistência Social, desencadeado pela Câmara Federal em 1989, é de indiscutível importância, na medida em que oferece aos legisladores, uma proposta de lei com significativo avanço institucional. Com efeito, o deputado Raimundo Bezerra apresenta o Projeto de Lei n° 3099/89 que, posteriormente, em 17 de setembro de 1990, fora integralmente vetado pelo então presidente Fernando Collor de Mello, sob a afirmação de que a nação não dispunha de recursos para o pagamento dos benefícios previstos, alegando que seus princípios são contrários a uma Assistência Social responsável.

Em 11 de abril de 1991, a matéria volta à pauta no legislativo, por iniciativa dos deputados Geraldo Alckmin Filho e Reditário Cassol. Passa, então, a ser discutida e aperfeiçoada por uma comissão eleita no I Seminário Nacional de Assistência Social em junho de 1991, resultando no documento Ponto de Vista que Defendemos, servindo esse de subsídio para a elaboração de um novo projeto de lei, com o n°3154/91.

Seu trâmite no Congresso, novamente foi adiado por questões econômicas, sociais e políticas, além da manifestação de Aristides Junqueira, procurador da República, alegando que o projeto deveria ter origem no Executivo, pois o primeiro fora vetado.

O Ministério do Bem-Estar Social promoveu encontros regionais em todo o país para a discussão da Lei Orgânica da Assistência Social, culminando na Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em junho de 1993, em Brasília.

O Executivo apresentou um novo projeto de lei, contrário ao que vinha sendo negociado. Assim, com a pressão de entidades e especialistas na área, a plenária posicionou-se construindo artigo por artigo, tornando-se tal documento conhecido como Conferência Zero da Assistência Social. Posteriormente. Foi encaminhado ao Congresso Nacional pela deputada Fátima Pelaes, com o n° 4100/93, sendo, em 7 de dezembro de 1993, sancionada a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, pelo presidente Itamar Franco.

A LOAS introduz um novo significado a Assistência Social enquanto

Política pública de seguridade, direito do cidadão e dever do Estado, prevendo-lhe um sistema de gestão descentralizado e participativo, cujo eixo é posto na criação do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS”  (MESTRINER,2001, P.206.)

De imediato, essa Lei extingue o Conselho Nacional de Serviço Social, criado em 1938, - considerado um órgão clientelista e cartorial – e, cria o Conselho Nacional de Assistência Social, órgão de composição paritária, deliberativo e controlador da política de assistência social.

Esse processo permite compreender que a Assistência Social não “nasce” com a Constituição Federal de 1988 e com a LOAS. Ela existe anteriormente como uma prática social, alcançando nesses marcos legais, o status de política social, convergindo ao campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal.

Entende-se por política social, as formas de intervenção e regulamentação do Estado nas expressões da questão social, envolvendo o poder de pressão e a mobilização dos movimentos sociais, com perspectivas de problematizar as demandas e necessidades dos cidadãos, para que ganhem visibilidade e reconhecimento público.

É certo que a história da Política de Assistência Social, não termina com a promulgação da LOAS, visto que esta Lei introduziu uma nova realidade institucional, propondo mudanças estruturais e conceituais, um cenário com novos atores revestidos com novas estratégias e práticas, além de novas relações interinstitucionais e intergovernamentais, confirmando-se enquanto “possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e serviços de ampliação de seu protagonismo” (YASBEK, 2004, p.13), assegurando-se como direito não contributivo e garantia de cidadania.

Pressupõe os princípios de gestão compartilhada em seu planejamento e controle; co-financiamento das três esferas de governo; descentralização político-administrativa como forma de ampliação dos espaços democráticos e aproximação das particularidades e demandas regionais; primazia de responsabilidade estatal, o que vem corroborar o necessário rompimento com o assistencialismo e clientelismo que sempre permearam tal área, convertendo a assistência numa real defesa dos interesses e demandas das classes populares, articulada às demais políticas sociais. A Assistência Social, na condição de política social, orienta-se pelos direitos de cidadania e não pela noção de ajuda ou favor. Questiona o clientelismo e a tutela presente nas práticas da assistência social por considerá-los um dos grandes desafios a ser superado, uma vez que não favorecem o protagonismo e a emancipação dos cidadãos usuários, e, consequentemente, a afirmação da lógica dos direitos sócio-assistenciais.

No período pós-CF/88, evidenciam-se fortes inspirações neoliberais nas ações do Estado no campo social. O processo de Reforma do Estado, iniciado na década de 90, “trabalharia em prol de uma redução do tamanho do Estado mediante políticas de privatização, terceirização e parceria público-privado, tendo como objetivo alcançar um Estado mais ágil, menor e mais barato” (Nogueira, 2004, p.41). Neste contexto, as políticas sociais assumem características seletivas e compensatórias. Deflagra-se um movimento de desresponsabilização do Estado na gestão das necessidades e demandas dos cidadãos. O Estado passa a transferir as suas responsabilidades para as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e para o mercado. Consequentemente, a implementação da LOAS esbarra em aspectos da ordem política e econômica, que comprometem a sua efetivação.

Disso decorre, a dificuldade do alcance efetivo da inclusão social, devido às perspectivas fragmentadas e seletivas da Assistência Social que focalizam os mais pobres e não contribuem para a ampliação do caráter global da proteção social.

A avaliação da Assistência Social pós-LOAS é, portanto,

[...] plena de ambigüidades e de profundos paradoxos. Pois se, por um lado, os avanços constitucionais apontam para o reconhecimento de direitos e permitem trazer para a esfera pública a questão da pobreza e da exclusão, transformando constitucionalmente essa política social em campo de exercício de participação política, por outro, a inserção do Estado brasileiro na contraditória dinâmica e impacto das políticas econômicas neoliberais, coloca em andamento processos articuladores, de desmontagem e retração de direitos e investimentos públicos no campo social, sob a forte pressão dos interesses financeiros internacionais. (YASBEK, 2004, p.24)

Rumo a concretização dos pressupostos contidos na CF/88 e na LOAS, em 1997 foi aprovada a primeira Norma Operacional Básica que conceituou o sistema descentralizado e participativo da política de Assistência Social. Em dezembro de 1998, foi definido o primeiro texto da Política Nacional de Assistência Social. No mesmo ano, foi editada uma Norma Operacional Básica de conformidade com o disposto na Política Nacional de Assistência Social.

Esses instrumentos normativos estabelecem as condições de gestão, de financiamento, de controle social, de competências dos níveis de governo com a gestão da política, de comissões de pactuação e negociação e de avaliação. Criam, por exemplo, conselhos deliberativos e controladores da Política de Assistência Social, Fundos Especiais para alocação de recursos financeiros específicos da Assistência Social e órgãos gestores da Política de Assistência Social, em todos os níveis de governo, além de Comissões Intergestoras Bipartites e Tripartites.

Em 2004, após um movimento de discussão nacional, foi aprovada uma nova Política Nacional de Assistência Social na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Consequentemente, em 2005, fez-se necessário a edição de uma Norma Operacional Básica que definisse as bases para a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Os instrumentos de regulação da Política de Assistência Social em vigor são, portanto, a CF/88, a LOAS/93, a Política Nacional de Assistência Social/2004 e a Norma Operacional Básica/ SUAS/2005.   

Nesse contexto, merecem destaque as cinco Conferências Nacionais de Assistência Social, realizadas nos últimos dez anos, que deliberaram, avaliaram e propuseram novas bases de regulação da Política de Assistência Social.  Contribuíram com a “formação de competências de gestão, consensos e avanços nesta política”. (CARVALHO, 2005, p. 2)

Atualmente, a implementação do Sistema Único de Assistência Social no Brasil, é meta assumida conjuntamente por todos os entes federados, num Plano de Estratégias e Metas Decenais, deliberado na Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de 2.005. Na mesma Conferência, foi aprovado o Decálogo de Direitos Socioassistenciais. Todos os municípios e estados brasileiros elaboraram relatórios das Conferências Municipais e Estaduais, contendo um álbum de fotografias (assim denominado porque registra a condição atual de gestão da Política de Assistência Social nos municípios, nos estados e no Distrito Federal) e o plano de metas para implementação do SUAS.

Disso se verifica que a Política de Assistência Social vem avançando muito rapidamente em sua “regulação pelo Estado, na definição de seus parâmetros, padrões, prioridades” (CARVALHO, 2005, p.1). Resta o imenso desafio de operacionalizar os benefícios, serviços e projetos de acordo com os parâmetros, padrões e critérios do Sistema Único de Assistência Social, sob a lógica da proteção social. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória de afirmação da Assistência Social como política social, demonstra que as inovações legais estabelecidas na Constituição Federal, na LOAS, na Política Nacional de Assistência Social e na Norma Operacional Básica/SUAS, por si sós, são incapazes de modificar de imediato o legado das práticas de assistência social sedimentadas na ajuda, na filantropia e no clientelismo. As mudanças propostas precisam ser compreendidas, debatidas, incorporadas e assumidas por todos os envolvidos no processo de gestão da Política de Assistência Social, em todos os níveis da federação. Obviamente, também dependem do contexto econômico e político e de movimentos de pressão e negociação permanentes. Esse processo é contraditório, lento e gradual e requer a coordenação dos Estados e da União.

No curso da história, a Política de Assistência Social adquiriu status de política social. Está em franco processo de institucionalização; de profissionalização e de alcance de racionalidade técnica e política.

A regulação estabelece os fundamentos sobre os quais está colocada a possibilidade de reversão da lógica do favor para a lógica do direito à proteção social para todos os cidadãos.

Considerando a atual conjuntura política, social e econômica em que se insere a Política de Assistência Social é necessário compreender os limites e constrangimentos de ordem estrutural, que comprometem a sua efetividade. Apesar de todos os esforços e avanços, ainda permanece um abismo entre os direitos garantidos constitucionalmente e a sua efetiva afirmação.

Conforme avalia Yasbek (2004)

“na árdua e lenta trajetória rumo à sua efetivação como política de direitos, permanece na Assistência Social brasileira uma imensa fratura entre o anúncio do direito e sua efetiva possibilidade de reverter o caráter cumulativo dos riscos e possibilidades que permeiam a vida de seus usuários” (YASBEK, 2004, p. 26).

A investigação do processo de execução da Política de Assistência Social é uma medida importante, na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social, capaz de analisar, avaliar e construir conhecimentos sobre a área.    

Nesta direção pode-se questionar: Como os municípios se organizaram (ou organizam) frente ao processo de implementação do SUAS? Qual a relação entre a execução e a regulação? Como a legislação federal disciplinou e como a legislação municipal organizou a dinâmica local? Que mudanças organizacionais foram realizadas? Quais responsabilidades os municípios assumiram? Como transmutar a lógica de ajuda em lógica do direito à proteção social? Que desafios e dificuldades se impõem? Qual o nível de entendimento dos trabalhadores dessa política sobre o SUAS? De que forma ocorre a participação dos cidadãos e o financiamento dessa política social?

Avaliar os impactos da Política de Assistência Social na vida dos cidadãos é condição igualmente importante em função da escassez de conhecimento e dados referentes à população que recorre a Assistência Social para satisfazer suas demandas histórica e socialmente produzidas, pois “trata-se de uma população destituída de poder, trabalho, informação, direitos, oportunidades e esperanças” (YASBEK, 2004, p.22).

Esses e outros questionamentos devem nortear o processo de estudo sistemático da Política de Assistência Social, especialmente, nos espaços de formação profissional do assistente social, demonstrando o interesse acadêmico pela pesquisa e intervenção nessa área. 

 

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