Direitos Humanos e Cultura da Paz. Uma Política Social de Prevenção à Violência
Ariana Bazzano de Oliveira *
* Socióloga, graduada em .Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina soc_ari@yahoo.com.br

RESUMO:
Políticas públicas são programas de ação governamental que visam a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Pensando no contexto brasileiro, hoje se tem uma demanda pública que pede por paz, então quais seriam as políticas públicas que o Estado deveria adotar a fim de promovê-la?
Para se compreender um pouco, como Estado Brasileiro está lidando com a elaboração de políticas públicas referentes à promoção da cultura de paz e aos direitos humanos, foi feita uma pesquisa de campo na prefeitura de Londrina–PR, para avaliar se há projetos por parte desta, destinados a esse fomento. Neste trabalho serão apresentados dois projetos: Rede da Cidadania e o projeto Viva Vida.

PALAVRAS CHAVE : cultura de paz, direitos humanos, políticas públicas, cidade de Londrina

HUMAN RIGHTS AND PEACE CULTURE. A SOCIAL POLICY TO PREVENT VIOLENCE

ABSTRACT:
Public policies are governmental action programs which aim to coordinate the means at the State disposition and the private activities to accomplish the relevant and political determined social objectives. Focusing the Brazilian context, today we have a public demand that claims for peace, and so which are the public policies that the State should adopt, in order to promote them? For us to understand a little, how the Brazilian State is dealing with the public policies concerning the peace culture promotion and human rights, a field research was conducted at the City Government of Londrina to evaluate if there projects destined to this purpose.
In this work two projects will be presented: Citizenship Net and the Pro-Life project.

KEY WORDS: peace culture, human rights, public policies, Londrina City .


A Declaração Universal dos Direitos do Homem , de 1948 foi criada como uma forma de garantir paz no mundo, pois parte-se do princípio de que “ desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade” (Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem) . Portanto, cabe ao Estado reconhecê-los, consolidá-los, institucionalizá-los para que os direitos humanos sejam componentes do direito vigente. Com esta positivação, os direitos humanos não têm mais o significado de idéias e esperanças. Eles se tornam parte obrigatória da ordem do direito e do Estado. Do ponto de vista do conteúdo, os direitos humanos e os direitos fundamentais são iguais, mas os seus modos de existência são diferentes. Os direitos humanos são padrões morais aos quais uma ordem jurídica deveria se submeter quando signatária da referida carta da ONU. Enquanto, os direitos fundamentais são os direitos humanos efetivamente reconhecidos por uma ordem jurídica ou constitucional (HÖFFE:2001:417).

Já a cultura de paz é uma proposta para que as relações humanas sejam permeadas pelo diálogo, pela tolerância, pela consciência da diversidade dos seres humanos e de suas culturas. A ONU definiu cultura de paz na Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz , em 13 de setembro de 1999, da seguinte maneira:

“ Uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados: No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação; No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional; No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; No compromisso com a solução pacífica dos conflitos; Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-ambiente para as gerações presente e futuras; No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento; No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens; No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação; Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz” (ONU:2004).

Nesta mesma Declaração, também foram definidos os oito campos de ação em que o Estado e a sociedade civil devem atuar para garantir a promoção da cultura de paz. São eles: educação para a paz; desenvolvimento econômico e social sustentável; direitos humanos; igualdade entre os gêneros; participação democrática; compreensão, tolerância e solidariedade; comunicação participativa e livre circulação de informação e conhecimento; paz e segurança internacionais.

Com base nesta definição da ONU, a idéia de paz não deve ser associada à passividade ou à inércia, mas a esforços dinâmicos, pela via democrática, para que as tensões e os conflitos sejam superados sem o uso de meios violentos. Dessa forma, a cultura de paz não é uma cultura na qual não existam conflitos, mas sim que estes são resolvidos de forma pacífica.

“ Cultura de paz é uma cultura que promove a diversidade pacífica. Tal cultura inclui modos de vida, padrões de crença, valores e comportamento, bem como os correspondentes arranjos institucionais que promovem o cuidado mútuo e bem-estar, bem como uma igualdade que inclui o reconhecimento das diferenças, a guarda responsável e partilha justa dos recursos da Terra entre seus membros e com todos seres vivos” (apud JESUS; MILANI:2003:35).

Ao observar a Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz, da ONU, percebe-se que o Estado Democrático de Direito deve estar aberto à sociedade civil e estimulá-la a formatar as suas demandas; e cabe a esse Estado receber tais demandas, normatizá-las e atender à população, na forma de políticas públicas.

Normalmente, quando se pensa em políticas públicas, toma-se por base ações implementadas pelo Estado. De um modo geral, as políticas públicas buscam a introdução de mudanças na cultura e no pensar popular, lançando uma nova leitura, um novo olhar sobre algum aspecto específico do cotidiano. As ações do Estado na implantação de políticas públicas podem estar relacionadas a diversas áreas da sociedade, tais como segurança pública, educação, assistência social, importação e exportação, economia, habitação, pesquisa científica, reforma agrária, desenvolvimento tecnológico, desburocratização, produção agrícola, saúde, trabalho, direitos humanos, etc.

Políticas públicas são programas de ação governamental que visam a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (BUCCI:2002:241). E quem determina essas políticas públicas num Estado Democrático de Direito é a sociedade civil. Portanto, por mais que as políticas públicas sejam reguladas e freqüentemente promovidas pelo Estado, elas englobam preferências, escolhas e decisões particulares que podem e devem ser controladas pelos cidadãos. Isto significa, que a política pública expressa a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos.

As políticas públicas são criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, o que demonstra a expressão do compromisso público de atuação numa determinada área em longo prazo. A política pública “ é [uma] linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade” (apud CARVALHO: 2002:12).

O processo de formulação de uma política pública envolve a identificação dos diversos atores e dos diferentes interesses que permeiam a disputa pela inclusão de determinada questão na agenda pública e, posteriormente, a sua regulamentação como política pública. Percebe-se, então, a mobilização de grupos representantes da sociedade civil e do Estado que discutem e fundamentam suas argumentações, no sentido de regulamentar os direitos sociais e formular uma política pública que expresse os interesses e as necessidades de todos os envolvidos. Deste processo de formulação de políticas públicas, deriva outro elemento que é essencial num Estado Democrático de Direito: a participação cidadã 1.

A participação cidadã pode ser compreendida como um processo complexo entre sociedade civil, Estado e mercado, no qual os papéis se redefinem com o fortalecimento da sociedade civil por meio da atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações. Esse fortalecimento pode ser conquistado de duas maneiras: com a ascensão de deveres e responsabilidades políticas específicas e com a criação e exercício de direitos. E isto implica em controle social do Estado e do mercado, seguindo parâmetros definidos e negociados nos espaços públicos, pelos diversos agentes sociais e políticos (TEIXEIRA:2002:31).

Para tanto, a participação cidadã não se utiliza apenas de mecanismos institucionais existentes ou a serem criados, além disso, articula-os com outros mecanismos e canais que são legitimados pelo processo social. Dessa maneira, não se nega o processo de representação, mas se busca aperfeiçoá-lo, requerendo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões, que pode ser feita, por exemplo, com a prestação de contas. Além disso, tem-se que tornar mais freqüentes e eficazes instrumentos de participação semi-direta, como o plebiscito, referendo, iniciativa popular de projeto de lei, as tribunas populares, os conselhos e os outros canais institucionais de participação popular. (TEIXEIRA:2002:31-2).

“O artigo 14 da Constituição de 1988 garantiu a iniciativa popular como iniciadora de processos legislativos. O artigo 29 sobre a organização das cidades requereu a participação dos representantes de associações populares no processo de organização das cidades. Outros artigos requereram a participação das associações civis na implementação das políticas de saúde e assistência social” (apud SANTOS:2000:65).

De acordo com Bordenave, a participação facilita o crescimento da consciência crítica da população, fortalece seu poder de reivindicação e a prepara para adquirir mais poder na sociedade. Além disso, a participação garante o controle das autoridades por parte da sociedade, pois lideranças altamente centralizadas podem ser levadas à corrupção. Assim, a participação pode ser compreendida, como um processo de intervenção ativa na construção da sociedade, o que é feito por meio da tomada de decisões e das atividades sociais em todos os níveis (BORDENAVE:1983:12-20).

Num Estado democrático de Direito, a participação tem que se basear em três tipos de canais institucionais. Em primeiro lugar, num canal de informação. Não ocorre participação cidadã, se não há informação qualitativamente pertinente e quantitativamente abundante sobre os problemas, os planos e os recursos públicos. Em segundo lugar, canais de consulta, tais como o plebiscito, referendo, tribunais populares, entre outros. E por fim, canais de reivindicação e de protesto. Para serem eficientes, esses canais têm que ser visíveis, de amplo e fácil acesso, e com limites claramente definidos (idem:68).

A qualidade da participação, para Bordenave, aumenta quando as pessoas aprendem a conhecer sua realidade; a refletir; a superar contradições reais ou aparentes; a identificar premissas subjacentes; a antecipar conseqüências; a entender novos significados das palavras; a distinguir efeitos de causas, observações de inferências e fatos de julgamentos. Além do mais, a qualidade da participação também melhora quando as pessoas aprendem a manejar conflitos; a compreender seus sentimentos e comportamentos; a tolerar divergências e a respeitar opiniões. E por fim, quando as pessoas aprendem a organizar e coordenar encontros, assembléias e mutirões; a formar comissões de trabalho; a pesquisar problemas; elaborar relatório e usar meios técnicos de comunicação. Portanto, a presença desses pontos indicam que está havendo um aprendizado da participação, pois “ a participação é uma vivência coletiva e não individual, de modo que somente se pode aprender na práxis grupal. Parece que só se aprende a participar, participando” (idem: 73-74).

Contudo, a participação não corresponde a uma assembléia permanente, nem pode prescindir de utilizar mecanismos de representação. A participação é compatível com a presença de uma autoridade escolhida democraticamente. Assim, a participação pode e deve ser um instrumento de reforço dos canais democráticos de representação e “não a eterna devolução ao povo dos problemas da própria comunidade” (idem:80). Desta forma, com a demarcação clara dos canais de participação, a autoridade pública cumpre o seu papel e assume as suas responsabilidades de governar.

Para se formular uma política pública que tenha a participação estatal e da sociedade civil, é necessário haver a construção de espaços públicos, que podem ser implementados nas escolas, nas associações de bairro, nas câmaras legislativas, etc. Os espaços públicos são espaços de debate, de conflito de idéias, que têm a argumentação, a negociação, as alianças e produção de consensos possíveis como seus procedimentos fundamentais, nos quais se reconhece a pluralidade e a legitimidade dos interlocutores, condição esta não só do espaço público, mas de toda convivência democrática (DAGNINO:2002:285).

“ Nesses procedimentos os participantes tratam uns aos outros como iguais; eles têm a intenção de defender e de criticar instituições e programas em termos que os outros teriam razão para aceitar, dado que o fato do pluralismo supõe que o outro é razoável. Os indivíduos estão preparados para cooperar de acordo com os resultados dessa discussão tratando tais resultados como dotados de autoridade” (apud AVRITZER:2000:41-2).

Segundo Dagnino, os espaços públicos estão exigindo o aprendizado da tarefa da construção hegemônica, o que “ requer o reconhecimento da pluralidade como ponto de partida de um processo de busca de princípios e interesses comuns em torno dos quais a articulação das diferenças abra caminho para a configuração do interesse público” (DAGNINO:2002:286). Assim, a convivência com as diferenças no interior do espaço público, promove o aprendizado do reconhecimento do outro enquanto sujeito portador de direitos, assim como, a existência e a legitimidade do conflito, enquanto categorias constitutivas da democracia e da cidadania.

Neste processo de convivência com a pluralidade, é essencial que se tenha um diálogo, porém diálogo não significa só conversa. É também se colocar no lugar do outro para compreender seu ponto de vista, respeitar a opinião alheia, compartilhar as experiências vividas, sejam boas ou ruins, repartir a informação disponível e tolerar longas discussões para se chegar a um consenso satisfatório para todos. Isso mostra, que um diálogo verdadeiro só é possível entre iguais ou entre pessoas que desejam igualar-se (BORDENAVE:1983:50-51).

Estes espaços, também propiciam o conhecimento e a disputa entre as demandas das diversas regiões da cidade, o que faz com que as lideranças sociais desenvolvam: uma compreensão mais geral dos problemas da cidade; um sentimento de solidariedade; uma capacidade de construir parâmetros públicos; procedimentos de transparência e regras de funcionamento que tensionam práticas corporativas, o que evita e pode superar critérios particulares, ideológicos, comunitários ou partidários (ALBUQUERQUE: 2004:24). Dessa forma, o reconhecimento dos diferentes interesses, a capacidade de negociação sem a perda da autonomia, a construção do interesse público e a participação na formulação de políticas públicas que efetivamente expressem esse interesse são algumas das dimensões que constituem a democracia participativa.

“A articulação da democracia representativa parlamentar com canais institucionais de gestão participativa tem contribuído para desprivatizar a gestão pública, alterando os arranjos e espaços institucionais definidores das políticas, contribuindo para desestabilizar tradicionais relações simbióticas entre o Estado e grupos de interesse, para publicizar e democratizar as políticas sociais. Esta articulação entre democracia representativa parlamentar e novos canais de participação direta tem gestado uma nova concepção de democracia, mais densa e mais abrangente; tem construído uma concepção de democracia participativa potencialmente capaz de ampliar a democracia através de uma efetiva partilha do poder de gestão da sociedade” (idem:25).

Além disso, os espaços públicos com participação da sociedade civil confrontam as concepções de democracia elitista e também as concepções tecnocráticas e autoritárias sobre a natureza do processo de decisão no interior do Estado. Assim, questiona-se o histórico monopólio estatal sobre a definição do que é público e também se contribui para dar uma maior transparência às ações estatais. Além do mais, a convivência com as diferenças existentes nos espaços públicos promovem o aprendizado do reconhecimento do outro enquanto portador de direitos. E, do mesmo modo, o aprendizado da existência e legitimidade do conflito, como dimensões constitutivas da democracia e da cidadania (DAGNINO:2002:295).

Para se compreender um pouco como o Estado brasileiro está lidando com a elaboração de políticas públicas referentes à promoção da cultura de paz, foi feita uma pesquisa de campo na prefeitura de Londrina – PR, para avaliar se há projetos por parte desta destinados ao fomento da cultura de paz.

Analisando-se o “Plano de Governo: Coligação Compromisso com Londrina – Gestão 2001/2004”, foram encontrados alguns projetos destinados a garantir aos direitos humanos, contudo, não foi encontrado entre estes projetos, nenhum projeto municipal que tenha entre os seus objetivos a promoção de uma cultura de paz. Porém, levando-se em conta, os oito campos de ação da Declaração da ONU de 1999, existem alguns projetos municipais que podem ser considerados como projetos que visam à cultura de paz. E neste trabalho serão apresentados dois projetos: Rede da Cidadania e o projeto Viva Vida.

O projeto Rede da Cidadania começou a ser idealizado na campanha eleitoral de 2000. Durante a campanha, as pesquisas eleitorais, especialmente as qualitativas, apontavam um fenômeno importante: a demanda por alternativas de lazer, cultura e renda, associadas diretamente a qualidade de vida, estava sempre entre as cinco prioridades da população, atravessando todas as camadas sociais. Deste fato, surgiu a idéia de um programa cujo centro de atenção seriam as pessoas vistas como seres integrais, que deveriam ser beneficiadas por políticas públicas integradas de saúde, educação, renda e lazer. A cultura deveria ser o elemento mobilizador, integrador e de resgate da subjetividade: o programa foi batizado de Rede da Cidadania .

Esta concepção de política cultural apresentada no debate eleitoral explicitou o contraste de posições entre os candidatos a prefeito. Até então, os políticos discutiam a cultura dentro do viés da cultura artística, do fomento cultural, numa interlocução apenas com os produtores culturais já consolidados. A proposta de uma política pública voltada para toda a população era um fato novo.

Tendo este horizonte em vista, a primeira atitude concreta da gestão que assumiu em 2001 foi iniciar um processo de interlocução com a comunidade e os grupos de criação cultural, centrada na idéia de realizar uma política pública de cultura. Dessa maneira se tentou superar a distância entre os produtores e os receptores de informação e cultura por meio da criação de condições de intercâmbio desses papéis na comunidade. Coerente com estes princípios, propôs-se a realização de uma Conferência Municipal de Cultura com participação ampla dos agentes sociais.

Antes da Conferência, houve assembléias preparatórias em 6 regiões da cidade, com o objetivo de debater a tese apresentada pelo poder público para construir a pauta da Conferência e eleger os delegados que iriam representar suas categorias nas deliberações da Conferência.

De forma esquemática, o documento de tese trazia:

- As atribuições da Política Municipal de Cultura segundo a lei que instituiu a Secretaria Municipal de Cultura.

- O conceito de Cultura como Política Pública.

- Proposta de implantação da Rede da Cidadania — o programa de integração sociocultural do município.

- O Contexto do Incentivo Cultural

- Proposta de um novo Conselho Municipal de Cultura.

Nas Assembléias Preparatórias foram escolhidos 5 cinco delegados e dois suplentes, com poder de voto, das seguintes categorias:

- por regiões da cidade: Zona Norte / Zona Sul / Zona Leste / Zona Oeste / Centro/Distritos;

- por áreas culturais: Artes Cênicas (teatro / circo); Dança (contemporânea / clássica / salão); Linguagens Plásticas (pintura / escultura / fotografia); Cinema e Vídeo; Artes Gráficas; Artes de Rua; Artesanato; Literatura; Música; Patrimônio (histórico / urbano / ambiental / memória); Produção e Divulgação de Conhecimento Científico e Comunicação e Mídia.

A I Conferência de Cultura da Cidade de Londrina aconteceu dos dias 13 a 15 de Setembro de 2001, e dela participaram 108 delegados das categorias descritas acima, além de representantes dos sindicatos de trabalhadores, do setor empresarial e do Executivo e Legislativo municipais. O que esteve em pauta foi: uma nova política de cultura, um novo modelo de financiamento e um novo modelo de conselho. A grande “novidade” da Conferência foi a pluralidade de agentes participando e a percepção de que havia espaço e disposição para o diálogo e não apenas para discussão ou monólogos. Relatos dão conta de que as pessoas foram se arriscando a falar e que, ao final da Conferência, apesar do cansaço, a produção de idéias ainda era grande.

Na avaliação da Secretaria, os objetivos foram atingidos principalmente no que tange ao compromisso deste mandato de fazer com que a população seja partícipe da construção de uma Política Pública Popular. Nesse sentido, a pluralidade da participação democrática foi um indicador de êxito da Conferência. Pois partia-se do pressuposto de que, para haver uma continuidade política, deveria se ter uma mobilização e organização dos cidadãos para que estivessem juntamente com o poder público gerenciando esta política. E que para haver essa mobilização e organização cidadã, o processo teria que incluir as pessoas desde a concepção dos programas como produtores, e não apenas como consumidores.

A Rede da Cidadania é um programa estratégico que constitui o eixo da Nova Política Pública de Cultura, articulando vários projetos. Sua finalidade é a integração dos espaços urbanos através de circuitos culturais. Esta percepção de integração socioespacial é ilustrada pela imagem da cidade como três círculos concêntricos: O círculo mais externo representa os bairros periféricos que têm muito pouca participação e acesso aos equipamentos e à produção cultural. Nestes lugares, o trabalho da Rede tem uma marca de inclusão social e um caráter fortemente interdisciplinar (educação, saúde, ação social etc.). No círculo intermediário encontram-se os bairros mais antigos que aqui serão denominados entorno do centro . Eles apresentam problemas de exclusão menos acentuados do que na periferia. São bairros com infra-estrutura urbana e comunidades mais enraizadas. A proposta da Rede aqui é de inclusão cidadã na área da cultura. Por fim, tem-se o centro dos círculos, representando o centro da cidade que concentra a maior parte dos equipamentos culturais.

A proposta é que a Rede seja implantada em todas as regiões da cidade, com a criação de núcleos culturais no Centro, bairros e distritos londrinenses. Estes núcleos, chamados de Pontos de Rede , que, interligados entre si comporão um circuito integrador, além de oferecer alternativas de lazer e fruição, pretendem organizar os grupos locais de produção cultural. A idéia de Rede e circuito sugere que as comunidades mantenham uma relação horizontal entre si, recebendo grupos no seu ponto de rede e “exportando” os seus para os pontos de rede de outras comunidades.

No final de 2004, a Rede da Cidadania contava com oito oficinas oferecidas nas regiões urbanas e rurais da cidade, que eram de: Dança de Salão, Teatro, Circo, Capoeira Expressiva, Hip Hop, Iniciação à Dança, Corredor da Pintura e Criação Literária.

Até essa data, a Rede da Cidadania atuava em 34 pontos da cidade, instalados das mais diversas formas, como em escolas, centros de esporte, centros comunitários, barracões de igrejas, creches, bibliotecas, centros culturais e, o que chama mais a atenção, no distrito de São Luís, zona rural de Londrina, as oficinas ocorriam no Bar da Dona Nilda. No total, no ano de 2004, foram atendidas cerca de 1000 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos.

Pode-se perceber por este relato que as políticas culturais desenvolvidas atualmente na cidade visam à inclusão dos setores populares na produção e fruição dos bens culturais. A maioria dos projetos se encontra em estágio embrionário, mas já chamam a atenção pela articulação que se criou entre o poder público e a comunidade.

Em pouco tempo, a gestão da Secretaria Municipal de Cultura de Londrina (2001/2004) criou as bases para execução da política e abriu importantes frentes de trabalho. No entanto, os mecanismos de acompanhamento dos projetos parecem ainda incipientes. Outro ponto de fragilidade é o escasso número de pessoas existentes na Secretaria Municipal de Cultura responsáveis por tocar um volume grande de trabalho.

Com base em algumas entrevistas feitas com os agentes culturais (oficineiros) da Rede da Cidadania, percebe-se um certo de grau de insatisfação entre eles, pois afirmam que várias vezes os seus salários atrasam e que há uma demora para a aprovação dos projetos e liberação da verba. A Rede da Cidadania explica que ela não controla a verba disponibilizada para os projetos e salários dos agentes culturais, essa verba é disponibilizada pelo PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). Sinteticamente, é assim, o PROMIC aprova os projetos culturais e libera a verba e a Rede da Cidadania, executa e coordena os projetos. Esse atraso na aprovação dos projetos, segundo os agentes culturais, impede uma continuidade do acompanhamento das crianças, de um ano para outro. Com a demora da aprovação dos projetos, eles acabam por iniciar já quase em abril. E como os projetos geralmente, se encerram em dezembro, as crianças passam até cinco meses sem projeto, o que gera um desinteresse e muita desistência de um ano para outro.

Outra observação dos agentes culturais é que no ano de 2005, está havendo um acompanhamento maior das oficinas por parte da Rede de Cidadania, além dos agentes culturais, estão presentes também, psicólogos e assistentes sociais. Além disso, as reuniões com os coordenadores da Rede e os agentes culturais estão mais freqüentes e nestas estão presentes psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, E também, neste ano, já ocorreram quatro capacitações dos agentes culturais, a fim de que estes estejam preparados para ensinar as crianças, jovens e adultos a se descobrirem como cidadãos, além de aprenderem uma linguagem artística.

Portanto, a Rede da Cidadania é um projeto que visa à cultura de paz, pois têm a participação da comunidade na construção e execução do projeto, porém necessita de uma maior agilidade do poder público, principalmente, no que diz respeito a aprovação dos projetos e liberação da verba para que não haja uma descontinuidade do trabalho com a comunidade.

O outro projeto a ser analisado é o projeto Viva Vida. A proposta desse trabalho consiste em promover a educação para a cidadania e a participação comunitária. De acordo com os elaboradores do projeto Viva Vida, este rompe com a idéia de “política pobre para pobres” e imprimi um caráter “alternativo” à atenção dada à criança e ao adolescente que moram em regiões ou bairros periféricos da cidade ou zona rural, viabilizando maior possibilidade de acesso e propiciando a inclusão social.

Além disso, o projeto Viva Vida articula-se a outras redes de serviços e comunidade, como forma de buscar atingir não somente as crianças e aos adolescentes envolvidos no processo, mas também suas famílias.

O Projeto Viva Vida foi implantado em janeiro de 2002, numa parceria feita entre a Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Cultura, Fundação de Esportes e com as ONGs, APEART e PROVOPAR – LD. Porém, no ano de 2004, o projeto passou a ser gerenciado somente pela Secretaria Municipal de Assistência Social e PROVOPAR –LD., contando com a contribuição da Secretaria Municipal da Educação, que contrata o serviço de merendeiras para as unidades do projeto.

Este se caracteriza por ser um projeto de apoio socioeducativo e é prestado a crianças e adolescentes de 7 a 14 anos em diferentes horários, no período de contra turno, das 8h às 17h. Dessa forma, a criança que estuda pela manhã freqüenta o programa à tarde, e vice-versa. Este projeto proporciona a mais de 1.300 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social o contato com a arte, buscando desenvolver a criatividade, a expressão e a convivência, devolvendo a essas pessoas a esperança que a pobreza e a exclusão social insistem em tirar.

O projeto Viva Vida entende que contribui para o desenvolvimento da cidade de Londrina, a partir do que ela tem de mais precioso: as pessoas, já que promove ações que desenvolvem a sociabilidade, a convivência familiar e comunitária, e o acesso a melhores condições de vida.

O Viva Vida oferece oficinas de diversas linguagens, como capoeira expressiva, teatro, hip-hop, artes plásticas, artesanato, música e recreação, entre outras atividades. Todas essas linguagens artísticas funcionam como elementos de educação, afetividade e aprendizado da liberdade com respeito ao próximo. Pois, segundo este projeto, crescer com arte é uma resposta humana contra o crescimento da exclusão e da violência. “É nosso dever, portanto, assegurar os direitos da criança e do adolescente. Seja como cidadão, seja como educador, é necessário ter a sensibilidade em ouvir e questionar as crianças e adolescentes em busca de uma educação pela Paz, pela não-violência e com menos exclusão social” (PROJETO PEDAGÓGICO VIVA VIDA:28).

De acordo com os elaboradores do projeto, o ambiente e a educação são fatores essenciais para que haja uma modificação nas crianças e o Viva Vida se destacaria por constituir este ambiente, pois quando se tem um ambiente afetuoso e uma educação rica em estímulos é possível superar muitas privações e amenizar os efeitos de seqüelas emocionais.

De acordo com uma avaliação feita pela equipe do Viva Vida, existem ainda, alguns desafios a serem superados, como por exemplo, na qualificação dos educadores e uma diminuição na rotatividade do pessoal, pois a criação do vínculo afetivo é essencial para que se atinja os objetivos do projeto.

Uma entrevista que chamou a atenção foi feita com um educador que já trabalhou no Viva Vida e hoje trabalha na Rede da Cidadania. Ele acredita que a Rede da Cidadania apresenta uma vantagem, em relação ao Viva Vida, que é a liberdade que as crianças têm de escolher as oficinas. No Viva Vida, as crianças não escolhem as oficinas, elas circulam periodicamente pelas oficinas, assim, a cada mês, elas participam de uma oficina. Nas palavras do educador: “Um mesmo trabalho que eu faço em um ano e vejo resultado na Rede, demorou uns três anos para eu ter o mesmo resultado no Viva Vida”. E de acordo com ele, isto decorre pelo desinteresse das crianças por aquela linguagem artística, assim, fica mais difícil de conquistar a criança atendida no Viva Vida. O que já não ocorre no Rede da Cidadania, pois a criança se matricula na oficina que ela quer fazer, portanto, já um interesse da criança no ato da matrícula, o que facilita o trabalho dos agentes culturais em conquistar o afeto das crianças.

Este projeto pode ser considerado um fomentador da cultura de paz, pois quando se analisa a Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz , da ONU, de 1999, vê-se que dentre as medidas para promover a cultura de paz está:

“ Zelar para que as crianças, desde a primeira infância, recebam formação sobre valores, atitudes, comportamentos e estilos de vida que lhes permitam resolver conflitos por meios pacíficos e com espírito de respeito pela dignidade humana e de tolerância e não discriminação”.

Dessa maneira, por meio das linguagens artísticas, o projeto Viva Vida, ensina às crianças um novo estilo de vida, baseado na solidariedade e no respeito ao próximo.

A partir dos dois projetos aqui apresentados, pode-se concluir que é importante o Estado se comprometer com a promoção da cultura de paz e dos direitos humanos, pois sem essa institucionalização as ações que visam a essa promoção podem correr o risco de permanecer no voluntarismo. Como escreve Habermas:

“ O que nós necessitamos é de um pouco mais de práticas solidárias; sem isso, o próprio agir inteligente permanece sem consistência e sem conseqüências. No entanto, tais práticas necessitam de instituições racionais, de regras e formas de comunicação, que não sobrecarreguem moralmente os cidadãos e sim elevem em pequenas doses a virtude de se orientar pelo bem comum” (apud GUIMARÃES:2004:118).

E a pesquisa de campo feita para este trabalho veio corroborar o entendimento da importância do Estado na construção da cultura de paz. Pois os dois projetos municipais aqui apresentados têm conteúdos que levam à cultura de paz, embora o poder público pareça não ter essa clareza.

Portanto, este trabalho entende que para construir uma cultura de paz é necessário promover as transformações necessárias e indispensáveis para que a paz seja o princípio regente de todas as relações humanas e sociais. E essas transformações vão desde a dimensão dos valores, atitudes, estilos de vida até as estruturas políticas, econômicas, jurídicas e as relações políticas internacionais. Enfim, promover a cultura de paz significa e pressupõe trabalhar de forma integrada a favor das grandes mudanças desejadas por uma imensa parte da humanidade: justiça social, igualdade entre os sexos, eliminação do racismo, tolerância religiosa, respeito às minorias, educação universal, equilíbrio ecológico e liberdade política. A cultura de paz poderia se transformar no elo que interliga e abrange todos esses ideais num único processo de transformação, como esta pesquisa procurou demonstrar e sustentar.

 

BIBLIOGRAFIA

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NOTAS

[1] Este trabalho compreende que a ciência política possui um extenso debate teórico sobre as várias concepções de participação, contudo, o conceito de participação cidadã é o que mais se aproxima do ideário do Estado democrático de direito, sendo assim, será o conceito adotado para esta pesquisa.

 

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