Poder e Abuso
de Autoridade: Aspectos Constitutivos da Violência Contra Crianças e
Adolescentes
Francieli Jaqueline Gregorio |
RESUMO: O presente texto tem por objetivo debater a forma como poder e autoridade se expressam de forma abusiva nas relações entre pais e filhos através do recurso à violência. Para tanto, foram utilizados números resultantes da pesquisa de campo realizada no Conselho Tutelar do município de Toledo-PR, a qual teve por base os Registros de Atendimento realizados entre os anos de entre os anos de 2004 e 2005. PALAVRAS
CHAVE:
violência, criança e adolescente,
poder e autoridade ABSTRACT: The present
text aims to debate the way power and authority express the abusive way in the
parental/children relations through the violence resource. Resultant numbers
from the field research were used by the Tutelary Council in Toledo/PR County,
based on Service Registrations conducted between 2004 and 2005 KEY WORDS: violence; child and adolescent, power and authority. Introdução O interesse pela questão da
violência psicológica surgiu a partir da Pesquisa de Iniciação Científica
(PIBIC), intitulada: “Caracterização das Práticas de Violência
Doméstica contra Crianças e Adolescentes no município de Toledo (Região Oeste
do Paraná)[1]”. Por meio
desta, teve-se a possibilidade de acesso aos Registros de violência doméstica,
e aos demais Registros de Atendimento realizados pelo Conselho Tutelar do
município de Toledo, através dos quais percebeu-se que, o número de registros
de violência psicológica aparentou ser relativamente baixo, contrapondo-se à
literatura em que consta que este “é um dos mais freqüentes tipos de abuso
praticado contra crianças e adolescentes” (MALTA, 2002, p. 47), e que acompanha
inclusive as demais formas de violência. Para
entender esta forma tão peculiar de violência, fez-se por ocasião do Trabalho
de Conclusão de Curso (GREGORIO, 2007) um recorte para a violência psicológica no
qual pretendeu-se tornar conhecidos os principais determinantes da violência
psicológica contra crianças e adolescentes no município de Toledo. Neste
sentido, o presente artigo traz parte das constatações realizadas em ambas as
investigações e visa demonstrar de que modo o poder e a autoridade se expressam de forma abusiva no
interior dos lares através da violência psicológica. O estudo da literatura especializada
mostra que a violência está estreitamente ligada à idéia de poder e de
autoridade. Por isso, para compreender a violência deve-se recorrer a esses
conceitos, e as formas como eles se apresentam socialmente e no contexto
doméstico. 1. O conceito de poder e sua analogia com a violência contra crianças e
adolescentes De acordo com Galbraith (1984), o
poder se representa na habilidade de um individuo ou grupo conseguir a
submissão de outros. Para ele, o estudioso que melhor construiu uma definição
do poder e da forma como ele é percebido na vida cotidiana foi Max Weber,
segundo o qual o poder é “a possibilidade de alguém impor a sua vontade sobre o
comportamento de outras pessoas” (Galbraith,1984, p. 2). Do mesmo modo, está-se na presença
do poder quando, através de uma relação, alguém ou um grupo impõe sua vontade,
seu(s) objetivo(s) e desejo(s) aos outros. A imposição pode acontecer mesmo
quando estes outros se mostram relutantes ou contrários, pois o poder pode ser
exercido sob forma de submissão, por meio do uso da força, bem como pela
manipulação ou autoridade. Para Galbraith (1984, p. 3) “quanto maior a
capacidade de impor tal vontade e atingir o correspondente objetivo, maior o
poder”. Considerando que o exercício do
poder varia de acordo com o contexto das relações sociais, as formas
hierárquicas de expressão do poder no ambiente das relações familiares são o
poder matriarcal ou o poder patriarcal. Na medida em que este artigo busca
demonstrar como o poder e a autoridade apresentam-se como componentes da
violência psicológica contra crianças e adolescentes no município de Toledo, aqui
se considerou imprescindível destacar a forma de organização sócio-política
predominante na sociedade brasileira: o patriarcalismo (ou poder patriarcal). O poder patriarcal coordena o
ambiente doméstico a partir do estabelecimento de uma fronteira que equivale
aos limites da propriedade privada. Desde há alguns séculos, essa forma de
poder tem servido como base para as relações familiares e como modelo político
para a organização do Estado. A sociedade brasileira expressa
características peculiares na relação entre o poder e a violência. A violência
tornou-se funcional na sociedade justamente porque pode operar “tanto como
manifestação de reação identitária a fenômenos de massificação, quanto na forma
de pura manifestação cultural, dado que a violência foi ao longo de nossa
história incorporada como exercício legítimo de autoridade” (WIEVIORKA apud GONÇALVES, 2003, p. 182). 2. A “crise [e o abuso] de
autoridade[2]”:
a consolidação da violência Um modelo específico de autoridade
está pressuposto no patriarcalismo, o qual se representa na figura do homem
adulto que é o provedor das condições materiais, responsável pela segurança de
seus pares e, ao mesmo tempo, dirigente das regras e valores sociais. Isso foi incorporado pelos sistemas
legais que, por longa data, atribuíram a autoridade ao homem, na figura do
chefe de família, o que contribuiu para reforçar a idéia de que a autoridade
pode sustentar-se na desigualdade, isto é, na tutela do mais fraco pelo mais
forte. Durante vigência do Primeiro Código Civil Brasileiro (de 1916 até 2002),
o exercício do pátrio poder coube ao pai, transferido à mãe somente nos casos de
impedimento do genitor (GONÇALVES, 2003). No Brasil, grande parte das famílias
tem o seu funcionamento embasado nos padrões da família
nuclear/patriarcal/burguesa, sendo comum o recurso aos parentes que,
geralmente, moram nas proximidades, para que prestem socorro mútuo no momento
de alguma necessidade. O uso da teia parental forma uma rede de sociabilidade
que funciona para o socorro material e para o cuidado das crianças. Quando
ocorre o desmantelamento dessa rede e prevalece o distanciamento na relação entre
pais e filhos, essas famílias tendem a transferir a função de cuidado para a
escola, para a creche e para centros de assistência social na busca de que
essas instituições sejam as “agências socializadoras” de seus filhos (ADORNO;
CÁRDIA, apud GONÇALVES, 2003, p.
183). Essa transferência pode implicar na
intitulada “crise de autoridade” (ARENDT, 1997), perda de parte da capacidade
de ensinar as ordens, por parte dos responsáveis. Para Biazoli (2001) a crise de
autoridade que se fez presente durante todo o século XX, mesmo sendo
essencialmente política, ocasionou a queda de todas as autoridades
tradicionais, espalhando-se inclusive para áreas pré-políticas como na educação
e na criação de filhos e filhas. O que se percebe é que a autoridade,
tão necessária à socialização das crianças, que permeava as relações entre
pais, mães e filhos/filhas, adultos e crianças, professoras, professores, e
alunos/alunas, bem como outros modelos de autoridade, deixaram de ser
plausíveis, sendo, em muitos casos, substituída pela violência. É bem verdade
que "nas famílias, na escola e no trabalho, as pessoas estão menos
dispostas a aceitar a autoridade" (BIASOLI, 2001, p.82). A perda da autoridade sobre os
filhos foi observada nos relatos da pesquisa realizada por Gonçalves (2003).
Nos depoimentos das mães conta que elas gostariam, “mas não têm podido
preservar o que chamam de respeito aos
mais velhos. É um respeito que beirava o temor” (GONÇALVES, 2003, p. 260.
Destaque nosso). A fragilização do sentimento de respeito para com os mais
velhos, sejam eles membros do grupo familiar ou não, acaba se tornando motivo
para punições e justificativa para o uso da violência, em geral pelo emprego da
força física, na educação dos filhos. O resultado é que os pais acabam por
agredir seus filhos (e a agressão não se resume ao aspecto físico – pode
ocorrer de outras formas, como a violência psicológica ou a negligência) no
espaço privado da casa. A punição física (a violência), “contraria os
princípios da educação infantil, mas representa um alívio momentâneo para as
tensões vividas na rua e no trabalho” (Ibid,
p. 85). E quando essa violência está muito presente no cotidiano, tende a ser
banalizada e naturalizada. Portanto,
percebe-se que quando se está diante da ameaça ou
mesmo da degeneração do exercício da autoridade, muitas vezes, costuma-se
recorrer ao uso da força para imputar ao outro a obediência a uma regra ou
norma. A este tipo de recurso de poder dá-se o nome de violência. Numa tradução literal, violência
“origina-se do latim violentia e
designa o ato de violentar, força empregada abusivamente (...) sobre alguma
pessoa para obrigá-la a praticar algo” (ALMEIDA, 1984, p. 399). Porém, diversas
são as formas desse emprego abusivo de força. Na cultura brasileira a violência
perpassa todas as camadas sociais de uma forma tão profunda que, no nível do
senso comum, tende a se admitir como natural a existência de um ser mais forte
que tem domínio sobre um ser mais fraco. Deste modo, a violência é assimilada e
utilizada como recurso nas diferentes modalidades de relações sociais, dentre
elas a de pais e filhos. A violência torna-se naturalizada
quando é culturalmente entendida como constitutiva de uma relação, tal como
aquela entre pais e filhos. Nessa relação, a violência costuma estar silenciada,
dada a pouca visibilidade do espaço em que ocorre: o espaço privado (da família
e sob a influência da autoridade patriarcal). Mesmo “o avanço da consciência na
vida civilizada não contribuiu para fazer cessar a violência, mas sim fazer com
que ela se escondesse, se interiorasse e passasse a se manifestar, onde pudesse
se ocultar do olhar público” (DOMENACH apud
GONÇALVES, 2003, p. 169). Em razão disto, parece natural que a família decida,
em sua intimidade, aquilo que acredita ser conveniente no tocante às suas
regras e, principalmente, à educação de seus filhos. Nesse caso, a família é
entendida como “uma propriedade privada, caracterizada pelo sigilo dos
acontecimentos internos, na qual a violência vem a público eventualmente,
necessitando, muitas vezes, da interferência de terceiros para que seja
divulgada e comunicada” (BESERRA; CORREA; GUIMARÃES, 2002, p. 68). Quando se fala em violência
doméstica, necessariamente remete-se à maneira como a sociedade compreende a
questão do poder no ambiente familiar. O uso da autoridade dos pais, como poder
de força, está engendrado no imaginário social. Por isso, a violência doméstica
contra crianças e adolescentes acaba sendo naturalizada, tomada como prática
absolutamente normal. De uma
forma simplificada “a violência
psicológica compreende um conjunto de atitudes, palavras e ações para
envergonhar, censurar e pressionar a criança de modo permanente” (BRASIL, 2004,
p. 25). A Sociedade Brasileira de Pediatria (2001, p. 26) categoriza a
violência psicológica quando ocorre de modo passivo
(abandono emocional, negligência com os cuidados afetivos) ou ativo (expressado de forma verbal ou em
atitudes de ameaça, castigos, críticas, rejeição, culpabilização, isolamento)
(Destaques nossos). Partindo
do conceito de violência psicológica, os dados a seguir trazem traços
peculiares daquela relação entre violência, poder e autoridade citadas
anteriormente. Para a
análise de dados foram contabilizados os Registros de Atendimento de violência
psicológica realizados pelo Conselho Tutelar do município de Toledo entre os
anos de 2004 e2005. Dentre estes Registros forma localizados 24 casos, os quais
mostram que :
Em 67%,
somados a 4%, do número de casos registrados, a violência psicológica foi
constatada apenas quando acompanhada de outras modalidades de violência, como a
física e a negligência. Apenas em 29% do total dos casos ela foi registrada
isoladamente. O fato de a violência psicológica estar em grande parte das
denúncias associada à outras modalidades de violência doméstica, demonstra o
não reconhecimento da violência psicológica como prejudicial para crianças e
adolescentes. Ainda assim, ressalta-se o quão
importante é a detecção da violência psicológica junto com outras que deixam
marcas mais evidentes, pois se abre caminho para se perceber que há uma
modalidade de violência que não atinge somente o físico, mas também a saúde
mental. Em geral, a violência psicológica
não é compreendida como tal, sendo associada como uma prática educativa
aceitável. Em dois dos Registros de atendimento analisados destacou-se bem o
não entendimento do que é esta violência. No Registro A37[3] o
denunciante, anônimo, alegou que “a mãe
bate e grita muito com sua filha”. Em comparecimento ao Conselho Tutelar, a
mãe relata “que tem costume de falar
alto, mas não agride a criança”. No Registro A61, também proveniente
de denúncia anônima, o denunciante relata “que
a mãe agride física e psicologicamente seus filhos”. Em comparecimento ao
CT-Too, a mãe “alega que grita
constantemente, mas não agride”. As falas das mães evidenciam que os
elementos que caracterizam a violência psicológica não são considerados. As
alterações no tom de voz são entendidas
como uma prática aceitável, o que ratifica a naturalização da violência
psicológica como prática educativa. Elas negam a agressão porque sabem que a
violência física é passível de represálias.
Quanto aos agressores:
FONTE: BIDARRA E GREGORIO, 2006. FONTE: BIDARRA E GREGORIO,
2006 No Registro da prática de violência
psicológica houve um equilíbrio entre o sexo dos agressores, com 45% do sexo
masculino e 55% do sexo feminino. A partir do número inicial de 24 casos,
contabilizou-se 33 agressores, pois em 6 casos ambos os pais (pai e mãe)
praticaram a violência e em 1 caso houve 4 agressores (mãe, tio, tia e avó). Pais e mães fazem uso da violência
na educação dos filhos, desde longa data e este uso tem relação direta com os
papéis sociais que eles desempenham. A punição “[...] está associada
culturalmente aos deveres da paternidade, sendo seu uso integrado ao papel dos
pais e interpretado como um direito [o direito dos pais baterem]”. (GONÇALVES,
2003, p. 143). Curiosamente, ao assumir o papel de
chefe de família, a mãe, que historicamente teve seu papel voltado à
afetividade e aos cuidados dispensados aos filhos, passou a assumir funções do
patriarca e obteve a “autorização” para punir aqueles que não cumprem as regras
de convivência, determinadas para aquele grupo familiar. Outro aspecto importante é a
reiterada negação da violência por parte do agressor. Dentre os 24 casos, em 13
não constava o registro das falas dos agressores, porém, dentre os 11 casos em
que houve esse Registro, 08 dos acusados negaram a denúncia. Daqueles que
negaram a denúncia, 07 eram mães. O fato de as mulheres negarem a
prática da violência relaciona-se com o papel que o amor materno desempenha em
nossa sociedade. A mulher agressora “seria encarada como ‘mãe má’, sua conduta
é indicativa de que ela não cumpre as funções básicas que a sociedade lhe
designou, ou seja, velar pela alimentação e pela segurança da criança” (GUERRA,
2005, p. 146). Além de temer o julgamento moral de seus atos, a negação da
violência sustenta-se no temor de uma penalização, quando se percebe que o ato
praticado assumiu uma configuração criminal. Em relação às vítimas percebeu-se
que: Quanto às idades a maior incidência
de violência psicológica, foi em crianças (80%), já para os adolescentes o
número é de 16%. Cabe lembrar que cada grupo familiar
organiza sua rotina e define os papéis que cada um irá ocupar. Nessa relação,
os adultos são os responsáveis pelo cuidado e pela “socialização” das crianças
e dos adolescentes e precisam, de certa forma, fazer uso da autoridade para
mostrar a este o que é correto de acordo com as regras e valores estabelecidos
pela sociedade. Por isso, violência psicológica
contra crianças e adolescentes tem relação direta com o padrão de poder e de
autoridade estabelecidos, pelo qual, pais e mães exercem o papel de proteger e
educar seus filhos. A obediência aos adultos e a aceitação da legitimidade de
seu poder são inerentes ao papel que cada um desempenha no grupo familiar. Contudo, deve-se lembrar que
crianças e adolescentes são considerados pela legislação da sociedade
brasileira como sujeitos de direitos. Por isso, a organização do grupo familiar
deve ter seus alicerces fixados no respeito aos limites e possibilidades de
cada um de seus integrantes. Sabe-se que crianças “identificam de
forma clara as pessoas que mandam e as que obedecem” e, nesse sentido, o poder
e a autoridade “estruturam-se, principalmente, através daquilo que as pessoas
são, fazem, falam e possuem” (GUARECHI, 1999 apud SÁ, 2001, p. 183). Assim, se a autoridade e o poder dos adultos -
que poderiam ser exercidos respeitando a integridade física e mental - se
manifestam somente através de práticas que prejudicam a criança e o
adolescente, seja física ou psicologicamente, eles passam por grande sofrimento
emocional que se refletem no convívio familiar e social. Esses reflexos, em geral, aparecem
na escola e nas brincadeiras com os colegas. Ao reproduzirem aquilo que vivem
no ambiente de convívio familiar (agressões verbais e físicas a outros), são
tidas como “sem educação”, como crianças que não se enquadram na conduta da
criança comportada, ou seja, que segue desejos e regras dos adultos. Quando a violência psicológica é
praticada contra o adolescente, e se constitui principalmente pela humilhação,
desencadeia neste “uma desconstrução de valores e verdades estabelecidos,
trazendo sérios prejuízos também para a auto-estima do adolescente” (SÁ, 2001,
p. 186), sobretudo, porque a adolescência é uma fase de fortes sentimentos de
insegurança. Em geral, as vítimas de violência
psicológica (principalmente os adolescentes) apresentam tendências ao suicídio
ou a fuga a outros meios, como o uso de substâncias psicoativas, além de um
baixo rendimento escolar e condutas tidas como “anti-sociais” ou “mau
comportamento” (MALTA, 2002, p.41 ss). Portanto, a violência segue o que
poderíamos chamar de uma “cadeia”: o agressor é vitimizado por uma violência
estrutural e social, vivida no “mundo do trabalho”. Este, por sua vez, violenta
aqueles que se encontram no ambiente onde ele exerce seu poder e autoridade
(ambiente doméstico) e as vítimas (neste caso, crianças e adolescentes) reproduzem
os atos de violência em suas relações cotidianas. É seguindo essa “cadeia” que
a violência vai se naturalizando nas relações sociais. Considerações Finais
Como vimos o poder se representa na
habilidade da submissão de outros, mesmo quando estes se mostram relutantes ou
contrários. Assim como o poder, a autoridade está pressuposta no
patriarcalismo, representada pela figura do homem, adulto e provedor do grupo
familiar. Embora, o poder e o abuso da
autoridade continuem perpetuando-se mesmo sem a presença da figura masculina, a
qual passa a ser representada pela mulher quando esta assume a condição de
“chefe de família”. Para grande parte das crianças e
adolescentes, a autoridade – necessária à educação – passou a ser substituída
pela violência. E, de modo geral, a utilização da violência como prática
educativa tem sido naturalizada e legitimada pela sociedade, entendida como
direito dos pais em fazer com filhos o que lhes convier. Isso tem contribuído
para que a violência torne-se cada vez mais escamoteada e subnotificada. Além disso, a violência só é
compreendida enquanto tal, e denunciada quando deixa marcas visíveis. Isso pode
ser comprovado pelos números apresentados e pelas falas das mães que não
reconhecem as alterações de voz, bem como, depreciações das crianças como uma
forma de violência. Por isso, o estudo da violência
psicológica, deve considerar que aspectos constitutivos desta violência são
entendidos por muitos como um direito dos pais, não passível de represálias. E
que, somente, algumas manifestações desta violência devem ser restringidas
quando perpetradas de forma imoderada, quando ultrapassam os limites de
tolerância. Mesmo assim, não se deve
culpabilizar imediatamente o grupo familiar por suas ações; é preciso pensar na
relação entre esse grupo no espaço social que não lhe dá respaldo para
modificar suas formas de convivência. Deve-se pensar na violência estrutural
que coloca grande parte da população em nosso país em situação de
vulnerabilidade e que fazem com que estes não tenham acesso nem mesmo às
condições mínimas de sobrevivência. É preciso, ainda, pensar na posição do
Estado que, mediante exigências do projeto neoliberal realizam cortes nos
gastos sociais, esquivando-se das responsabilidades assumidas perante a
Constituição Federal de 1988, transferindo-as para a sociedade; para que ela dê
fim às suas demandas através de suas organizações. Nesse sentido, o enfrentamento das
práticas de violência deve ser realizado na perspectiva da garantia de direitos
daqueles que se encontram envolvidos em situação de violência. Portanto, os
serviços de atendimento devem abandonar a segmentação e compreender o
atendimento à vítima, ao agressor e a todo o grupo familiar na busca da
superação da dos conflitos. O assistente social tem - juntamente
com profissionais de outras áreas - um papel imprescindível no combate à
violência contra crianças e adolescentes, devendo buscar mostrar àqueles
envolvidos em práticas de violência outros caminhos e possibilidades para uma
convivência saudável, através de uma relação que pode ter características de
autoridade, mas deve estar alicerçada no respeito mútuo. Desse modo, o profissional de
Serviço Social deve ter atuação tanto na formulação quanto na implementação dos
serviços de atendimento. Deve contribuir para garantir aos usuários os
pressupostos das legislações, nas quais os sujeitos envolvidos em práticas
violentas devem ter o devido auxílio para que possam ter um convívio saudável,
distinto daquele que mantinham, sem que tenham de se afastar uns dos outros. Bibliografia ALMEIDA, R. C. Dicionário
etimológico da língua portuguesa. Brasília: Nacional, 1984, p.399. ARENDT, H. Entre o
passado e o futuro. 4ed. São Paulo:
Editora Perspectiva S.A, 1997. AZEVEDO, M. A; GUERRA, V. (orgs). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. 2. ed. São
Paulo: Iglu, 2000. BESERRA, M. A; CORREA, M. S. M; GUIMARÃES, K. N. Negligência
contra crianças e adolescentes: um olhar do profissional da saúde. In: Violência
doméstica contra crianças e adolescentes. Recife:EDUPE, 2002. p. 61-82. BIDARRA, Z. S.; GREGÓRIO, F. J. Caracterização das práticas de violência doméstica no município de
Toledo (região Oeste do Paraná). Pesquisa de Iniciação Científica –
PIBIC/UNIOESTE/PTI. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, 2006. FOUCAULT, M. Microfísica
do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.1988. GALBRAITH, J. K. Anatomia
do Poder. São Paulo:Pioneira, 1984. GONÇALVES, Hebe Signorini. Infância e Violência no Brasil. Rio de Janeiro:NAU, 2003. GREGÓRIO, F. J. Para além dos “Entre
Muros”: desmistificando o silêncio que encobre a violência psicológica. Trabalho
de Conclusão de Curso (Bacharelado GUERRA, V. N. A. Violência
de Pais contra filhos: a tragédia revisitada. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2005. MALTA, S. B. B. Violência
na família: uma matriz da violência na sociedade. 1ed. Estado de Alagoas:
Prefeitura Municipal de Coruripe, 2002. SÁ, S. M. Conselho
Tutelar: enfrentamento à violência física. Dissertação de Mestrado
apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista “Julio Mesquita Filho –UNESP. Franca, 2001. BIAZOLI, ZMM. Crianças e adolescentes: a questão da
tolerância na socialização das gerações mais novas In: Biasoli-Alves ZMM,
Fischmann R., organizadoras. Crianças e adolescentes: construindo uma cultura
da tolerância. São Paulo: Ed. USP; 2001. p.79-93.
[1] Projeto de Iniciação Cientifica PIBIC/UNIOESTE/ITAIPU,
sob orientação da professora Dra. Zelimar Soares Bidarra. Esta pesquisa buscou
catalogar algumas das formas da violência doméstica (a violência Psicológica, a
negligência e o abandono), sendo excluída a violência sexual. [2] Termo utilizado por Hannan Arendt (1997), o qual é por ela utilizado para descrever uma relação social mais ampla, contudo, passo a fazer uso deste por considerá-lo apropriado para este momento. [3] As fichas de Registros de Atendimento são aqui apresentadas conforme a identificação dada durante a Pesquisa de Campo. A identificação se dá por meio de números para preservar a identidade dos envolvidos nas situações de violência.
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