Teoria das Representações Sociais:
Contribuições para a apreensão da realidade |
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Mestre |
RESUMO: Este artigo constitui-se numa versão parcialmente modificada
da dissertação de mestrado defendida em 2008 pela UFSC. Situa-se no eixo dos
debates que envolvem a centralidade da “questão social” no Este artigo tem por base produções teóricas que
discutem a Teoria das Representações Sociais, evidenciando seu surgimento,
discussão conceitual, processos de formação, além de suas funções. A Teoria das
Representações Sociais conduz um novo olhar aos objetos a que se propõe
compreender, trazendo à tona elementos importantes para compreensão das
construções sociais, além de contribuir para a formulação de novas hipóteses,
sobre os vários problemas presentes na sociedade contemporânea. A teoria se
desenvolveu procurando estabelecer novas bases epistemológicas para a
compreensão da relação sujeito/objeto, atribuindo grande importância às chamadas
subjetividades. Trata-se de um conceito plural e bastante complexo. Mas, mesmo
existindo várias acepções – umas mais aproximadas, outras nem tanto – nos é
possível identificá-las como sendo: dinâmicas, explicativas; abarcando aspectos
culturais, cognitivos e valorativos; possuindo dimensão histórica e
transformadora. Compreendem um material de estudo muito importante, uma vez que
correspondem a situações reais de vida, revelam a visão de mundo de determinada
época. PALAVRAS CHAVE: Representações sociais; Subjetividades; Construção social
ABSTRACT:: KEY WORDS: Social representations; Subjectivities; Social construction
INTRODUÇÃO Passados mais de quarenta
anos da publicação do trabalho inaugural de Serge Moscovici, La psychanalyse,
son image et son public (1961), a teoria das representações sociais tem se
mostrado cada vez mais importante, adequando-se à complexidade dos fenômenos
sociais presentes. O aspecto inovador que
permite a apreensão e reabilitação da ordem simbólica, que rompe com a
dicotomia estabelecida entre exterior e interior, sujeito e objeto, tem atraído
cada vez mais adeptos à teoria das representações sociais, fato este comprovado
pela expansão da teoria, notadamente no Brasil, e da vasta produção acadêmica
que utiliza-se dela. Não temos aqui a pretensão
de abordar o tema em toda sua extensão e profundidade, procuramos tratar das
questões mais elementares e o fazemos reconhecendo a necessidade de
aprofundamento das leituras e reflexões sobre a instigante temática das
representações sociais. No primeiro momento do
trabalho, as reflexões são sobre o surgimento da teoria de Moscovici, a
perspectiva assumida pelo mesmo e, ainda, sobre os níveis em que as
representações podem ser discutidas e/ou analisadas. No segundo momento,
tentamos compreender as representações coletivas de Durkheim, visto que são
delas que Moscovici parte para construir sua teoria.
Em
seguida, apresentamos a questão conceitual. Essa questão é enriquecida com a
produção de teóricos como Denise Jodelet, Jean-Claude Abric e Willem Doise,
entre outros.
No
quarto momento do trabalho, apresentamos os processos formadores das
representações sociais: a objetivação e a ancoragem. As funções das
representações sociais são conteúdo do quinto momento do trabalho. Por fim, apresentamos as
considerações finais. A teoria das representações sociais, inaugurada pelo francês Serge Moscovici em 1961, com a publicação da obra La psychanalyse, son image et son public, cuja tradução em português é A psicanálise, sua imagem e seu público, tem assumido grande destaque na compreensão dos mais variados objetos e conseqüente produção de conhecimento.
É um campo de estudo que
surge de uma crítica que tenta romper com a forma de pensamento tradicional e
hegemônico fortemente presente na América do Norte e Grã-Bretanha, que concebia
o sujeito separado do seu contexto social. Essa postura crítica
assumida por Moscovici constitui o ponto de partida para construção da nova
teoria, que afirma não existir separação entre o universo interno do indivíduo
e o universo externo a este. A teoria propõe uma
articulação entre o psicológico e o social, considera inseparáveis sujeito,
objeto e sociedade. Moscovici (1995), em
prefácio da obra organizada por Guareschi e Jovchelovitch, Textos Na perspectiva
psicossociológica proposta por Moscovici, os indivíduos não são apenas
processadores de informações, mas pensadores ativos que “produzem e comunicam
incessantemente suas próprias representações e soluções específicas para as
questões que se colocam a si mesmo” (Moscovici,
1984a, p.16 apud Sá, 1995, p.28). Segundo Farr (1995),
principal divulgador da obra de Moscovici na comunidade científica inglesa, a
teoria de Moscovici compreende uma forma explicitamente sociológica da
psicologia social, ela constitui, sobretudo, uma crítica à natureza individual
assumida pela psicologia social americana e inglesa, cuja preocupação básica
eram os processos psicológicos individuais. A construção teórica de
Moscovici vem trazer novas perspectivas para uma situação de extrema
insatisfação com o que tradicionalmente é produzido no mundo científico,
principalmente no campo da psicologia social. O conhecimento fragmentado do ser
humano, a separação artificial entre as ciências sociais e a dicotomia entre
objetividade e subjetividade, que marcam o modelo científico, são questionados. A teoria das representações
sociais “questiona ao invés de adaptar-se e [...] busca o novo, lá mesmo onde o
peso hegemônico do tradicional impõe as suas contradições” (Guareschi; Jovchelovitch, 1995, p.17). A teoria conduz um novo
olhar aos objetos a que se propõe compreender, traz à tona elementos
importantes para compreensão das construções sociais, além de preencher lacunas
abertas pela chamada crise dos paradigmas (Domingos
Sobrinho, 1998), contribuindo ainda para a formulação de novas hipóteses,
sobre os vários problemas presentes na sociedade contemporânea. Até o momento referimo-nos
à teoria das representações sociais, no entanto, o termo representação social
designa tanto um conjunto de fenômenos, quanto o conceito que os engloba e a teoria
que os explicam (Sá, 1995), ou
seja, ele pode ser adotado como teoria, categoria explicativa ou analítica ou
como conceito (Oliveira; Moreira,
1998).
Guareschi
(1996) apoiado na produção de De Rosa (1994) apresenta três níveis em que as
representações sociais podem ser discutidas e/ou analisadas. Seriam eles: o
nível meta-teórico, o nível teórico e o nível fenomenológico. O nível meta-teórico
refere-se a um nível mais abstrato. Nele cabem as críticas e refutações aos
postulados e pressupostos teóricos e epistemológicos da teoria em questão. O nível teórico constitui o
conjunto de definições conceituais e metodológicas, assim como a elaboração de
construtos no referente às representações sociais. Nesse nível, a representação
social é tomada como teoria.
No
nível fenomenológico, a representação é tomada como um fenômeno. Fenômeno este
que se evidencia nos modos de conhecimentos, saberes do senso comum e nas
explicações populares. Ela é um fenômeno que existe, mas do qual, muitas vezes,
nem se dá conta de sua existência. Estudá-la é imprescindível sob forma de
entendermos e explicarmos porque as pessoas fazem o que fazem. Wagner (1995) atribui essa
diversidade devido às múltiplas facetas assumidas pelo conceito de
representação social que, segundo ele, é multifacetado.
De um lado a
representação social é concebida como processo social que envolve comunicação e
discurso, ao longo do qual significados e objetos sociais são construídos e
elaborados. Por outro lado [...] as representações sociais são operacionalizadas
como atributos individuais – como estruturas individuais de conhecimento,
símbolos e afetos distribuídos entre as pessoas em grupo ou sociedades (WAGNER,
1995, p.149).
É essa dupla visão do
conceito de representação social que o faz versátil, permitindo que alguns
estudiosos o empreguem de maneira mais pragmática, enquanto outros façam uso
mais teórico do mesmo.
2 – DE DURKHEIM A MOSCOVICI, DO COLETIVO AO SOCIAL
Moscovici
não parte do vazio para construir sua nova teoria. Farr (1995) diz que, muito
embora a teoria das representações sociais só tenha visto a luz do dia a partir
da modernidade, ela pertence, em termos de ancestralidade, ao solo intelectual
de toda tradição ocidental. É A distinção entre o estudo
das representações individuais das representações coletivas era predominante
nas teorizações de Durkheim. Segundo ele, caberia à psicologia o domínio das
primeiras e à sociologia o domínio das segundas. “A razão principal de se
distinguir entre os dois níveis era uma crença, da parte do teórico, que as
leis que explicavam os fenômenos coletivos eram diferentes do tipo de leis que
explicam os fenômenos em nível individual” (Farr,
1995, p. 35). Seu argumento era que as representações coletivas não poderiam
ser reduzidas a representações individuais. O interesse de Durkheim era estudar
a sociedade e a sociologia era o caminho mais adequado para seus estudos. Ele toma como objeto de
investigação as práticas religiosas das tribos das sociedades primitivas
australianas. Entende que a religião “traduz as representações coletivas
enquanto fenômenos capazes de assegurar os laços entre os membros de uma
sociedade e de mantê-los através das gerações” (Nóbrega, 2001, p.57). As representações coletivas
são entendidas como fatos sociais, coisas reais por elas mesmas, como dados,
como entidades explicativas absolutas e “não como fenômenos que devessem ser
eles próprios explicados” (Sá,
1995, p.23).
As
representações coletivas de Durkheim assumem-se como coercitivas, tendo função
de conduzir os homens a pensar e a agir de maneira homogênea. Elas são também
estáveis, o que possivelmente correspondia à estabilidade dos fenômenos para
cuja explicação haviam sido propostas, ou seja, elas respondiam às necessidades
explicativas das sociedades primitivas. Esta provavelmente é a
causa das representações coletivas, seus estudos e teorizações não terem assumido
tanta relevância no mundo científico. Elas não deram conta da complexidade que
marca e caracteriza as sociedades modernas. A interpretação e concepção de um
social estático e impermeável são superadas e outros olhares são dirigidos aos
problemas da sociedade. Sociedades modernas
industrializadas abrem espaços para conhecimentos, crenças, valores
contraditórios, experiências antagônicas, como diz Abric (1998), além do
aspecto das mudanças nas condições de vida da sociedade que conduzem,
naturalmente, à construção de representações diferentes, dinâmicas, nada tendo
de homogênea e estática, como queria Durkheim. O paradigma de Moscovici é
dinâmico, orientado e orientando em direção à explicação das mudanças e
inovações sociais, ao invés do controle e manutenção de uma visão de mundo.
Sobre isso ele diz:
[...] as representações em
que estou interessado não são as de sociedades primitivas, nem as
reminiscências, no subsolo de nossa cultura, de épocas remotas. São aquelas da
nossa sociedade presente, do nosso solo político, científico e humano, que nem
sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que os tornasse
tradições imutáveis (Moscovici,
1984a, p.18 apud Sá, 1995, p.22). Seu afastamento da
perspectiva puramente sociológica é o reconhecimento da existência de uma outra
ordem de fenômenos, fenômenos estes que evidenciam tanto as condições sociais
como as condições individuais de existência. Jodelet, citada por Silvia
Lane (1995), diz que as representações sociais devem ser estudadas articulando
elementos afetivos, mentais e sociais, ou seja, devem ser considerados os
aspectos cognitivos, assim como os sociais. A
elaboração de representação social implica um intercâmbio entre a
intersubjetividade e o coletivo (Sá,
1995) e este é o grande avanço da teoria de Moscovici: ela contribui,
sobremodo, no combate à tendência de separar os fenômenos psíquicos dos
sociais. A noção de representação
coletiva de Durkheim descreve uma categoria coletiva que deveria ser explicada
a um nível inferior, eram mais adequadas às sociedades menos complexas. As
sociedades modernas, plurais, exigem mais amplitude de análise, daí as
representações sociais, que são sociais não apenas porque sofrem as
determinações do social, mas, sobretudo, pela forma como são construídas e
compartilhadas – socialmente. Moscovici tinha consciência
de que o modelo de sociedade de Durkheim era estático e tradicional, gerando
representações muito mais ligadas à cultura e à tradição, duradouras e
amplamente distribuídas, por isso a substituição do termo coletivo pelo termo
social. A teoria das representações
sociais se desenvolveu procurando estabelecer novas bases epistemológicas para
a compreensão da relação sujeito/objeto, visto por Durkheim de forma
dicotomizada e descontextualizada. Ela demonstra que os processos através dos
quais os sujeitos representam o mundo são dinâmicos e não comportam nenhum
corte entre interior e exterior (Domingos
Sobrinho, 1998).
Uma
das preocupações marcantes de Moscovici foi exatamente a de não fechar um
conceito de representação social, recusando-se mesmo a elaborá-lo. Seu
entendimento era o de que uma definição deveria ser decorrência da acumulação
de dados empíricos. Guareschi (1996) entende
que Moscovici não conceituou de modo específico o que são representações
sociais, mas que ao determinar o que elas não são e através de seus escritos e
pesquisas ele nos dá indícios que podem compor um conceito, ou ao menos nos
permite visualizar uma noção de representação social. Seu interesse nunca foi
determinar uma teoria forte, fechada, mas oferecer mais uma perspectiva que
possibilitasse a leitura dos diversos fenômenos e objetos do mundo social. O
foco de sua teoria é a sociedade pensante (Spink,
1996) e, ao defini-la no trabalho publicado em 1984 no livro editado por ele e
Farr, demonstra que as pessoas que constroem o mundo não são caixas pretas,
meros receptores passivos, mas pensadores ativos que produzem e comunicam
incessantemente suas próprias representações e soluções específicas para as
questões que lhes são postas. Segundo ele, as representações compreendem um
conjunto de conceitos, afirmações e explicações pelas quais se procede à
interpretação e mesmo à construção das realidades (Moscovici, 1984 apud Sá,
1995).
Ressaltamos
que estas explicações não têm por base apenas conhecimentos inerentes da
sociedade e nem pensamentos elaborados individualmente, mas trata-se de
explicações elaboradas por indivíduos que pensam, mas não pensam sozinhos;
indivíduos que não são apenas influenciados pelos aspectos sociais, mas que são
constituintes e constituídos por este social. As representações implicam e, ao
mesmo tempo, constroem saberes sociais. São formas de conhecimento que circulam
nas sociedades orientando comportamentos e condutas.
Na
verdade, o termo representação social designa um grande número de fenômenos e
de processos, é grande sua polissemia. Autores oriundos da filosofia, da
antropologia, da história e da lingüística usam autonomamente o termo para
designar suas próprias reflexões (Sá,
1998). A
grande teoria das representações sociais, ou seja, a construção teórica cuja
matriz é Moscovici, origina pelo menos três vertentes no campo das
representações sociais: a de Denise Jodelet, principal colaboradora e
continuadora de Moscovici, a de Willem Doise e a de Jean-Claude Abric. Jodelet
arrisca-se, inclusive, a fazer o que Moscovici negou-se a fazê-lo: conceituar
as representações sociais. A ela pertence o conceito de representação social
mais bem aceito no meio acadêmico. Elas “são uma forma de conhecimento
elaborada e partilhada socialmente, tendo uma visão prática e concorrendo à
construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989, p.36 apud Guareschi, 1996, p. l6). Jodelet lidera
um grupo cuja perspectiva teórica é mais fiel a Moscovici. A grande preocupação
dos estudos sob esta perspectiva é dar conta da gênese histórica de uma
representação, extraí-las dos sujeitos, analisando-as e explicando-as. Doise
entende as representações como princípios geradores de tomadas de posição
associadas às inserções específicas do sujeito no conjunto das relações sociais
(Doise, 1986 apud Spink, 1996). Ele segue uma perspectiva
mais sociológica, buscando entender como as inserções sociais concretas dos
sujeitos condicionam suas representações.
Já
para Abric (1998) a representação social não é um simples reflexo da realidade,
ela é uma organização de significados que funciona como um sistema de
interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com o seu meio
físico e social, ela vai determinar seus comportamentos e suas práticas. Ele
enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações sociais.
Abric
desenvolveu a chamada Teoria do Núcleo Central, segundo ele, a organização de uma
representação social apresenta uma característica específica, a de ser
organizada em torno de um núcleo central, constituindo-se em um ou mais
elementos que dão significado à representação.
Uma
representação social apresenta um núcleo central e seus elementos periféricos.
O primeiro corresponde ao elemento – ou elementos – mais estável da
representação, o que mais resiste à mudança; e os segundos correspondem aos
componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos da representação.
É
difícil destacar uma definição comum a todos os teóricos que utilizam a noção
de representação social. A multiplicidade de definições pode ser exemplificada
na seqüência apresentada:
Conteúdo
mental estruturado – isto é, cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico – sobre
um fenômeno social relevante, que toma a forma de imagens ou metáforas, e que é
conscientemente compartilhado com outros membros do grupo social (Wagner, 1998, p.4). Considera-se
representação social como o sentido atribuído a um dado objeto pelo sujeito, a
partir das informações que, continuamente, lhe vêm de sua prática, de suas
relações (Madeira, 1998, p. 49).
As
representações são uma estratégia desenvolvida por atores sociais para
enfrentar a diversidade e a mobilidade de um mundo que, embora pertença a
todos, transcende a cada um individualmente (Jovchelovitch,
1995, p. 81).
A
seqüência nos permite ver que o conceito de representação social é um conceito
plural e bastante complexo, mas, mesmo existindo várias acepções – umas mais
aproximadas, outras nem tanto – nos é possível identificá-las como sendo:
dinâmicas, explicativas; abarcando aspectos culturais, cognitivos e
valorativos; possuindo dimensão histórica e transformadora.
Trata-se
de um material de estudo muito importante, uma vez que correspondem a situações
reais de vida, revelam a visão de mundo de determinada época (Minayo, 1995). Dessa
configuração estrutural das representações sociais, Moscovici caracteriza os
processos formadores das mesmas. São eles: a objetivação e a ancoragem. A
objetivação corresponde à função de duplicar um sentido por uma figura, dar
materialidade a um objeto abstrato, naturalizá-lo, corporificar os pensamentos,
tornar físico e visível o impalpável, transformar em objeto o que é representado
(Sá, 1995; Nóbrega, 1990). Um
exemplo clássico de objetivação é quando comparamos Deus a um pai. Ao fazê-lo,
materializamos o abstrato, passando a tratá-lo com naturalidade, familiaridade. Ancorar
é duplicar uma figura por um sentido. A ancoragem corresponde à classificação e
denominação das coisas estranhas, ainda não classificadas nem denominadas.
Consiste na integração cognitiva do objeto representado a um sistema de
pensamento social preexistente. Ancorar é encontrar um lugar para encaixar o
não-familiar, é pegar o concreto e lhe atribuir um sentido. Jovchelovtch
(1995, p. 81) diz que esses dois processos “são as formas específicas em que as
representações sociais estabelecem mediações, trazendo para o nível quase
material a produção simbólica de uma comunidade e dando conta da concreticidade
das representações sociais na vida social”.
Tendo
sido apresentadas até o momento considerações que nos dão noção do surgimento
do estudo específico das representações sociais, do processo de formação da
teoria, dos vários conceitos elaborados sobre o fenômeno representação social e
dos processos de formação delas, cabe-nos agora tentar compreender porque as
criamos e qual sua função.
Começamos
com as palavras de Ângela Arruda (1998, p. 72) que nos diz o seguinte: “As
representações sociais constituem uma forma de metabolizar a novidade,
transformando-a em substância para alimentar nossa leitura de mundo, assim
incorporar o que é novo”.
Um
primeiro delineamento formal do conceito de representação social nos é colocado
por Moscovici quando este, ao debruçar-se sobre a produção de Durkheim ,
reconhece que as representações coletivas não dariam conta da complexidade das
sociedades modernas, cuja realidade social é desafiada constantemente pela
presença do novo, do estranho, do não-familiar. Esses fenômenos – novos,
estranhos, não-familiares – de origem e âmbito diversos exigem uma nova
compreensão. Com a teoria das representações sociais eles passam a serem vistos
sob uma nova perspectiva, uma perspectiva psicossociológica.
Logo
concluímos que, “o propósito de todas as representações é o de transformar algo
não familiar, ou a própria não familiaridade, em familiar” (Moscovici, 1984a, p.23 apud Sá, 1995, p. 35). Este é o motivo
porque criamos representações.
Esta
criação se dá através e nas dinâmicas de comunicação. É a comunicação o veículo
que permite a formação das representações que, por sua vez, tornam possíveis a
reconstrução do real (Nóbrega,
2001).
Se
o estranho não se apresentasse, o pensamento social teria a estabilidade de que
Durkheim falava e suas representações coletivas dariam conta de explicá-lo.
Quanto
às funções, as representações sociais respondem a duas: contribuem com os
processos de formação de condutas e orientam as comunicações sociais. Essas
duas funções são delineadas por Moscovici em sua obra La psychanalyse, son
image et son public (1961).
Abric
(1998) apresenta as seguintes funções das representações sociais: função de
saber, função identitária, função de orientação e função justificadora.
Ao
assumir a função de saber ou cognitiva, as representações permitem compreender
e explicar a realidade, permitem que os atores sociais adquiram conhecimentos e
os integrem em um quadro para eles próprios, assim elas facilitam a comunicação
social.
Como
função identitária, elas definem a identidade e permitem a proteção da
especificidade dos grupos, salvaguardando a imagem positiva dos mesmos.
A
função de orientação permite que as representações guiem os comportamentos e as
condutas dos indivíduos, elas são um guia para a ação. (Abric, 1998; Moscovici,
1978; Jodelet, 1986).
Finalmente,
a função justificadora permite a justificativa das tomadas de posição e dos
comportamentos por parte dos sujeitos, assim como a manutenção ou reforço dos
comportamentos de diferenciação social assumidos pelos grupos sociais ou pelos
indivíduos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
presença marcante de fenômenos os mais diversificados na sociedade
contemporânea, como por exemplo, o advento da aids, o eclodir das chamadas
questões ambientais, os problemas relacionados à identidade social, entre
outros, têm induzido estudiosos à busca de caminhos que levem ou, pelo menos,
os aproximem da compreensão destes fenômenos, assim como da compreensão dos
sujeitos sociais sobre tais fenômenos.
A
teoria das representações sociais, ao romper com a dicotomia entre objetividade
e subjetividade, ao permitir a apreensão dos fenômenos psicológicos em sua
dimensão social, tem se configurado num paradigma de grande relevância nessa
incessante busca.
Ela
abre espaço e, ao mesmo tempo, exige o exercício da interdisciplinaridade.
Enfatizando o processo comunicacional – as representações são construídas via
comunicação – obrigam o diálogo e a troca.
Trata-se,
entretanto, de um campo bastante complexo e até mesmo controvertido. As
críticas dirigidas à teoria das representações sociais não são poucas.
Questionam-se a falta de clareza conceitual, a falta de rigor metodológico, a
questão do modismo e a grande recorrência à teoria, entre outras coisas.
O
fato é que o novo é sempre desestabilizante, inquietante. Muitas das questões
postas pelos críticos da teoria têm sido superadas ao longo dos quarenta anos
da mesma, além de que, muitas delas derivam da crítica mais geral feita aos
métodos qualitativos, ou ainda, aos estudos das questões ditas subjetivas.
A
teoria tem, de fato, causado impacto na produção científica. O Brasil,
especificamente, tem assistido a formação de uma verdadeira escola de
representações sociais, haja vista a diversidade de objetos que têm sido
vislumbrados à luz da teoria e das diferentes áreas do conhecimento que
recorrem à mesma.
Estudiosos
com Celso Pereira de Sá e Ângela Arruda têm se debruçado na construção de
estudos sobre a produção científica em representações sociais no Brasil, a
exemplo do artigo “O estudo das representações sociais no Brasil”, da Revista
Ciências Humanas – Edição Especial Temática, da Universidade Federal de Santa
Catarina, em que constatam que a teoria das representações sociais se consolida
cada vez mais, esperando-se, inclusive, a inserção da produção brasileira no
cenário internacional.
Trata-se,
efetivamente, de um campo de estudo novo e desafiante, que tem exigido
aprofundamentos epistemológico e metodológico, mas que já tem permitido grande
produção, favorecendo a compreensão da realidade social.
A
realização deste breve estudo nos conscientiza da necessidade de aprofundamento
dos estudos, assim como nos mobiliza a mergulharmos neste instigante campo do
conhecimento. Bibliografia ARRUDA, Ângela.
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