Teoria das Representações Sociais: Contribuições para a apreensão da realidade
Lucia Maria Patriota *

* Mestre em Saúde Coletiva, Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba. Integrante do Grupo de Estudo, Pesquisa e Assessoria em Políticas Sociais (GEAPS) luciapatriota@yahoo.com.br 

RESUMO:

Este artigo constitui-se numa versão parcialmente modificada da dissertação de mestrado defendida em 2008 pela UFSC. Situa-se no eixo dos debates que envolvem a centralidade da “questão social” no Este artigo tem por base produções teóricas que discutem a Teoria das Representações Sociais, evidenciando seu surgimento, discussão conceitual, processos de formação, além de suas funções. A Teoria das Representações Sociais conduz um novo olhar aos objetos a que se propõe compreender, trazendo à tona elementos importantes para compreensão das construções sociais, além de contribuir para a formulação de novas hipóteses, sobre os vários problemas presentes na sociedade contemporânea. A teoria se desenvolveu procurando estabelecer novas bases epistemológicas para a compreensão da relação sujeito/objeto, atribuindo grande importância às chamadas subjetividades. Trata-se de um conceito plural e bastante complexo. Mas, mesmo existindo várias acepções – umas mais aproximadas, outras nem tanto – nos é possível identificá-las como sendo: dinâmicas, explicativas; abarcando aspectos culturais, cognitivos e valorativos; possuindo dimensão histórica e transformadora. Compreendem um material de estudo muito importante, uma vez que correspondem a situações reais de vida, revelam a visão de mundo de determinada época.

PALAVRAS CHAVE: Representações sociais; Subjetividades; Construção social

 

ABSTRACT::
T
his article is substantiated by theorical productions that reflect the Social Representation Theory, showing up its appearance, conceptual discussion, formation processes beyond its functions. The presented theory leads to a new way of looking at the objects to be known, surfacing important elements to the social constructions and contributing to the new hypothesis formulation about many problems of the contemporary society. This theory developed by the epistemological basis to understand the relation subject/object, giving great importance to the called subjectivities. It’s a complex and plural concept. Even though there are many senses – ones near and others not – it is possible to identify them as: dynamics, explainables, involving cultural, intellectual and valuable aspects, having transformational and historical dimension. All the information's are an essential material, because they correspond to real life situations and reveal a world vision of determinated period.  

KEY WORDS: Social representations; Subjectivities; Social construction


INTRODUÇÃO

 Trabalhar representação social não é tarefa fácil. Seja apropriando-se da mesma como teoria ou ainda como fenômeno, a dificuldade e complexidade não parece ser menor.

Passados mais de quarenta anos da publicação do trabalho inaugural de Serge Moscovici, La psychanalyse, son image et son public (1961), a teoria das representações sociais tem se mostrado cada vez mais importante, adequando-se à complexidade dos fenômenos sociais presentes.

O aspecto inovador que permite a apreensão e reabilitação da ordem simbólica, que rompe com a dicotomia estabelecida entre exterior e interior, sujeito e objeto, tem atraído cada vez mais adeptos à teoria das representações sociais, fato este comprovado pela expansão da teoria, notadamente no Brasil, e da vasta produção acadêmica que utiliza-se dela.

Não temos aqui a pretensão de abordar o tema em toda sua extensão e profundidade, procuramos tratar das questões mais elementares e o fazemos reconhecendo a necessidade de aprofundamento das leituras e reflexões sobre a instigante temática das representações sociais.

No primeiro momento do trabalho, as reflexões são sobre o surgimento da teoria de Moscovici, a perspectiva assumida pelo mesmo e, ainda, sobre os níveis em que as representações podem ser discutidas e/ou analisadas.

No segundo momento, tentamos compreender as representações coletivas de Durkheim, visto que são delas que Moscovici parte para construir sua teoria.

Em seguida, apresentamos a questão conceitual. Essa questão é enriquecida com a produção de teóricos como Denise Jodelet, Jean-Claude Abric e Willem Doise, entre outros.

No quarto momento do trabalho, apresentamos os processos formadores das representações sociais: a objetivação e a ancoragem.

As funções das representações sociais são conteúdo do quinto momento do trabalho.

Por fim, apresentamos as considerações finais.

 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A teoria das representações sociais, inaugurada pelo francês Serge Moscovici em 1961, com a publicação da obra La psychanalyse, son image et son public, cuja tradução em português é A psicanálise, sua imagem e seu público, tem assumido grande destaque na compreensão dos mais variados objetos e conseqüente produção de conhecimento.

É um campo de estudo que surge de uma crítica que tenta romper com a forma de pensamento tradicional e hegemônico fortemente presente na América do Norte e Grã-Bretanha, que concebia o sujeito separado do seu contexto social.

Essa postura crítica assumida por Moscovici constitui o ponto de partida para construção da nova teoria, que afirma não existir separação entre o universo interno do indivíduo e o universo externo a este.

A teoria propõe uma articulação entre o psicológico e o social, considera inseparáveis sujeito, objeto e sociedade.

Moscovici (1995), em prefácio da obra organizada por Guareschi e Jovchelovitch, Textos em Representações Sociais, diz sentir repulsa diante do dualismo estabelecido entre o mundo individual e o mundo social. Sua intenção é desenvolver uma psicossociologia do conhecimento que considere tanto os comportamentos individuais, quanto os fatos sociais. Não importa apenas a influência, unidirecional, dos contextos sociais sobre os comportamentos individuais, mas a participação destes na construção das próprias realidades sociais (, 1995).

Na perspectiva psicossociológica proposta por Moscovici, os indivíduos não são apenas processadores de informações, mas pensadores ativos que “produzem e comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções específicas para as questões que se colocam a si mesmo” (Moscovici, 1984a, p.16 apud , 1995, p.28).

Segundo Farr (1995), principal divulgador da obra de Moscovici na comunidade científica inglesa, a teoria de Moscovici compreende uma forma explicitamente sociológica da psicologia social, ela constitui, sobretudo, uma crítica à natureza individual assumida pela psicologia social americana e inglesa, cuja preocupação básica eram os processos psicológicos individuais.

A construção teórica de Moscovici vem trazer novas perspectivas para uma situação de extrema insatisfação com o que tradicionalmente é produzido no mundo científico, principalmente no campo da psicologia social. O conhecimento fragmentado do ser humano, a separação artificial entre as ciências sociais e a dicotomia entre objetividade e subjetividade, que marcam o modelo científico, são questionados.

A teoria das representações sociais “questiona ao invés de adaptar-se e [...] busca o novo, lá mesmo onde o peso hegemônico do tradicional impõe as suas contradições” (Guareschi; Jovchelovitch, 1995, p.17).

A teoria conduz um novo olhar aos objetos a que se propõe compreender, traz à tona elementos importantes para compreensão das construções sociais, além de preencher lacunas abertas pela chamada crise dos paradigmas (Domingos Sobrinho, 1998), contribuindo ainda para a formulação de novas hipóteses, sobre os vários problemas presentes na sociedade contemporânea.

Até o momento referimo-nos à teoria das representações sociais, no entanto, o termo representação social designa tanto um conjunto de fenômenos, quanto o conceito que os engloba e a teoria que os explicam (, 1995), ou seja, ele pode ser adotado como teoria, categoria explicativa ou analítica ou como conceito (Oliveira; Moreira, 1998).

Guareschi (1996) apoiado na produção de De Rosa (1994) apresenta três níveis em que as representações sociais podem ser discutidas e/ou analisadas. Seriam eles: o nível meta-teórico, o nível teórico e o nível fenomenológico.

O nível meta-teórico refere-se a um nível mais abstrato. Nele cabem as críticas e refutações aos postulados e pressupostos teóricos e epistemológicos da teoria em questão.

O nível teórico constitui o conjunto de definições conceituais e metodológicas, assim como a elaboração de construtos no referente às representações sociais. Nesse nível, a representação social é tomada como teoria.

No nível fenomenológico, a representação é tomada como um fenômeno. Fenômeno este que se evidencia nos modos de conhecimentos, saberes do senso comum e nas explicações populares. Ela é um fenômeno que existe, mas do qual, muitas vezes, nem se dá conta de sua existência. Estudá-la é imprescindível sob forma de entendermos e explicarmos porque as pessoas fazem o que fazem.

Wagner (1995) atribui essa diversidade devido às múltiplas facetas assumidas pelo conceito de representação social que, segundo ele, é multifacetado.

 

De um lado a representação social é concebida como processo social que envolve comunicação e discurso, ao longo do qual significados e objetos sociais são construídos e elaborados. Por outro lado [...] as representações sociais são operacionalizadas como atributos individuais – como estruturas individuais de conhecimento, símbolos e afetos distribuídos entre as pessoas em grupo ou sociedades (WAGNER, 1995, p.149).

 

É essa dupla visão do conceito de representação social que o faz versátil, permitindo que alguns estudiosos o empreguem de maneira mais pragmática, enquanto outros façam uso mais teórico do mesmo.

2 – DE DURKHEIM A MOSCOVICI, DO COLETIVO AO SOCIAL

Moscovici não parte do vazio para construir sua nova teoria. Farr (1995) diz que, muito embora a teoria das representações sociais só tenha visto a luz do dia a partir da modernidade, ela pertence, em termos de ancestralidade, ao solo intelectual de toda tradição ocidental.

É em Emile Durkheim que Moscovici vai buscar as bases para a construção de sua teoria, dando “uma clara continuidade” aos estudos das representações coletivas do sociólogo francês, que por muito tempo ficaram esquecidas do meio científico/acadêmico. No entanto, ele dá às representações coletivas uma configuração completamente diferente, visto não estar comprometido com a filosofia positivista da ciência, como Durkheim.

A distinção entre o estudo das representações individuais das representações coletivas era predominante nas teorizações de Durkheim. Segundo ele, caberia à psicologia o domínio das primeiras e à sociologia o domínio das segundas. “A razão principal de se distinguir entre os dois níveis era uma crença, da parte do teórico, que as leis que explicavam os fenômenos coletivos eram diferentes do tipo de leis que explicam os fenômenos em nível individual” (Farr, 1995, p. 35). Seu argumento era que as representações coletivas não poderiam ser reduzidas a representações individuais. O interesse de Durkheim era estudar a sociedade e a sociologia era o caminho mais adequado para seus estudos.

Ele toma como objeto de investigação as práticas religiosas das tribos das sociedades primitivas australianas. Entende que a religião “traduz as representações coletivas enquanto fenômenos capazes de assegurar os laços entre os membros de uma sociedade e de mantê-los através das gerações” (Nóbrega, 2001, p.57).

As representações coletivas são entendidas como fatos sociais, coisas reais por elas mesmas, como dados, como entidades explicativas absolutas e “não como fenômenos que devessem ser eles próprios explicados” (Sá, 1995, p.23).

As representações coletivas de Durkheim assumem-se como coercitivas, tendo função de conduzir os homens a pensar e a agir de maneira homogênea. Elas são também estáveis, o que possivelmente correspondia à estabilidade dos fenômenos para cuja explicação haviam sido propostas, ou seja, elas respondiam às necessidades explicativas das sociedades primitivas.

Esta provavelmente é a causa das representações coletivas, seus estudos e teorizações não terem assumido tanta relevância no mundo científico. Elas não deram conta da complexidade que marca e caracteriza as sociedades modernas. A interpretação e concepção de um social estático e impermeável são superadas e outros olhares são dirigidos aos problemas da sociedade.

Sociedades modernas industrializadas abrem espaços para conhecimentos, crenças, valores contraditórios, experiências antagônicas, como diz Abric (1998), além do aspecto das mudanças nas condições de vida da sociedade que conduzem, naturalmente, à construção de representações diferentes, dinâmicas, nada tendo de homogênea e estática, como queria Durkheim.

O paradigma de Moscovici é dinâmico, orientado e orientando em direção à explicação das mudanças e inovações sociais, ao invés do controle e manutenção de uma visão de mundo. Sobre isso ele diz:

 

[...] as representações em que estou interessado não são as de sociedades primitivas, nem as reminiscências, no subsolo de nossa cultura, de épocas remotas. São aquelas da nossa sociedade presente, do nosso solo político, científico e humano, que nem sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que os tornasse tradições imutáveis (Moscovici, 1984a, p.18 apud , 1995, p.22). 

Seu afastamento da perspectiva puramente sociológica é o reconhecimento da existência de uma outra ordem de fenômenos, fenômenos estes que evidenciam tanto as condições sociais como as condições individuais de existência.

Jodelet, citada por Silvia Lane (1995), diz que as representações sociais devem ser estudadas articulando elementos afetivos, mentais e sociais, ou seja, devem ser considerados os aspectos cognitivos, assim como os sociais.

            A elaboração de representação social implica um intercâmbio entre a intersubjetividade e o coletivo (Sá, 1995) e este é o grande avanço da teoria de Moscovici: ela contribui, sobremodo, no combate à tendência de separar os fenômenos psíquicos dos sociais.

A noção de representação coletiva de Durkheim descreve uma categoria coletiva que deveria ser explicada a um nível inferior, eram mais adequadas às sociedades menos complexas. As sociedades modernas, plurais, exigem mais amplitude de análise, daí as representações sociais, que são sociais não apenas porque sofrem as determinações do social, mas, sobretudo, pela forma como são construídas e compartilhadas – socialmente.

Moscovici tinha consciência de que o modelo de sociedade de Durkheim era estático e tradicional, gerando representações muito mais ligadas à cultura e à tradição, duradouras e amplamente distribuídas, por isso a substituição do termo coletivo pelo termo social.

A teoria das representações sociais se desenvolveu procurando estabelecer novas bases epistemológicas para a compreensão da relação sujeito/objeto, visto por Durkheim de forma dicotomizada e descontextualizada. Ela demonstra que os processos através dos quais os sujeitos representam o mundo são dinâmicos e não comportam nenhum corte entre interior e exterior (Domingos Sobrinho, 1998).

 3 – REPRESENTAÇÃO SOCIAL: A construção de um conceito

Uma das preocupações marcantes de Moscovici foi exatamente a de não fechar um conceito de representação social, recusando-se mesmo a elaborá-lo. Seu entendimento era o de que uma definição deveria ser decorrência da acumulação de dados empíricos.

Guareschi (1996) entende que Moscovici não conceituou de modo específico o que são representações sociais, mas que ao determinar o que elas não são e através de seus escritos e pesquisas ele nos dá indícios que podem compor um conceito, ou ao menos nos permite visualizar uma noção de representação social. Seu interesse nunca foi determinar uma teoria forte, fechada, mas oferecer mais uma perspectiva que possibilitasse a leitura dos diversos fenômenos e objetos do mundo social. O foco de sua teoria é a sociedade pensante (Spink, 1996) e, ao defini-la no trabalho publicado em 1984 no livro editado por ele e Farr, demonstra que as pessoas que constroem o mundo não são caixas pretas, meros receptores passivos, mas pensadores ativos que produzem e comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções específicas para as questões que lhes são postas.

 Segundo ele, as representações compreendem um conjunto de conceitos, afirmações e explicações pelas quais se procede à interpretação e mesmo à construção das realidades (Moscovici, 1984 apud , 1995).

Ressaltamos que estas explicações não têm por base apenas conhecimentos inerentes da sociedade e nem pensamentos elaborados individualmente, mas trata-se de explicações elaboradas por indivíduos que pensam, mas não pensam sozinhos; indivíduos que não são apenas influenciados pelos aspectos sociais, mas que são constituintes e constituídos por este social. As representações implicam e, ao mesmo tempo, constroem saberes sociais. São formas de conhecimento que circulam nas sociedades orientando comportamentos e condutas.

Na verdade, o termo representação social designa um grande número de fenômenos e de processos, é grande sua polissemia. Autores oriundos da filosofia, da antropologia, da história e da lingüística usam autonomamente o termo para designar suas próprias reflexões (Sá, 1998).

 A grande teoria das representações sociais, ou seja, a construção teórica cuja matriz é Moscovici, origina pelo menos três vertentes no campo das representações sociais: a de Denise Jodelet, principal colaboradora e continuadora de Moscovici, a de Willem Doise e a de Jean-Claude Abric.

 Jodelet arrisca-se, inclusive, a fazer o que Moscovici negou-se a fazê-lo: conceituar as representações sociais. A ela pertence o conceito de representação social mais bem aceito no meio acadêmico. Elas “são uma forma de conhecimento elaborada e partilhada socialmente, tendo uma visão prática e concorrendo à construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989, p.36 apud Guareschi, 1996, p. l6). Jodelet lidera um grupo cuja perspectiva teórica é mais fiel a Moscovici. A grande preocupação dos estudos sob esta perspectiva é dar conta da gênese histórica de uma representação, extraí-las dos sujeitos, analisando-as e explicando-as.

 Doise entende as representações como princípios geradores de tomadas de posição associadas às inserções específicas do sujeito no conjunto das relações sociais (Doise, 1986 apud Spink, 1996). Ele segue uma perspectiva mais sociológica, buscando entender como as inserções sociais concretas dos sujeitos condicionam suas representações.

Já para Abric (1998) a representação social não é um simples reflexo da realidade, ela é uma organização de significados que funciona como um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com o seu meio físico e social, ela vai determinar seus comportamentos e suas práticas. Ele enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações sociais.

Abric desenvolveu a chamada Teoria do Núcleo Central, segundo ele, a organização de uma representação social apresenta uma característica específica, a de ser organizada em torno de um núcleo central, constituindo-se em um ou mais elementos que dão significado à representação.

Uma representação social apresenta um núcleo central e seus elementos periféricos. O primeiro corresponde ao elemento – ou elementos – mais estável da representação, o que mais resiste à mudança; e os segundos correspondem aos componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos da representação.

É difícil destacar uma definição comum a todos os teóricos que utilizam a noção de representação social. A multiplicidade de definições pode ser exemplificada na seqüência  apresentada: 

Conteúdo mental estruturado – isto é, cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico – sobre um fenômeno social relevante, que toma a forma de imagens ou metáforas, e que é conscientemente compartilhado com outros membros do grupo social (Wagner, 1998, p.4).

Considera-se representação social como o sentido atribuído a um dado objeto pelo sujeito, a partir das informações que, continuamente, lhe vêm de sua prática, de suas relações (Madeira, 1998, p. 49). 

As representações são uma estratégia desenvolvida por atores sociais para enfrentar a diversidade e a mobilidade de um mundo que, embora pertença a todos, transcende a cada um individualmente (Jovchelovitch, 1995, p. 81).

A seqüência nos permite ver que o conceito de representação social é um conceito plural e bastante complexo, mas, mesmo existindo várias acepções – umas mais aproximadas, outras nem tanto – nos é possível identificá-las como sendo: dinâmicas, explicativas; abarcando aspectos culturais, cognitivos e valorativos; possuindo dimensão histórica e transformadora.

Trata-se de um material de estudo muito importante, uma vez que correspondem a situações reais de vida, revelam a visão de mundo de determinada época (Minayo, 1995).

 4 – OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

 Moscovici propõe uma estrutura teórica para as representações sociais. Segundo ele, a representação social tem duas faces indissociáveis: a face figurativa ou imageante, que corresponde ao objeto, e a face simbólica, que corresponde ao sentido atribuído ao objeto pelo sujeito, ou seja, o entendimento é que não existe representação sem objeto. Toda representação é construída na relação do sujeito com o objeto representado, não é mero reflexo do mundo externo na mente, ela vai além do trabalho individual do psiquismo, emerge como um fenômeno colado ao social. Jovchelovitch (1995, p. 78) diz que “é através da atividade do sujeito e de sua relação com outros que as representações têm origem, permitindo uma mediação entre o sujeito e o mundo que ele ao mesmo tempo descobre e constrói”.

 Dessa configuração estrutural das representações sociais, Moscovici caracteriza os processos formadores das mesmas. São eles: a objetivação e a ancoragem.

 A objetivação corresponde à função de duplicar um sentido por uma figura, dar materialidade a um objeto abstrato, naturalizá-lo, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, transformar em objeto o que é representado (Sá, 1995; Nóbrega, 1990).

 Um exemplo clássico de objetivação é quando comparamos Deus a um pai. Ao fazê-lo, materializamos o abstrato, passando a tratá-lo com naturalidade, familiaridade.

 Ancorar é duplicar uma figura por um sentido. A ancoragem corresponde à classificação e denominação das coisas estranhas, ainda não classificadas nem denominadas. Consiste na integração cognitiva do objeto representado a um sistema de pensamento social preexistente. Ancorar é encontrar um lugar para encaixar o não-familiar, é pegar o concreto e lhe atribuir um sentido.

 Jovchelovtch (1995, p. 81) diz que esses dois processos “são as formas específicas em que as representações sociais estabelecem mediações, trazendo para o nível quase material a produção simbólica de uma comunidade e dando conta da concreticidade das representações sociais na vida social”.

 5 – AS FUNÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Tendo sido apresentadas até o momento considerações que nos dão noção do surgimento do estudo específico das representações sociais, do processo de formação da teoria, dos vários conceitos elaborados sobre o fenômeno representação social e dos processos de formação delas, cabe-nos agora tentar compreender porque as criamos e qual sua função.

Começamos com as palavras de Ângela Arruda (1998, p. 72) que nos diz o seguinte: “As representações sociais constituem uma forma de metabolizar a novidade, transformando-a em substância para alimentar nossa leitura de mundo, assim incorporar o que é novo”.

Um primeiro delineamento formal do conceito de representação social nos é colocado por Moscovici quando este, ao debruçar-se sobre a produção de Durkheim , reconhece que as representações coletivas não dariam conta da complexidade das sociedades modernas, cuja realidade social é desafiada constantemente pela presença do novo, do estranho, do não-familiar. Esses fenômenos – novos, estranhos, não-familiares – de origem e âmbito diversos exigem uma nova compreensão. Com a teoria das representações sociais eles passam a serem vistos sob uma nova perspectiva, uma perspectiva psicossociológica.

Logo concluímos que, “o propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar, ou a própria não familiaridade, em familiar” (Moscovici, 1984a, p.23 apud , 1995, p. 35). Este é o motivo porque criamos representações.

Esta criação se dá através e nas dinâmicas de comunicação. É a comunicação o veículo que permite a formação das representações que, por sua vez, tornam possíveis a reconstrução do real (Nóbrega, 2001).

Se o estranho não se apresentasse, o pensamento social teria a estabilidade de que Durkheim falava e suas representações coletivas dariam conta de explicá-lo.

Quanto às funções, as representações sociais respondem a duas: contribuem com os processos de formação de condutas e orientam as comunicações sociais. Essas duas funções são delineadas por Moscovici em sua obra La psychanalyse, son image et son public (1961).

Abric (1998) apresenta as seguintes funções das representações sociais: função de saber, função identitária, função de orientação e função justificadora.

Ao assumir a função de saber ou cognitiva, as representações permitem compreender e explicar a realidade, permitem que os atores sociais adquiram conhecimentos e os integrem em um quadro para eles próprios, assim elas facilitam a comunicação social.

Como função identitária, elas definem a identidade e permitem a proteção da especificidade dos grupos, salvaguardando a imagem positiva dos mesmos.

A função de orientação permite que as representações guiem os comportamentos e as condutas dos indivíduos, elas são um guia para a ação. (Abric, 1998; Moscovici, 1978; Jodelet, 1986).

Finalmente, a função justificadora permite a justificativa das tomadas de posição e dos comportamentos por parte dos sujeitos, assim como a manutenção ou reforço dos comportamentos de diferenciação social assumidos pelos grupos sociais ou pelos indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença marcante de fenômenos os mais diversificados na sociedade contemporânea, como por exemplo, o advento da aids, o eclodir das chamadas questões ambientais, os problemas relacionados à identidade social, entre outros, têm induzido estudiosos à busca de caminhos que levem ou, pelo menos, os aproximem da compreensão destes fenômenos, assim como da compreensão dos sujeitos sociais sobre tais fenômenos.

A teoria das representações sociais, ao romper com a dicotomia entre objetividade e subjetividade, ao permitir a apreensão dos fenômenos psicológicos em sua dimensão social, tem se configurado num paradigma de grande relevância nessa incessante busca.

Ela abre espaço e, ao mesmo tempo, exige o exercício da interdisciplinaridade. Enfatizando o processo comunicacional – as representações são construídas via comunicação – obrigam o diálogo e a troca.

Trata-se, entretanto, de um campo bastante complexo e até mesmo controvertido. As críticas dirigidas à teoria das representações sociais não são poucas. Questionam-se a falta de clareza conceitual, a falta de rigor metodológico, a questão do modismo e a grande recorrência à teoria, entre outras coisas.

O fato é que o novo é sempre desestabilizante, inquietante. Muitas das questões postas pelos críticos da teoria têm sido superadas ao longo dos quarenta anos da mesma, além de que, muitas delas derivam da crítica mais geral feita aos métodos qualitativos, ou ainda, aos estudos das questões ditas subjetivas.

A teoria tem, de fato, causado impacto na produção científica. O Brasil, especificamente, tem assistido a formação de uma verdadeira escola de representações sociais, haja vista a diversidade de objetos que têm sido vislumbrados à luz da teoria e das diferentes áreas do conhecimento que recorrem à mesma.

Estudiosos com Celso Pereira de Sá e Ângela Arruda têm se debruçado na construção de estudos sobre a produção científica em representações sociais no Brasil, a exemplo do artigo “O estudo das representações sociais no Brasil”, da Revista Ciências Humanas – Edição Especial Temática, da Universidade Federal de Santa Catarina, em que constatam que a teoria das representações sociais se consolida cada vez mais, esperando-se, inclusive, a inserção da produção brasileira no cenário internacional.

Trata-se, efetivamente, de um campo de estudo novo e desafiante, que tem exigido aprofundamentos epistemológico e metodológico, mas que já tem permitido grande produção, favorecendo a compreensão da realidade social.

A realização deste breve estudo nos conscientiza da necessidade de aprofundamento dos estudos, assim como nos mobiliza a mergulharmos neste instigante campo do conhecimento.

 

 

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