OSÉIAS: UMA LENDA DOS SIMPÓSIOS


"Se aqui eu pudesse casar, se aqui eu pudesse morrer, aqui seria a minha vida"

Presença certa em simpósios e congressos. Quem já freqüentou alguma palestra na UEL conhece esse estudante do 4o ano de Ciências Sociais. Oseias Carmo Neves, 34: participação em 49 palestras, aproximadamente 70 certificados de participação em eventos acadêmicos, 19 trabalhos apresentados em congressos, quase 4 mil horas de atividades acadêmicas complementares registradas na CAE (Coordenadoria de Assuntos Estudantis). Segundo o professor Eduardo Judas Barros, esse estudante "é um patrimônio cultural do Simpósio de Comunicação e Cultura".

Oseias veio parar na UEL por acaso. O ônibus em que viajava quebrou na estrada. Num posto, viu o cartaz do vestibular e decidiu prestar. "Até então, eu era muambeiro", lembra o estudante. "Era hora de mudar de vida".

Ele atribui seu interesse por palestras e eventos semelhantes à grande curiosidade que manifesta desde criança: "Eu lia jornal, ia à biblioteca, assistia a telejornais". E não parou por aí. Hoje, é defensor ardoroso da validade da informação, em especial de palestras, porque "todas acabam atingindo seu objetivo".

Oseias é admirador confesso da filósofa e professora Marilena Chaui. "Eu entrei na Universidade no dia 3 de março de 98. No dia 10 do mesmo mês, eu já estava como monitor no evento ‘Democracia e Liberdade: Interlocuções com Marilena Chaui’. Daí nasceu minha paixão pelo assunto", conta. Além de Marilena, o futuro sociólogo também diz ter Boaventura de Sousa Santos e Alain Touraine como ídolos intelectuais.

Influenciado pelo colega de quarto Márcio Pazetti, já participou até de uma palestra sobre Física Quântica, ministrada em inglês (sem entender uma palavra do idioma). Podia ser visto como um eclético, mas não muito. Procura um tema especial nas palestras que escolhe participar: "Gosto de tudo o que diz respeito aos efeitos da globalização e como esses efeitos se fazem presentes na questão ambiental".

Sobre as perguntas sempre muito bem elaboradas que faz nos debates, Oseias diz ser um defeito. "É uma ânsia que eu tenho em problematizar. Eu tenho que me satisfazer por completo na minha angústia e isso acaba irritando os outros", confessa.

Desde que ingressou na UEL, Oseias participou de todos os Simpósios sobre Comunicação e Cultura no 3o Mundo. "Sem dúvida, 1999 foi o ápice com a presença do professor Mílton Santos", opina, "mas nos dois últimos anos, tivemos o debate, a contraposição de idéias e isso é fantástico".

Apaixonado pela vida acadêmica, Oseias sonha alto. Depois da formatura, pensa num mestrado na área de economia do meio ambiente, na Unicamp, ou na área de extensão rural, na Universidade Federal de Santa Maria. Para o doutorado, o futuro sociólogo pensa na Universidade de Coimbra, orientado por nada menos que Boaventura de Sousa Santos.

A seguir, você confere os melhores trechos da entrevista com Oseias.

Das 49 palestras a que assistiu, qual você mais gostou?
Com certeza, a melhor palestra que eu tive foi logo que cheguei na UEL, em 1998, com a professora Marilena Chaui. Logo com quem... Marilena Chaui...

Você já saiu de uma palestra antes de terminar?
Eu lembro de uma. Foi de um geógrafo, no CCB (Centro de Ciências Biológicas). Eu queria muito ver. Cheguei atrasado, tirei um rapazinho da primeira fila e, de repente, comecei a passar mal e tive que me retirar.

O que você entendeu na palestra sobre Física Quântica?
Eu entendi muito pouquinho, pouquinho. Só no final, quando o palestrante mencionou que Einstein, ao tratar de sua relatividade, pressupôs uma teoria da relatividade social. E aí, quando encontro o tema social, vejo o quanto a Física está implicada com a nossa sociedade. Que nada está desconexo, tão longe.

De quantos simpósios e congressos você já participou?
Muitos. Eu participo de tanta coisa... Eu não sou um aluno de sala de aula. As minhas notas em sala não correspondem ao tipo de aluno que eu sou.

As pessoas reconhecem você na rua, vêm conversar porque já o viram em várias palestras?
Reconhecem. Eu sou muito marcado por essa minha radicalidade e por ser CDF. E parece que o ambiente universitário da UEL não está acostumado com o aluno que estuda. Esse aluno que estuda é mal interpretado aqui dentro, parece um ET. Isso porque, aqui, é considerado bom aluno aquele que estuda na hora que é para estudar, de manhã, depois vai para festas. Eu não sou desse tipo. Já tenho 34 anos e vejo minha vida acadêmica de um modo completamente diferente. Eu aproveito 24 horas o ambiente universitário. É uma pena que eu tenho que ir para o centro dormir. Aqui, você me encontra de manhã, à tarde e à noite. Aqui eu almoço, aqui eu janto. Se aqui eu pudesse casar e aqui eu pudesse morrer, aqui seria minha vida. Porque eu amo aquilo que faço. Também me reconhecem de uma forma muito sarrista, pejorativa. Mas ninguém fala na cara. Porque eu não tenho medo de altura, de nada. Eu vim do submundo do crime, de favela, e lutei para chegar aqui. Hoje, era para eu ser bom na arte de roubar. Eu tentei desvirtuar esse lado pernicioso e praticar o bem. Estou aqui e acho que estou no caminho certo.

Alguma sugestão para os próximos Simpósios sobre Comunicação e Cultura?
Voltar ao CCH (Centro de Ciências Humanas). Porque o auditório do CESA (Centro de Estudos Sociais Aplicados) é muito bonito, muito vistoso, mas esse tema, colocado no CCH, daria muito mais quorum e iria despertar vários professores em dispensar seus alunos. Outra sugestão é que o Simpósio passe pela agenda do colegiado de Ciências Sociais. Eu acho que a globalização, em termos de estudo, é de domínio de todas as áreas.

Reportagem: Ana Carolina Araújo
Foto: Meg Yamagute