QUE IMPLICAÇÕES A GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO PODEM TRAZER?
Globalização não é uma referência aceita de forma unânime pelos estudiosos. Há quem diga que o termo, criado pela academia norte-americana, é mais bem aceito por lá, enquanto a academia européia ainda prefere "mundialização". De acordo com cada interpretação do processo, trocadilhos surgiram a partir da própria palavra "globalização". Otávio Ianni, por exemplo, fala em "macdonaldização", ressaltando que o imperialismo cultural é ampliado e facilitado pela existência de uma mídia internacional oligopolizada. Milton Santos, falecido recentemente, dizia "globaritarismo" (globalização + totalitarismo). O músico Tom Zé usa "globarbarização" em uma de suas letras - referindo-se à concepção apocalíptica que enxerga a novíssima ordem mundial como multiplicadora das desigualdades sociais. Veja o que quatro docentes da UEL falam sobre o assunto.

Luzia Herman de Oliveira, professora de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais

O mundo está mudando violentamente, do ponto de vista da cultura e também do capital. Por exemplo, uma ação no Japão pode quebrar uma bolsa no México ou no Brasil, ou seja, o mundo ficou realmente pequeno e isso pode trazer consequências inimagináveis.

Por um lado, existe um processo violento por parte dos grupos econômicos mais desenvolvidos, que atuam com uma força destruidora. Por outro, a resistência tende a crescer. Se no século passado a visão do colonizador era a única disponível, agora é possível ver a do colonizado. As diversas vozes ficam mais evidentes. O conflito se torna mais visível, porque a imagem e as vozes chegam de todos os lugares.

Otávio Ianni diz que o conceito de humanidade existe desde o começo da modernidade mas nunca se realizou, porque na verdade os Estados Nacionais, os guetos, as etnias, dividiam as pessoas. Com a globalização é possível visualizar o que é humanidade. Por mais que as desigualdades sociais tendem a aumentar e estão aumentando, a resistência também aumenta. O resultado não se sabe de antemão.

Um ponto importante nessa discussão é o papel dos Estados Nação. Eles perdem sua soberania? Na concepção da social democracia, não. A subordinação dos Estados Nação ao capital internacional não é novidade, tem mais de 100 anos. Nas próximas décadas, o Estado vai ter que se fortalecer como um estágio de luta política que deve permear essa conflito. A democracia passa por aí.

Ariovaldo de Oliveira Santos, professor do Departamento de Ciências Sociais, com formação em "Trabalho, Globalização e Sindicalismo"

Quando se fala em globalização, aponta-se para uma tendência de articulação das diversas economias e também transformações profundas nas formas de sociabilidade.

As implicações no quadro da cultura são rebaixamento cultural, massificação ainda maior das consciências, e como consequência, uma redução da capacidade de crítica, dado que cada vez mais a globalização encerra os indivíduos nos limites da vida cotidiana.

A sociabilidade capitalista desenvolve formas de mascaramento do social, fazendo os indivíduos perceberem apenas uma "aparência" do cotidiano. Por exemplo, para o aumento da criminalidade apontam como solução imediata a necessidade de implantar a pena de morte. Isso é uma impressão que passa a ser tomada como verdade. Os indivíduos não conseguem ter transparência de que o problema está no modo de produção, que gera exclusão social e miséria. Basta ver que, hoje, existem, no mundo, um bilhão e duzentas mil pessoas vivendo com menos de um dólar por dia.

Kimie Tomasino, antropóloga, professora aposentada do Departamento de Ciências Sociais

A globalização não é democrática. Os países ricos que administram o processo estão ampliando sua dominação e a exclusão social. Alguns autores defendem o sincretismo como forma de resistência para frear o imperialismo cultural. Ou seja, uma estratégia para utilizar e criar elementos da cultura dos povos discriminados e inserí-los na cultura contemporânea. As culturas dominadas podem integrar ou mesclar elementos de uma cultura dita "global", marcada pelo uso da tecnologia, mas adequa-la às suas necessidades e identidades nacionais.

Os antropólogos trabalham com populações e seus respectivos lugares. Com o fenômeno da globalização surge um espaço novo: o "não-lugar", que são os aeroportos, os grandes supermercados, shopping centers, as auto-estradas. São chamados "não-lugares" porque neles não se produz identidade social, uma vez que não há relacionamento humano, substituído pelosrem apenas uma "aparência" do cotidiano. Por exemplo, para o aumento da criminalidade apontam como solução imediata a necessidade de implantar a pena de morte. Isso é uma impressão que passa a ser tomada como verdade. Os indivíduos não conseguem ter transparência de que o problema está no modo de produção, que gera exclusão social e miséria. Basta ver que, hoje, existem, no mundo, um bilhão e duzentas mil pessoas vivendo com menos de um dólar por dia.

Kimie Tomasino, antropóloga, professora aposentada do Departamento de Ciências Sociais

A globalização não é democrática. Os países ricos que administram o processo estão ampliando sua dominação e a exclusão social. Alguns autores defendem o sincretismo como forma de resistência para frear o imperialismo cultural. Ou seja, uma estratégia para utilizar e criar elementos da cultura dos povos discriminados e inserí-los na cultura contemporânea. As culturas dominadas podem integrar ou mesclar elementos de uma cultura dita "global", marcada pelo uso da tecnologia, mas adequa-la às suas necessidades e identidades nacionais.

Os antropólogos trabalham com populações e seus respectivos lugares. Com o fenômeno da globalização surge um espaço novo: o "não-lugar", que são os aeroportos, os grandes supermercados, shopping centers, as auto-estradas. São chamados "não-lugares" porque neles não se produz identidade social, uma vez que não há relacionamento humano, substituído pelos cartões magnéticos, cartões de crédito, passaportes, etc.

Não se cria relações sociais, portanto não se produz História. Os "lugares" continuam existindo - família, amigos - mas as pessoas passam grande parte do tempo nos "não lugares". Por isso, hoje o indivíduo pode estar com muito mais pessoas em volta, ser um cidadão do mundo, mas é muito mais solitário do que antes.

Pedro Roberto Ferreira, professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais

Há, mais ou menos, vinte anos, estudantes universitários norte-americanos utilizaram o termo "globalização" para explicar a expansão em escala internacional das telecomunicações e das desregulamentações no âmbito do sistema financeiro e relações comerciais. No que foram, imediatamente, seguidos por jornalistas econômicos e economistas do establishment capitalista mediatizados em propagadores de um conjunto de medidas tais como: reforma monetária, fiscal e tributária, desregulamentações das leis do trabalho, privatizações de empresas estatais, lei de patentes, reforma do Estado, etc. Medidas que compeliam à fria lógica da ciência econômica pautada na racionalidade burguesa interditar quaisquer discursos a contrapelo, sobretudo, àqueles umbilicamente compromissados com os movimentos sociais.

À globalização (o termo) se inseria uma simetria nas relações - fossem econômicas, sociais, políticas e culturais - que o sistema capitalista jamais comportou, e que condicionaria a ciência política contemporânea a embaralhar os seus principais conceitos, por exemplo: o de Estado Nacional. Falou-se no desaparecimento da soberania nacional à luz do poder de grandes empresas transacionais que teriam superado seu locus de referência, e por consequência, circunscrevendo uma nova realidade social. Algo que parecia ganhar maior impacto sob a constituição de grandes blocos comerciais como o nafta, o asiático e o mercosul, ancorada ainda mais quando da criação de uma legislação para o parlamento europeu enquanto sede da unidade européia. Todavia, a crítica dessa apressada ciência política mal se deu conta de que importantes organismos internacionais que deram e dão "as cartas" no intrincado mecanismo das relações econômicas e financeiras mundiais estão sob o controle e somente existem em razão do consentimento dos Estados Unidos e de algumas outras potências (ver E.Hobsbawm, Intervista sul nuovo secolo - entrevista a Antonio Polito, Roma 1999).

Destarte, a palavra globalização dissimula mais do que esclarece as relações assimétricas que constituem e reconstituem o sistema capitalista em seu movimento, que explicam o processo que se põe das alterações no interior do mundo do trabalho(precarização e desemprego) ao monopólio do saber enquanto domínio tecnológico do grande Capital. Daí ser preferível o conceito de mundialização do Capital, trabalhado pela crítica francesa (ver F.Chesnais "A mundialização do capital", Ed.Xamã, São Paulo,1996), que pede uma análise da expansão contraditória do modo-de- produção capitalista, do aparecimento das grandes corporações empresariais, do desenvolvimento do capitalismo financeiro e suas implicações na atualidade, das classes sociais e suas metamorfoses que reconstituem o processo de trabalho subordinado ao processo de produção capitalista,etc.

Daí, ser importante uma análise que dê conta do caráter ideológico do termo "globalização", e por causa, compreenda as transformações verificadas no sistema capitalista.

Reportagem e fotos: Priscila Gallo