CIDADÃO
APÁTICO, DEMOCRACIA FRÁGIL
Debatedores
apontam mudança no comportamento do brasileiro; construção
da democracia pelo Movimento Estudantil foi destacado
É comum aos políticos
falar ao público. Faz parte de seu ofício.
Não foi diferente na
segunda noite do Simpósio. Na ocasião, o presidente da Câmara
dos Vereadores de Londrina, Tercílio Turini, e a vereadora Elza
Correia, debateram com um público composto maciçamente por
estudantes, alguns professores e poucos funcionários. Os vereadores
falaram sobre Política e Cidadania.
Tercílio Turini iniciou
o debate relembrando os tempos em que era estudante de Medicina, em Londrina,
na década de 70. O vereador ressaltou a importância da participação
dos estudantes no movimento estudantil. Para ele, esse primeiro contato
dentro da universidade é importante na construção
de uma consciência política. O vereador fez um retrospecto
da história do país, desde a República, para demonstrar
que, no decorrer dos anos, o Brasil teve um contato incipiente com a democracia.
A história
O País passou de um
sistema político dominado por oligarquias, que se alternavam no
poder, para um regime ditatorial que durou 25 anos. No meio tempo, o país
enfrentou momentos de instabilidade política e conflitos de grupos
pelo poder, entremeados por governos democráticos. "Hoje,
nós vivemos o momento democrático mais importante da história
desse país. Nunca se ouviu falar tanto em transparência,
ética e cidadania; a população quer saber como agem
os senadores, os deputados, o prefeito e os vereadores" , disse.
A reforma constitucional de 88 e as atribuições conferidas
ao Ministério Público por meio dela, na opinião de
Tercílio, também contribuíram para o momento pelo
qual passa o país .
Em seu segundo mandato na Câmara,
a vereadora Elza Correia também relembrou sua passagem pelo movimento
estudantil na universidade. Elza, porém, está um pouco menos
otimista em relação ao momento político atual. Ela
acredita que, ainda hoje, segmentos políticos e determinados grupos
da sociedade usam mecanismos legais para manter os privilégios
adquiridos. Elza, no entanto, concorda com Tercílio quando ele
diz que a população está mais atuante. De acordo
com a vereadora, as associações de bairro, os conselhos
regionais de saúde e outras entidades civis representativas são
importantes meios de a comunidade interagir com o poder público.
Ela lembra a importância da participação popular no
processo de cassação do mandato do ex-prefeito Antônio
Belinati. Por meio de uma denúncia popular que chegou aos seus
ouvidos, foi pedida a instauração de uma Comissão
Especial de Inquérito na Câmara, que culminou com a cassação
de Belinati. Elza observa que o questionamento da opinião pública
aos atos da classe política tem acarretado uma mudança na
mentalidade de setores políticos. "O vereador é, antes
de tudo, um fiscal do erário público, e o parlamentar que
não praticar esse exercício não vai ter vida pública",
define.
Aberto ao público presente,
o debate caiu nas questões que têm permeado o noticiário
local: o fim do voto secreto, a necessidade ou não de plebiscito
para a privatização da Sercomtel Celular e os escândalos
financeiros envolvendo a administração anterior.
Com um tema tão abrangente
como Política e Cidadania, os vereadores poderiam ter salientado
outras formas de construção da participação
da comunidade, além da atuação no movimento estudantil.
Poderiam ter se estendido ao comentar de que forma atuam os conselhos
de saúde e associações de bairro, o intercâmbio
dessas organizações com o legislativo municipal e o projeto
de lei que pretende instaurar uma ouvidoria permanente na Câmara.
Limitaram-se a conduzir o debate de acordo com o interesse do público
presente. Contudo, foram bastante aplaudidos no final. Opinião
& Debate conversou os vereadores depois do Simpósio. Leia trechos
da entrevista.
"O
Brasil vem lidando com uma forma apodrecida de fazer política, nde
prevalece o poder econômico, o poder político dos coronéis. Ainda
não temos uma democracia participativa. E ela só vai ser construída
quando efetivamente o cidadão tiver noção do que seja isso. Porque
ele ainda não tem" |
Hoje o brasileiro briga
mais pelos seus direitos?
Elza Correia - Hoje ele cobra mais, mas ainda muito pouco. Eu acho
que essa construção ficou muito tempo num casulo. Há
uma mentalidade embutida no brasileiro de que ele elege o Presidente da
Republica e vai resolver todos os problemas. O povo, por não ser
uma massa critica e por não ter oportunidade de participação
na construção da democracia, fica sempre esperando. E isso
serviu a determinado modelo de fazer política. Era preciso ter
um monte de coitadinhos e o coronel pra resolver os problemas. E para
sair disso é uma coisa muito lenta, não é do dia
para a noite. É toda uma revisão de modelos, ainda não
temos uma democracia participativa. E ela só vai ser construída
quando efetivamente o cidadão tiver noção do que
seja isso. Porque ele ainda não tem.
O que levou a população
a cobrar mais o legislativo?
Está havendo uma mudança em nível nacional. Chega
um hora que o povo cansa, o Brasil vem lidando com uma forma apodrecida
de fazer política, onde prevalece o poder econômico, o poder
político dos coronéis. Enfim, isso tudo fez com que chegássemos
a um nível de corrupção, de desmandos, insustentável.
Eu acho que o controle social
oriundo dos movimentos da sociedade civil que foram se organizando deram
visibilidade a essas questões, que não são novas.
Existe a possibilidade de
se construir um cidadão fora do movimento estudantil?
O grande espaço para a construção do cidadão
é exatamente os espaços de educação, como
a universidade e ensino básico . Esse exercício tem que
começar na família, e da família ir para a escola.
O Estado e a família são responsáveis pela formação
do cidadão. Ocorre que esse modelo político, de entreguismo
não está preocupado em investir na educação.
Então, criam-se profissionais absolutamente míopes na questão
política, sem conhecer sua realidade, sem conhecer sua cidade,
seu estado, seu pais. A formação de cidadão passa
por esses vieses todos. Eu acho que a política deve permear todos
esses ensinamentos: você pode ensinar matemática de uma forma
política, discutindo salário mínimo. Mas o interesse
é deslocar da grade curricular tudo o que leva a formação
efetiva do cidadão.
O que faz com que a comunidade
passe a atuar na política?
Tercílio Turini - Eu acho que existe alguns aspectos, um
deles é a própria imprensa. Hoje nós temos um fato
importante: a facilidade de se divulgar informações. Tudo
o que acontece no país em poucos minutos é disseminado por
meio da imprensa. Outro aspecto importante é a própria indignação
da população. Com o passar do tempo a população
foi ficando indignada com as coisas que vinham acontecendo. Essa indignação
leva as pessoas a quererem acompanhar mais de perto aquilo que esta ocorrendo.
Outro aspecto é a organização social. Em Londrina,
além da participação da comunidade nos órgãos
públicos, temos os conselhos regionais. Se você pegar a área
da saúde, por exemplo, há os conselhos municipais regionais
de saúde em que a população tem representação
através das entidades já definidas em lei. Londrina tem
hoje mais de cem associações de moradores e inúmeras
ONG’s com atividades importantes. E essa participação da
sociedade não se limita apenas a fiscalização de
prefeitos e vereadores, ela vai além disso, há uma fiscalização
de quem ocupa cargo público de um modo geral. Tudo isso faz com
que o nível de consciência da população vá
aumentando muito.
A câmara de vereadores
sente essa cobrança por parte da população no dia-a-dia?
A câmara de vereadores sente essa pressão por estar mais
perto da população. A comunidade tem oportunidade de acompanhar
o que esta sendo discutido, pois as sessões da Câmara de
Vereadores são abertas. Qualquer pessoa pode assistir através
do plenário as discussões. Contudo, a população
vem pouco. Ela vem mais quando se trata de assunto polêmico. Nos
dois últimos anos, tivemos exemplos de como a população
pressiona a Câmara de Vereadores. Em todo episódio envolvendo
os escândalos da administração de Antonio Belinati,
desde a comissão processante até a cassação
do ex-prefeito, as galerias, em todas as sessões, estavam lotadas,
não só de munícipes, mas com inúmeras entidades
civis. Eu diria que se não fosse o papel que a sociedade organizada
exerceu naquele momento, dificilmente o quadro teria avançado no
mesmo nível que avançou até a cassação
do prefeito.
O que desperta nas pessoas
esse sentimento de cidadania?
Eu acredito que o sentimento de impunidade que a população
tem diante de alguns fatos recentes. Eu acho que a cidadania não
adianta o indivíduo estar presente em um determinado local em um
determinado momento, ele tem de ser um indivíduo participante.
Tem de se dar oportunidade para que ele participe do meio, para que ele
passe a influenciar esse meio. Só através dessas oportunidades
de uma sociedade democrática que o indivíduo sente a necessidade,
mas não só isso, ele sente a possibilidade de participar.
Acho que essa possibilidade de participação que vai criando
o sentimento de cidadania nas pessoas. E nós temos visto que isto
tem aumentando à medida que a sociedade vai se democratizando em
todos os seus níveis e dá oportunidade das pessoas participarem.
Fotos: O Popular
de Londrina/Arquivo
Reportagem: José Eduardo Costa
|