SUCESSÃO DE EQUÍVOCOS


Fernando Barros

Estava lá no folder do VIII Simpósio Sobre Comunicação e Cultura no Terceiro Mundo: "dia 17 de maio, quinta feira, o escritor Domingos Pellegrini faz uma palestra sobre Tendências da Literatura na Sociedade Global" (leia o perfi do escritor). O tema é interessante, pois pressupõe a discussão da globalização sob um ponto-de-vista específico, já que, na maioria das vezes, ela é discutida em um contexto muito geral, que leva sempre às mesmas conclusões. Esse acerto na escolha do tema, no entanto, não foi bem aproveitado.

Talvez tenha sido erro da organização, ou descuido do palestrante, mas o fato é que o conteúdo da palestra decepcionou. Perdeu-se uma boa oportunidade de mudar um pouco o enfoque comumente dado à globalização, e de discutir seus efeitos sobre a arte. A palestra foi superficial, cheia de lugares-comuns. Seria uma apresentação adequada a alunos do ensino médio, mas para universitários, supõe-se que a abordagem deva ser um pouco mais profunda.

Domingos Pellegrini foge do tema antes mesmo de começar a palestra, fazendo uma dedicatória antes de sua fala. "Gostaria de dedicar essa palestra ao Raul Seixas, o único artista que fez uma canção contra o serviço militar obrigatório". Após um pequeno discurso contra o exército, Pellegrini agradece a mais duas pessoas "Lobão, por ter enfrentado as grandes gravadoras" e "Ademar Pereira da Silva, por ter ganhado uma medalha de ouro olímpica."

Pellegrini então começa o seu discurso, e logo de início, já se esquece que está ali para falar de literatura. Refere-se à política. Segundo ele, a globalização nunca dará certo enquanto existirem grandes diferenças no sistema político dos países. "Se o Brasil quer aplicar modelos iguais aos dos grandes países liberais, nosso parlamento precisa funcionar como o deles". Crítica pertinente... mas e a literatura, Domingos?

A palestra parece ter sido preparada por um professor de cursinho. Juntam-se alguns lugares-comuns a respeito do tema em debate com uma pitada de gracinhas para entreter, e o palestrante tem o público em suas mãos. Pellegrini talvez tenha se esquecido que falaria para pessoas que não se contentam mais com feijão e arroz intelectual. Ele cita exemplos totalmente desnecessários e até fúteis, como: "Vejam só o Compadre Washington, do [conjunto musical] É o Tchan!. Ele não canta, não dança, só dá uns passinhos e uns gritinhos e ganha mais que todo mundo no grupo, só porque ele é o dono".

Em alguns momentos, Pellegrini esquece um pouco da política e dos lugares-comuns, e seu discurso tange a Arte. "Os verdadeiros artistas sempre tenderão para linguagens e visões do mundo não usuais, não padronizadas, não estandartizadas, não seriadas. Os instintos, os mitos, os valores são globais." Mas esses momentos são breves. Para retornar à tônica normal da palestra, mais clichê: "Nós nascemos para nos integrar. Seria um desperdício ter tantas raças e tantas culturas no planeta e todas ficarem isoladas."

Para completar o cenário, um pouco de utopia e obviedade: "Que venha a globalização, se for para desconcentrar a renda e conseguir controlar a corrupção; se for para agilizar a justiça; se for para termos o que de melhor que aqui não há, e para importar o que de melhor tivermos para quem não tem, a preços que sejam acessíveis para ambos ."

No final, Domingos Pellegrini faz uma declaração que indica o porquê da palestra não ter sido muito proveitosa: "Na minha literatura, com globalização ou com 400 bombas atômicas explodindo pelo mundo, a tendência é pelos valores em "ADE" (honestidade, liberdade, fraternidade) e a beleza. É perseguir o belo e seguir o coração, fazer o bem ao leitor, ou seja, não escrever para ele o que, para mim, faria mal." Conclusão: alguém que se pensa tão imune assim à globalização dificilmente teria algo de interessante a dizer sobre ela.

Leia o Perfil de Domingos Pellegrini