CULTURA DE AÇÃO X CULTURA INERTE

"Liberdade para todos, quer dizer, cultura para todos, é utopia, no Brasil. Mas esse reconhecimento não deve assustar, impedir a ação: utopia e cultura são verso e reverso de uma mesma entidade. Apostar num é construir o outro."
"O Brasil já tem um estoque de cultura inerte, falta agora fazê-lo circular e transformá-lo em ação."
Teixeira Coelho, "Usos da cultura", 1986


Karina Imoto

A importância de uma política cultural fica bem clara quando se fala em transformar a cultura inerte do Brasil em ação cultural. Em seu livro "Usos da Cultura", Teixeira Coelho defende a possibilidade de transformar uma realidade por meio dos investimentos em cultura. No Brasil dos anos oitenta (época da publicação do livro) isto é novidade, pois a questão cultural até então começava a tomar um novo fôlego após ter sido abafada pelo regime militar. No entanto, passados mais de dez anos da publicação da obra, ainda se nota que a questão cultural é dificilmente considerada prioridade nas administrações públicas do país.

Teixeira Coelho defende a necessidade da mudança na concepção de política cultural até então vigente. Ou seja, é preciso superar a idéia de que se deve dar apoio às produções culturais enquanto bens trocáveis por dinheiro. Uma minoria produz para a maioria consumir. Isso gera uma cultura estática, pois não contribui para a transformação da realidade, o que deveria ser a verdadeira função da cultura. O autor chega a afirmar que a possibilidade de cultura, enquanto ação social, é muitas vezes tolhida pelas elites que temem que o povo passe a agir por si só.

Casas de Cultura

A criação de casas de cultura é apontada como uma das alternativas para se efetivar uma política de ação cultural, o que ele define como "fornecer às pessoas o máximo de meios para produzirem os seus fins". Segundo o autor, a criação dessas instituições facilitaria o amparo à cultura por leis e orçamentos oficiais, além de dificultar o desmantelamento dos projetos culturais, uma vez que se trata de uma instituição.

No decorrer do livro, Teixeira Coelho cita as experiências das políticas culturais de países como Cuba, Inglaterra, França e México, que utilizaram essa idéia de casas de cultura.

México e Cuba parecem ter as realidades que mais se aproximam da brasileira. As casas de cultura nesses países são tidas como um meio viabilizador da produção cultural local. Com destaque para as oficinas livres, no México, e o movimento dos amadores, em Cuba, ambos os países possibilitam a ampliação da prática das artes entre a população.

Os outros dois países citados , França e Inglaterra, se apresentam como realidades muito distantes da brasileira, ficando claro o caráter puramente ilustrativo que ocupam no livro. Neles, não há políticas culturais claras, já que a questão cultural não é vista como algo deficiente. Teixeira Coelho afirma na abertura de um dos capítulos do livro : " as políticas culturais e as práticas culturais delas decorrentes assumem, nos países subdesenvolvidos, o caráter de órgãos vicariantes : existem para suprir a insuficiência funcional ou a inexistência funcional de outros órgãos".

Portanto, a questão cultural, tanto na Inglaterra como na França, se restringe à cultura como arte. Na França, considerada pólo das artes, as casas de cultura (maisons des arts e de la culture) assumem caráter de grandes casas de espetáculos. O que o autor observou, é que a política cultural alí não visa a produção cultural local. Muito pelo contrário. A cultura é vista como uma atividade econômica que deve se auto sustentar. O mesmo acontece com as " art centers "da Inglaterra, onde tudo é pago, desde os espetáculos às oficinas. Estes locais funcionam mais como centros de convivência e consumo de bens culturais que espaços de estímulos à produção.

Um modelo para o Brasil

Apesar de ter descrito realidades muito diferentes, o que o autor pretendeu, a partir das experiências observadas, foi indicar bases para um modelo de política cultural para as cidades brasileiras. Apesar de ter sido escrito há mais de dez anos, as referências àquelas experiências continuam nitidamente válidas para a realidade brasileira, à medida que as realizações voltadas à questão cultural sempre enfrentaram entraves.

Em um dos capítulos finais, o autor conclui dizendo que a política cultural das administrações deve se basear em uma ação cultural , para que os sujeitos se tranformem em verdadeiros atores das transformações.

Teixeira Coelho ainda afirma que é preciso quebrar o vínculo entre a imagem de cultura e a cultura de massa, muito sustentada ultimamente. Segundo ele, a " cultura de massa desvirtua o real sentido da cultura. A cultura embalada como lazer é uma forma de escapismo", conclui.

Em relação às casas da cultura, o autor reitera que estas devem ser movidas pela sociedade para que, então, haja a possibilidade de uma "cultura ação", ou seja, imersão das coisas da vida no específico processo cultural.

José Teixeira Coelho Neto é professor e diretor do Museu de Artes Contemporâneas da Universidade de São Paulo (USP). Em 1992,foi um dos palestrantes do Simpósio sobre comunicação e cultura. Debateu o tema "Comunicação e Indústria Cultural no Brasil"