Matemática Essencial

Ensino Fundamental, Médio e Superior no Brasil

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Integrais de Funções complexas
Sônia Ferreira Lopes Toffoli

Material desta página

1 Integral de linha complexa

Seja \(D\) um domínio complexo e a função \(f:D \to K\) contínua. Sejam \(P\) e \(Q\) pontos do domínio \(D\) e uma curva \(K\) contida inteiramente em \(D\) com extremidades em \(P\) e \(Q\). Decompomos a curva \(K\) em \(n\) partes por meio de pontos \(z_1\), \(z_2,\cdots\), \(z_{n-1}\) da curva que não são as extremidades de \(K\), sendo estes pontos escolhidos de modo arbitrário, tal que

\[P=z_0 \prec z_1 \prec z_2 \prec \cdots \prec z_{n-1} \prec z_n=Q\]

onde a relação \(z_i \prec z_j\) significa um tipo de ordem dos números complexos \(z_k\), indicando que \(z_i\) está posto antes de \(z_j\) na curva sob consideração.

Formamos a soma

\[S_n = \sum_{k=1}^n f(c_k)(z_k-z_{k-1}) = \sum_{k=1}^n f(c_k)\Delta z_k\]

onde \(c_k\) são números complexos que pertencem aos segmentos de reta \([z_{k-1},z_k]\), com \(k=1,\cdots,n\) e \(\Delta z_k=z_k-z_{k-1}\).

Façamos o número de subdivisões crescer de tal modo que o comprimento da maior corda indicado por \(|\Delta z_k|\) tenda a zero. Assim, se a soma \(S_n\) tende a um limite finito, que denotamos simbolicamente por:

\[\int_P^Q f(z)dz = \int_K f(z)dz\]

Este limite é denominado integral de linha complexa de \(f=f(z)\) ao longo da curva \(K\). Nesse caso, \(f=f(z)\) é dita integrável ao longo de \(K\).

Se \(f\) é analítica em todos os pontos de um domínio complexo \(D\) e \(K\) é uma curva contida em \(D\), então \(f\) é integrável ao longo da linha \(K\).

Se \(z=z(t)\) com \(a\leq t\leq b\) é uma parametrização da curva \(K\), e a restrição de \(f\) ao arco \(K\) é uma função contínua \(g:[a,b]\to K\) definida por \(g(t)=f(z(t))\) então, a integral de \(g\) no intervalo \([a,b]\) pode ser escrita na forma

\[\int_a^b g(t)dt = \int_a^b f(z(t))dz(t) = \int_ a^b f(z(t)) z'(t)dt\]

As duas últimas integrais indicam o método da substituição para o cálculo de integrais de linha complexas.

Exemplo: Calcularemos a integral \(I = \int_0^{1+i} z dz\) ao longo da parábola \(K\) parametrizada por \(z(t)=t+it^2\) onde \(t\in [0,1]\).

\[\int_0^{1+i} z dz = \int_0^1 z(t) z'(t)dt = \int_0^1 (1+it^2)(1+2it)dt = i\]

Exemplo: Calculamos \(M = \int_K z^* dz\) de \(z=0\) a \(z=4+2i\) ao longo da curva \(K\) definida pela parábola \(z=t^2+it\).

As parametrizações da parábola são dadas por \(x=t^2\) e \(y=t\) para \(t\in [0,2]\).

A integral de linha é:

\begin{align} \int_K z^*dz & = \int_0^2 z^*(t) z'(t)dt \\ & = \int_0^2 (t^2-it)(2t+i)dt \\ & =\int_0^2 (2t^3-it^2+t)dt \\ & = 10-\frac83 i \end{align}

Se \(f(z(t))=u(t)+i.v(t)\) é uma função contínua da variável \(t\in [a,b]\), a integral de linha complexa pode ser expressa em termos de integrais de linha das partes real e imaginária da função \(f=f(z(t))\), onde \(u(t)=\text{Re}[f(z(t))]\) e \(v(t)=\text{Im}[f(z(t))]\). Desse modo

\begin{align} \int_K f(z) dz & = \int_K (u+iv)(dx+idy) \\ & = \int_K (udx-vdy) + i \int_K (vdx+udy) \end{align}

Exemplo: Calculamos \(J=\int_K \frac{dz}{z}\) onde \(K\) é a circunferência centrada na origem, tendo raio \(r\). A parametrização da circunferência é \(z(t)=r[\cos(t)+i\text{sen}(t)]\) onde \(0\leq t\leq 2\pi\). Assim:

\begin{align} \int_K \frac{dz}{z} & = \int_0^{2\pi} \frac{r(-\text{sen}(t)+i\cos(t)}{r(\cos(t)+i\text{sen}(t)}dt \\ & = \int_0^{2\pi} i dt =2\pi i \end{align}

Outro modo de calcular esta integral é escrever a equação da circunferência na forma exponencial, isto é, \(z(t)=r e^{it}\). Assim \(dz(t)=ir e^{it} dt\) com \(0\leq t\leq 2\pi\) e a integral é calculada como:

\[\int_K \frac{dz}{z} = \int_0^{2\pi} \frac{ir e^{it}}{r e^{it}} dt = 2\pi i\]

2 Propriedades das integrais complexas

  1. Aditividade: Se \(f=f(z)\) e \(g=g(z)\) são funções contínuas e \(K\) é uma curva simples, então
    \[\int_K [f(z)+g(z)]dz = \int_K f(z) dz + \int_K g(z) dz\]
  2. Múltiplo escalar: Se \(f=f(z)\) é uma função contínua, \(K\) uma curva simples e \(\mu\) é um escalar complexo, então
    \[\int_K \mu f(z) dz = \mu \int_K f(z) dz\]
  3. Simetria: Se \(K\) é uma curva simples parametrizada por \(z=z(t)\) com \(a\leq t\leq b\) então a curva \(-K\) é parametrizada por \(z=z(-t)\) com \(-b\leq t\leq -a\) e além disso
    \[\int_{-K} f(z) = - \int_K f(z) dz\]
  4. Decomposição da curva em 2 partes: Se a curva \(K\) pode ser decomposta como a reunião de duas curvas justapostas \(K_1\) e \(K_2\), dizemos que \(K\) é uma justaposição de curvas e escrevemos \(K=K_1+K_2\). Assim, a integral sobre \(K\) é a soma das integrais sobre \(K_1\) e \(K_2\), isto é,
    \[\int_{K_1+K_2}f(z)dz=\int_{K_1}f(z)dz +\int_{K_2}f(z)dz\]
  5. Decomposição da curva em \(n\) partes: Se a curva \(K\) pode ser decomposta como a reunião de \(n\) curvas justapostas \(K_1\), \(K_2,\cdots\), \(K_n\), dizemos que \(K\) é uma justaposição de \(n\) curvas e escrevemos \(K=K_1+K_2+\cdots+K_n\). Assim, a integral sobre \(K\) é a soma das integrais sobre \(K_1\), \(K_2,\cdots\), \(K_n\):
    \[\int_{K_1+\cdots+K_n}f(z)dz=\int_{K_1}f(z)dz +\cdots+ \int_{K_n}f(z)dz\]
  6. Estimativa modular: Se \(f=f(z)\) é uma função contínua e \(K\) é uma curva simples, então o módulo da integral é dominado pela integral do módulo da função:
    \[\left|\int_K f(z)dz \right| \leq \int_K |f(z) dz|\leq\int_K |f(z)|\;|dz|\]
    Demonstração: Se a curva \(K\) é parametrizada por \(z=z(t)\), com \(a\leq t\leq b\) e:
    \[\int_K f(z) dz = \lim_{|P|\to 0} \sum_{k=1}^n f(c_k) \Delta z_k\]
    onde \(c_k\) são números complexos que estão nos segmentos de reta \([z_{k-1},z_k]\), com \(k=1,\cdots,n\), \(\Delta z_k=z_k-z_{k-1}\) e \(|P|\) é a medida da maior corda \(|\Delta z_k|\).
    Pela desigualdade triangular
    \begin{align} \left|\sum_{k=1}^n f(c_k) \Delta z_k \right| & \leq \sum_{k=1}^n |f(c_k) \Delta z_k | \\ & \leq \sum_{k=1}^n |f(c_k)| |\Delta z_k | \end{align}
    Tomando os limites quando \(|P|\to 0\) em ambos os membros desta equação, obtemos:
    \[\left|\int_K f(z)dz\right| \leq \int_K |f(z)dz| \leq \int_K |f(z)|\;|dz|\]

Exemplo: Para exemplificar a propriedade (4) sobre a decomposição de curvas, calculamos \(N=\int_K z^* dz\) de \(z=0\) a \(z=4+2i\) ao longo da curva \(K\) obtida pela justaposição do segmento de reta ligando \(z=0\) e \(z=2i\), e, do segmento de reta ligando \(z=2i\) e \(z=4+2i\).

Decompomos a curva \(K\) em duas partes, \(K_1\) e \(K_2\), tal que

\begin{align} K_1 & = \{x(t)=0,y(t)=t,\quad t\in (0,2)\} \\ K_2 & = \{x(t)=t,y(t)=2,\quad t\in (0,4)\} \end{align}

A integral é dada por:

\[\int_K z^*dz = \int_{K_1} (x-iy)(dx+idy) + \int_{K_2} (x-iy)(dx+idy)\]

que também pode ser escrita como:

\[\int_K z^*dz = \int_0^2 (-it)(i)dt + \int_0^4 (t-2i)dt =8-8i\]

Exercicios propostos: Calcular a integral complexa da função:

  1. \(f(z)=\text{Re}(z)\) sobre o segmento de reta ligando \(z=0\) a \(z=2+i\).
  2. \(f(z)=\text{Re}(z)\) sobre a semicircunferência \(|z|=1\), \((0 \leq \arg(z)\leq \pi)\) se o caminho inicia em \(z=1\).
  3. \(f(z)=\text{Re}(z)\) sobre a circunferência \(|z-a|=R\).
  4. \(f(z)=\text{Im}(z)\) sobre o segmento de reta \(K\) ligando \(z=0\) a \(z=2+i\).
  5. \(f(z)=\text{Im}(z)\) sobre a semicircunferência \(|z|=1\), \(0 \leq \arg(z) \leq \pi\) se o caminho inicia em \(z=1\).
  6. \(f(z)=\text{Im}(z)\) sobre a circunferência \(|z-a|=R\).
  7. \(f(z)=|z|\) sobre o segmento de reta que liga a origem ao ponto \(z=2-i\).
  8. \(f(z)=|z|\) sobre a semicircunferência \(|z|=1\), \(0 \leq \arg(z) \leq \pi\), se o caminho inicia em \(z=1\).
  9. \(f(z)=|z|\) sobre a semicircunferência \(|z|=1\), \(-\pi/2 \leq\arg(z)\leq\pi/2\) se o caminho inicia em \(z=-i\).
  10. \(f(z)=|z|\) sobre a semicircunferência superior \(|z|=R\).
  11. \(f(z)=|z|z^*\) sobre o contorno fechado composto pela semicircunferência superior \(|z|=1\) e pelo segmento de reta \(-1\leq x\leq 1, y=0\).