Matemática Essencial

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Derivadas de Funções complexas
Sônia Ferreira Lopes Toffoli

Material desta página

1 A derivada de uma função complexa em um ponto

Seja \(f:D\to C\) uma função complexa onde \(D\) é um domínio complexo. A derivada da função \(f\) no ponto \(p\) é definida por

\[\lim_{z\to p} \frac{f(z)-f(p)}{z-p}\]

Se este limite existe, denotamos a derivada da função \(f\) por \(f'\) e escrevemos:

\[f'(p) = \lim_{z\to p} \frac{f(z)-f(p)}{z-p}\]

Tomando \(h=z-p\), a última expressão pode ser reescrita na forma:

\[f'(p) = \lim_{h\to 0} \frac{f(p+h)-f(p)}{h}\]

Exemplos:

  1. Seja \(f:C \to C\) definida por \(f(z)=z^2\). A derivada de \(f\) no ponto \(p\in C\) é dada por
    \begin{align} f'(p) &= \lim_{z\to p} \frac{z^2-p^2}{z-p} \\ &= \lim_{z\to p} \frac{(z-p)(z+p)}{z-p} \\ &= \lim_{z\to p} (z+p) = 2p \end{align}
  2. Seja \(f:C \to C\) definida por \(f(z)=\text{Re}(z)\). Tomando \(z=x+iy\), \(f(z)=x\) e \(p=a+ib\), podemos escrever
    \[f'(p)= \lim_{h\to 0} \frac{f(p+h)-f(p)}{h}\]
    Para que uma função possua derivada em um ponto \(p\), o limite não pode depender do modo como \(h\to 0\). Tomando \(h \to 0\) por valores reais \(h=k\), obtemos:
    \[f'(p) = \lim_{k\to 0}\frac{(a+k)-a}{k}= 1\]
    Tomando \(h\to 0\) por valores imaginários \(h=it\), obtemos:
    \[f'(p) = \lim_{t\to 0} \frac{a-a}{it} = 0\]
    Como os limites são distintos, concluímos que \(f(z)=\text{Re}(z)\) não possui derivada no conjunto dos números complexos.

2 Função analítica em um domínio complexo

Seja \(D\) um domínio complexo, isto é, um conjunto aberto e conexo e \(f:D\to C\). A função \(f\) é analítica em \(D\) se \(f\) possui derivada em todos os pontos \(p\in D\). \(f\) é analítica em um ponto \(p\), quando \(f\) é analítica em uma vizinhança aberta de \(p\). Na literatura, é comum encontrarmos as palavras holomorfa e regular como sinônimos de analítica.

Uma função \(f:C \to C\) é uma função inteira se ela é derivável em todo ponto \(z\in C\), isto é, se \(f\) for analítica em todo o plano complexo.

3 Função analítica real versus função analítica complexa

Uma função real \(f=f(x)\) pode ter a primeira derivada contínua e mas não possuir a segunda derivada. No sistema complexo, esta situação não ocorre, pois se \(f=f(z)\) tem a primeira derivada, também tem todas as outras derivadas.

Sobre a analiticidade, existe uma função real \(f=f(x)\) que não é analítica mas cuja equivalente complexa \(f=f(z)\) é analítica.

Exemplo: A função real definida por \(f(0)=0\) e \(f(x)= e^{-1/x}\) se \(x \neq 0\) não é analítica, mas a função complexa definida da mesmas forma por \(f(0)=0\) e \(f(z)=e^{-1/z}\) se \(z\neq 0\) é analítica em todo o plano complexo.

4 Derivada em um ponto isolado

Uma função que possui derivada em um ponto isolado de seu domínio não pode ser analítica, pois, a definição acima exige que a função deve ter derivada em todos os pontos de um conjunto aberto contendo o tal ponto. O exemplo seguinte trata de uma função que possui derivada em um ponto \(p\) de seu domínio sem ser analítica neste ponto \(p\).

Exemplo: A função \(f(z)=|z|^2\) é derivável em \(z=0\), pois

\[f'(0)=\lim_{z\to 0}\frac{|z|^2}{z}=\lim_{z\to 0}\frac{z z^*}{z}=\lim_{z\to 0}z^*=0\]

Consideremos \(p\in C\) sendo \(p=a+ib \neq 0\), segue que

\begin{align} f'(p) &= \lim_{z\to p} \frac{|z|^2-|p|^2}{z-p} \\ &= \lim_{z\to p} \frac{(x^2-a^2)+(y^2-b^2)}{(x-a)+i(y-b)} \end{align}

Este limite não existe, pois quando \(z\to p\) por caminhos diferentes, os resultados dos limites são distintos, assim f possui derivada em \(p=0\) mas não é derivável em qualquer outro ponto distinto \(z=0\). Concluímos então que \(f\) não é analítica em \(z=0\).

Teorema: Se uma função \(f\) é analítica em seu domínio complexo \(D\), então ela é contínua neste mesmo domínio \(D\).

5 Propriedades das funções analíticas

Se \(f\) e \(g\) são funções analíticas sobre um domínio \(D\) e \(k\) é um número complexo, então \(f+g\), \(kf\), \(f\cdot g\) e \(f/g\) sendo \(g\neq 0\), são analíticas sobre \(D\), valendo as seguintes regras de derivação:

  1. \((f+g)' = f'+g'\)
  2. \((kf)' =kf'\)
  3. \((f\cdot g)' = f'.g+f.g'\)
  4. \((f/g)' = (g\cdot f'-g' \cdot f)/g^2\) se \(g\neq 0\)

Regra da cadeia (Derivada da composta): Seja \(h=gof\) definida por \(h=g(f(z))\) a função composta de \(f\) com \(g\). Se \(f\) é derivável em \(p\) e \(g\) é derivável em \(w=f(p)\) então \(h=g\circ f\) é derivável em \(p\) e além disso:

\[h'(p)=g'(f(p)) f'(p)\]

6 Regras de derivação de algumas funções complexas

As regras de derivação para algumas funções analíticas podem ser demonstradas de forma similar àquelas do caso real. As funções usuais do Cálculo de funções reais são analíticas reais e quando estendidas de modo conveniente ao plano complexo, possuem derivadas semelhantes.

  1. \(D_z[c] = 0\)
  2. \(D_z[z^n] = n z^{n-1}\)
  3. \(D_z[e^z] = e^z\)
  4. \(D_z[a^z] = \ln(a)\;a^z\)
  5. \(D_z[\text{sen}(z)] = \cos(z)\)
  6. \(D_z[\cos(z)] = -\text{sen}(z)\)
  7. \(D_z[\text{tan}(z)] = \sec^2(z)\)
  8. \(D_z[\cot(z)] = -\csc^2(z)\)
  9. \(D_z[\sec(z)] = \sec(z)\text{tan}(z)\)
  10. \(D_z[\csc(z)] = -\csc(z)\cot(z)\)
  11. \(D_z[\ln(z)] = 1/z\)
  12. \(D_z[\arctan(z)] = 1/(1+z^2)\)
  13. \(D_z[\arcsin(z)] = 1/\sqrt{1-z^2}\)
  14. \(D_z[\arccos(z)] = -1/\sqrt{1-z^2}\)
  15. \(D_z[\sinh(z)] = \cosh(z)\)
  16. \(D_z[\cosh(z)] = \sinh(z)\)
  17. \(D_z[\text{tanh}(z)] = \text{sech}^2(z)\)
  18. \(D_z[\coth(z)] = -\text{csch}^2(z)\)

7 Equações de Cauchy-Riemann

O problema de saber se uma função complexa f é derivável em um ponto \(p=a+ib\) é simplificada pelo fato de sabermos se as partes real e imaginária de \(f\) são parcialmente deriváveis em \((a,b)\). Seja \(f:D \to C\), sendo \(D\) um domínio em \(C\).

Seja \(f\) escrita na forma \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\) onde \(u\) e \(v\) são funções reais. As Equações de Cauchy-Riemann são dadas por:

\[\frac{\partial{u}}{\partial{x}}=\frac{\partial{v}}{\partial{y}}, \quad \frac{\partial{u}}{\partial{y}}=-\frac{\partial{v}}{\partial{x}}\]

Teorema: (Equações de Cauchy-Riemann são necessárias para a analiticidade) Se \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\) é uma função analítica em um ponto \(p=(a,b)\) então, valem as Equações de Cauchy-Riemann, isto é:

\[\frac{\partial{u}}{\partial{x}}=\frac{\partial{v}}{\partial{y}}, \quad \frac{\partial{u}}{\partial{y}}=-\frac{\partial{v}}{\partial{x}}\]

Demonstração: Se \(f\) tem derivada em \(p\), podemos escrever

\[f'(p)= \lim_{h\to 0} \frac{f(p+h)-f(p)}{h}\]

Este limite existe independente do modo como \(h\) tende a zero.

Tomando \(h\to 0\) por valores reais \(h=k\), obtemos:

\begin{align} f'(p) = f'(a,b) &= \lim_{k\to 0}\frac{u(a+k,b)-u(a,b)+i[v(a+k,b)-v(a,b)]}{k} \\ &= \lim_{k\to 0}\frac{u(a+k,b)-u(a,b)}{k} +i \frac{v(a+k,b)-v(a,b)}{k} \end{align}

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\[f'(p) = \frac{\partial u}{\partial x} + i \frac{\partial v}{\partial x}\]

Tomando agora \(h \to 0\) por valores imaginários \(h=it\), obtemos:

\begin{align} f'(a,b) &= \lim_{t\to 0} \frac{u(a,b+t)-u(a,b) + i [v(a,b+t)-v(a,b)]}{it} \\ &= \lim_{t\to 0} \frac{u(a,b+t)-u(a,b)}{t} -i \frac{v(a,b+t)-v(a,b)}{t} \end{align}

Desse modo

\[f'(p)=\frac{\partial v}{\partial y}-i\frac{\partial u}{\partial y}\]

assim:

\[\frac{\partial u}{\partial x} +i\frac{\partial v}{\partial x} =\frac{\partial v}{\partial y} -i\frac{\partial u}{\partial y}\]

Igualando as partes reais e as partes imaginárias, obtemos as equações de Cauchy-Riemann:

\[\frac{\partial{u}}{\partial{x}}=\frac{\partial{v}}{\partial{y}}, \quad \frac{\partial{u}}{\partial{y}}=-\frac{\partial{v}}{\partial{x}}\]

Nota importante: As equações de Cauchy-Riemann não são suficientes para a analiticidade, pois existem funções \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\) que satisfazem às equações de Cauchy-Riemann em um dado ponto \(p\), mas que não possuem derivada neste ponto.

Exemplo: Seja \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\), onde \(x\) e \(y\) são variáveis reais e definamos \(u(0,0)=0\), \(v(0,0)=0\) e

\begin{align} u(x,y) &= \frac{x^3-y^3}{x^2+y^2} \\ v(x,y) &= \frac{x^3+y^3}{x^2+y^2} \end{align}

As equações de Cauchy-Riemann são satisfeitas em \((0,0)\) pois

\begin{align} u_x(0,0) &= \lim_{h\to 0}\frac{u(h,0)-u(0,0)}{h}=\lim_{h\to 0} \frac{h^3/h^2}{h}= 1\\ u_y(0,0) &= \lim_{h\to 0}\frac{u(0,h)-u(0,0)}{h}=\lim_{h\to 0}-\frac{h^3/h}{h} = -1\\ v_x(0,0) &= \lim_{h\to 0}\frac{v(h,0)-v(0,0)}{h}=\lim_{h\to 0} \frac{h^3/h^2}{h}= 1\\ v_y(0,0) &= \lim_{h\to 0}\frac{v(0,h)-v(0,0)}{h}=\lim_{h\to 0} \frac{h^3/h^2}{h}= 1\\ \end{align}

Acontece que \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\) não tem derivada em \((0,0)\), pois

\begin{align} f'(0) &= \lim_{z\to 0}\frac{f(z)-f(0)}{z-0} \\ &= \lim_{z\to 0}\frac{u(x,y)+iv(x,y)}{x+iy} \\ &= \lim_{z\to 0}\frac{x^2+xy+y^2}{(x+y)(x+iy)} \\ &+ i\frac{x^3+y^3}{(x^2+y^2)(x+iy)} \end{align}

Tomando \(z \to 0\) através da reta real \(x=0\), obtemos

\[f'(0) = \lim_{y\to 0}\frac{y+iy}{iy}= 1-i\]

Tomando \(z \to 0\) através da reta \(y=0\), obtemos

\[f'(0) = \lim_{x\to 0}\frac{x+ix}x = 1+i\]

Isto mostra que \(f\) não possui derivada em \(z=0+i0=(0,0)\).

Concluímos que as equações de Cauchy-Riemann não são suficientes para garantir que \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\) possui derivada.

Nota especial: Se, além de satisfazer às equações de Cauchy-Riemann, acrescentarmos o fato que as derivadas de primeira ordem de \(u=u(x,y)\) e \(v=v(x,y)\) são contínuas em uma região \(D\), obtemos as condições para garantir que \(f\) possui derivada nesta região.

Teorema: (Condição necessária e suficiente para a analiticidade)

Seja \(f(z)=u(x,y)+iv(x,y)\), onde \(u=u(x,y)\) e \(v=v(x,y)\) são funções reais. \(f\) é analítica em um ponto \(p=a+ib\) se, e somente se, \(u=u(x,y)\) e \(v=v(x,y)\) possuem derivadas de primeira ordem contínuas em \((a,b)\) e além disso, valem as equações de Cauchy-Riemann.

Exemplos: Analisaremos alguns exemplos já tratados anteriormente.

  1. Se \(f(z)=z^2\) então \(u=x^2-y^2\), \(v=2xy\), \(u_x=2x\), \(u_y=-2y\), \(v_x=2y\), \(v_y=2x\). Como \(u_x=v_y\) e \(u_y=-v_x\) e as derivadas de primeira ordem são contínuas em todos os pontos de \(R^2\) esta função é analítica em todo o plano complexo, isto é, \(f\) ela é inteira.
  2. Se \(f(z)=\text{Re}(z)\) então \(u=x\), \(v=0\), \(u_x=1\), \(u_y=0\), \(v_x=0\), \(v_y=1\). Assim as equações de Cauchy-Riemann não são satisfeitas em qualquer ponto de \(R^2\).
  3. Seja \(f(z)=|z|^2\). Assim, \(u=x^2+y^2\), \(v=0\), \(u_x=2x\), \(u_y=2y\), \(v_x=0\), \(v_y=0\). As equações de Cauchy-Riemann somente são satisfeitas na origem e a função só possui derivada em \((0,0)\) não sendo analítica em \(z=0\), pois as derivadas parciais de primeira ordem não são contínuas em \((0,0)\).