Matemática Essencial

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Funções de uma variável complexa
Sônia Ferreira Lopes Toffoli

Material desta página

1 O conceito de função complexa

Seja um subconjunto \(D\) do plano complexo \(C\). Uma função complexa é uma correspondência que associa a cada elemento \(z\in D\) um único número \(w=f(z)\in C\).

As notações mais comuns para representar uma função complexa são:

\[f:D \to C,\quad f:z\in D \to f(z)\in C, \quad w=f(z)\]

O domínio de \(f\), denotado por \(\text{Dom}(f)\), é o subconjunto \(D\) dos números complexos onde a função está bem definida.

A imagem de \(f\), denotada por \(\text{Im}(f)\), é o subconjunto dos números complexos \(f(D)=\{f(z):z\in D\}\).

Dada uma função \(w=f(z)\), com \(z=x+iy\) e \(w=u+iv\), podemos ter a seguinte interpretação geométrica da aplicação \(f:D \to C\):

É usual considerar a regra de definição da função \(w=f(z)\) sem especificar o seu domínio, e nestes casos fica subtendido que o domínio da função é o mais amplo subconjunto dos números complexos no qual a aplicação \(w=f(z)\) faz sentido.

Exemplos: Alguns exemplos sobre o domínio de funções complexas

  1. \(f(z)=z^2=(x+iy)^2\). Como no caso real, funções polinomiais estão definidas para todos os valores reais, e sendo assim, o domínio desta função é todo o plano complexo.
  2. \(f(z)=1/z\). Como não podemos ter divisão por zero, o domínio desta função é todo o plano complexo exceto o número \(z=0\). Como \(z=x+iy\), o domínio é todo o plano complexo exceto os eixos coordenados.
  3. \(f(z)=(z-3i)/(z+8)\). Neste exemplo o domínio é todo o plano complexo exceto o número \(z=-8\).

Notas:

  1. Em uma aplicação \(w=f(z)\), se as variáveis \(z\) e \(w\) são complexas, \(f\) é dita função complexa de uma variável complexa.
    A função \(f(z)=z^2=(x+iy)^2=(x^2-y^2)+2xyi\) é uma função complexa da variável complexa \(z\).
  2. Se o domínio da função é um subconjunto dos números complexos e a imagem é um subconjunto dos números reais, a função \(w=f(z)\) é uma função real de uma variável complexa
    Como exemplo a função \(f(z)=|z|=\sqrt{x^2+y^2}\) é uma função real da variável complexa \(z\).
  3. Se o domínio da função é um subconjunto dos números reais e a imagem é um subconjunto dos números complexos, a função \(w=f(z)\) é uma função complexa de uma variável real. Para exemplificar considere a função \(f(x,y)=x+iy\) com \(x\) e \(y\) números reais.
  4. Uma restrição de uma função \(f:D \to C\) é a função \(f_1: S \to C\), onde \(S\) é subconjunto do domínio \(D\).
  5. Analogamente, podemos ter uma extensão da função \(f_1\), como por exemplo a função \(f(z)=e^z\) é uma extensão importante da função real \(f(x)=e^x\), também podemos citar as funções \(f(z)=\cos(z)\), \(f(z)=\text{sen}(z)\), \(f(z)=\text{tan}(z)\) como extensão das respectivas funções reais entre muita soutras.

2 Funções uniformes e multiformes

Uma função \(w=f(z)\) é uniforme ou unívoca se a cada valor de \(z\), corresponde um único valor de \(w\).

Funções plurívocas, multiformes ou multivalentes são funções que para um valor dado da variável \(z\), associam dois ou mais números \(w=f(z)\) distintos.

Exemplos:

  1. A função \(w=z^2\) é uniforme (unívoca) pois para cada \(z\) existe um único valor de \(w\).
  2. A função \(w=\sqrt{z}\) é multiforme (plurívoca), pois para cada valor de \(z\) existem dois valores para \(w\).

Este assunto é de natureza delicada e será tratado com maior atenção posteriormente.

3 Decomposição de uma função complexa

Uma função \(w=f(z)\) de variável complexa pode ser decomposta em duas funções reais de \(R^2\), a parte real da função \(u(x,y)=\text{Re}(f(z))\) e a parte imaginária da função \(v(x,y)=\text{Im}(f(z))\).

Exemplos:

  1. A função \(f(z)=z^2\), onde \(z=x+iy\) é decomposta em
    \[u(x,y)=x^2+y^2, \quad v(x,y)=2xy\]
  2. Se \(f(z)=z^3\), onde \(z=x+iy\) então
    \begin{align} f(z) & = (x+iy)^3=(x+iy)(x+iy)^2 \\ & = (x+iy)(x^2-y^2+i2xy) \\ & = (x^3-3xy^2)+i(3x^2-y^3) \end{align}
    assim
    \[u(x,y)=x^3-3xy^2, \quad v(x,y)=2xy\]
  3. Para a função definida por \(f(z)=z\;e^z\) temos que
    \begin{align} f(z) & = (x+iy)e^{x+iy}=(x+iy)e^xe^{iy} \\ & = (x+iy)e^x[\cos(y)+i\text{sen}(y)] \\ & = e^x[x\cos(y)-y\text{sen}(y)] \\ & \quad +ie^x[x\text{sen}(y)+y\cos(y)] \end{align}
    assim
    \begin{align} u(x,y) & = e^x[x\cos(y)-y\text{sen}(y)] \\ v(x,y) & = e^x[x\text{sen}(y)+y\cos(y)] \end{align}

4 Representação geométrica

Usualmente, uma função real é visualizada pelo traçado de seu gráfico \(y=f(x)\) em um sistema cartesiano com um dos eixos para a variável do domínio \(x\) e outro para a variável da imagem \(y\).

Para funções complexas \(f:C\to C\) a visualização de gráficos não é tão simples pois o plano complexo \(C\) é bidimensional, sendo necessário um espaço de quatro dimensões para traçar o gráfico da função \(w=f(z)\). Como um espaço de quatro dimensões não é facilmente admissível em nossas mentes, outras técnicas são necessárias para visualizar gráficos de funções complexas.

O método mais comum é considerar dois planos complexos, um para \(z\) e outro para \(w\). No plano \(w\) traçamos a imagem da função \(f\) sobre algumas curvas e áreas no plano do domínio \(z\).

A correspondência entre pontos de \(z\) e \(w\) é denominada transformação de pontos de \(z\) em pontos de \(w\) pela função \(f\).

Exemplos

  1. Um ponto \(P\) do plano \(z\), se move descrevendo um círculo unitário de centro na origem, no sentido anti-horário. Se a transformação for dada por \(w=f(z)=z^2\), a imagem \(P'\) de \(P\) no plano \(w\) descreve \(2\) voltas completas no círculo unitário centrado na origem no sentido anti-horário mas o ponto P descreve uma volta completa no plano \(z\). Se \(z=re^{it}\) é a circunferência unitária, segue que \(|z|=1\), \(r=1\) e \(z=e^{it}\).
    Assim, \(w=z^2=e^{2it}\) e tomando \(r'\) e \(t'\) as coordenadas no plano \(w\), obtemos \(w=r'e^{it'}=e^{2it}\), logo \(r'=1\) e \(t'=2t\).

    Assim, concluímos que, enquanto o ponto \(P\) se move no plano \(z\), a imagem \(P'\) no plano \(w\) se move sobre uma circunferência de raio unitário e centro na origem pois \(r'=1\) e \(P\) descreve um ângulo \(t\) no plano \(z\), a imagem \(P'\) descreve um ângulo \(2t\) no plano \(w\).
  2. Considere a função \(f(z)=z^2\) para examinar a imagem de \(f\) no plano \(w\) transformada por esta função sobre as retas \(x=\pm 1\) e \(y=\pm 1\).
    A equação paramétrica do segmento de reta que passa pelos pontos \(z_1=-1-i\) e \(z_2=-1+i\) é dada, para \(0 \leq t \leq 1\), por:
    \[z(t)=z_1+t(z_2-z_1)\]
    ou por
    \[z(t)=(-1-i)+t(2i)=-1+i(-1+2t)\]
    Observe que \(z\) é uma função de \(t\) e \(w\) também é uma função de \(t\) pois é a composta \(w=f(z(t))=(z(t))^2\), temos, para \(0 \leq t \leq 1\), por:
    \[w(t)=[-1+i(-1+2t)]^2=(4t-4t^2)+i(2-4t)\]
    Mostramos um esboço do gráfico no plano \(w\) na figura seguinte.
    A equação paramétrica do segmento de reta que passa pelos pontos \(z_2=-1+i\) e \(z_3=1+i\) é dada, para \(0 \leq t \leq 1\), por:
    \[z(t)=z_2+t(z_3-z_2)\]
    Obtemos assim, para \(0 \leq t \leq 1\), por:
    \[z(t)=(-1+i)+t(2)=(-1+2t)+i\]
    assim, para cada \(0 \leq t \leq 1\):
    \[w(t)=[(-1+2t)+i]^2=(-4t+4t^2)+i(-2+4t)\]
    Um esboço do gráfico é mostrado na sequência.
    A equação paramétrica do segmento de reta que passa pelos pontos \(z_3=1+i\) e \(z_4=1-i\) é dada, para \(0 \leq t \leq 1\):
    \[z(t)=z_3+t(z_4-z_3)\]
    Neste caso, para \(0 \leq t \leq 1\)}
    \[z(t)=(1+i)+t(-2i)=1+i(1-2t)\]
    então, para \(0 \leq t \leq 1\):
    \[w(t)=[1+i(1-2t)]^2=(4t-4t^2)+i(2-4t)\]
    A equação paramétrica do segmento de reta que passa pelos pontos \(z_4=1-i\) e \(z_1=-1-i\) é dada por:
    \[z(t)=z_4+t(z_1-z_4)\]
    Temos então
    \[z(t)=(1-i)+t(-2)=(1-2t)-i\]
    assim,
    \[w(t)=[(-1-2t)-i]^2=(-4t+4t^2)+i(-2+4t)\]
    Então, as imagens no plano \(w\) sobre o quadrado \(x=\pm 1\) e \(y=\pm 1\) transformadas por \(w=z^2\) são parábolas como as ilustradas na figura seguinte.
    Para retas \(x=\pm c\) e \(y=\pm c\), onde \(c\) é uma constante real, as imagens também serão parábolas como estas com as interseções com os eixo coordenados em outros pontos.