Importância dos números reais

Em geral, os cursos de Cálculo começam por um breve estudo dos números reais e um curso de Análise Matemática tem início por um estudo bastante completo e rigoroso destes números. A razão é simples. No Cálculo e na Análise, estuda-se o comportamento de funções e o comportamento de uma função depende dos três elementos importantes que a compõem:

domínio,    contradomínio   e   lei de definição

Assim, é importante ter clareza sobre as propriedades dos números reais, para compreender as funções de uma variável real. Esta compreensão dos números reais não é tão simples como parece. O problema começa pelo método de introdução dos reais: o método construtivo ou o método axiomático.

O interessante é que na ponta inicial do método construtivo também está o método axiomático. Na realidade, o método axiomático fundamenta toda teoria matemática. Por isso, vamos falar um pouco dele. Compreender como se faz matemática é algo vital para um professor de Matemática. Ninguém pode ensinar algo que não sabe, que não compreende.


A construção dos números reais

Em uma teoria axiomática temos:

  1. Termos indefinidos

  2. Relações indefinidas

  3. Axiomas relacionando termos indefinidos e relações indefinidas

  4. Definições

  5. Teoremas baseados em axiomas e definições

Os termos e as relações indefinidas também são denominados conceitos primitivos. Axiomas são propriedades aceitas como verdadeiras, sem questionamento e sem demonstração.

Exemplo: Um exemplo simples de teoria axiomática é a teoria dos conjuntos.

  1. Conjunto e elemento de um conjunto são termos indefinidos.

  2. Um elemento pertence a um conjunto é uma relação não definida.

A teoria dos conjuntos tem dois axiomas fundamentais (que não são os únicos):

Axioma da Extensão: Dois conjuntos A e B são iguais se, e somente se, cada elemento de A pertence a B e cada elemento de B pertence a A.

Axioma da Especificação: Se P(x) é uma proposição qualquer e A é um conjunto qualquer, então existe um único conjunto B tal que:

B = {a: a pertence a A, P(a) é verdadeiro }

Com os elementos disponíveis, podemos definir novos objetos, como por exemplo, a reunião de dois conjuntos:

A reunião dos conjuntos A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a A ou a B, o que em símbolos matemáticos, pode ser escrito:

A B = { x : x pertence a A ou x pertence a B }

Agora, com base na definição anterior e no axioma da extensão podemos enunciar a propriedade associativa para a reunião:

Teorema: Se A, B e C são conjuntos quaisquer, então:

(A B) C = A (B C)

Observamos que uma das conseqüências do axioma da especificação é a existência do conjunto vazio, geralmente tão mal compreendido. Por exemplo, consideremos no conjunto dos números naturais a seguinte proposição:

P(x):   x+4=1

Se considerarmos o universo de trabalho como o conjunto dos números naturais, o conjunto B acima definido será vazio, isto é:

B = {x pertence a N: P(x) é verdadeiro } = { } = Ø

Observação: Historicamente, no século XIX ocorreram grandes controvérsias na Matemática e pela falta de uma fundamentação precisa de conceitos e teorias, como a:

  1. Teoria dos conjuntos,

  2. Teoria das funções,

  3. Teoria dos números reais,

  4. Teoria dos números complexos,

Foi na construção destes tipos de teorias que se consólidou o método axiomático.

Esperamos ter conseguido elucidar o que é o método axiomático. A partir daí, podemos voltar ao estudo dos números reais.

O conjunto dos números reais é um conjunto não vazio, caracterizado por alguns axiomas. Não vamos fazer aqui um estudo completo de todos, mas daqueles que decorrem propriedades importantes e que são usadas no dia-a-dia no âmbito do Ensino Fundamental e Médio (antigos primeiro e segundo graus).

Ao primeiro conjunto de axiomas que caracterizam R, denominamos de axiomas de corpo. Isto significa que R é um conjunto não vazio onde se pode definir duas operações fechadas, denominadas adição:

+ :RxRsetaR
(x,y)seta x + y

e multiplicação:

. :RxRseta R
(x,y)seta x . y

que satisfazem aos seguintes axiomas:


Axiomas da Adição e da Multiplicação


A1) Associatividade: Quaisquer que sejam x e y em R, tem-se:

(x + y) + z = x + (y + z)


A2) Comutatividade: Quaisquer que sejam x e y em R, tem-se:

x + y = y + x


A3) Elemento neutro: Existe 0 em R (denominado "zero"), tal que para todo x em R:

x + 0 = x


A4) Simétrico: Todo elemento x de R possui um simétrico –x em R (também denominado oposto), tal que:

x + (–x) = 0


M1) Associatividade: Quaisquer que sejam x, y e z em R, tem-se:

(x . y) . z = x . (y . z)


M2) Comutatividade: Quaisquer que sejam x e y em R, tem-se:

x . y = y . x


M3) Elemento neutro: Existe 1 em R (denominado "um"), tal que para todo x de R, vale:

1 . x = x


M4) Inverso multiplicativo: Todo x diferente de zero em R, possui um inverso x–1 em R tal que

x . x–1 = 1


Axioma da Distributividade

Quaisquer que sejam x, y e z em R, tem-se:

x . (y + z) = x . y + x . z

Os axiomas A4 e M4 permitem definir, respectivamente, as operações de subtração:

+ :RxRseta R
(x,y)seta x + y

e divisão de números reais:

÷ :RxR*seta R
(x,y)seta x÷y = x . y–1

onde R*=R-{0}.

Se estivermos adotando o método axiomático, então estas propriedades não serão demonstradas mas serão admitidas como verdadeiras pois são axiomas. Do ponto de vista axiomático não sabemos o que é um número real, mas quais propriedades o conjunto dos números reais satisfaz.

Uma conseqüência muito importante dos axiomas dos números reais, é conhecida como a regra dos sinais.


Regra dos Sinais

Um desafio para o professor do curso Fundamental é ensinar e tentar justificar a intrigante regra dos sinais. Para algumas regras existem justificativas que chamaríamos de naturais, mas justificar porque

(–1) . (–1) = (+1)

é complicado e o pior ainda: algumas justificativas bastante usadas são logicamente falsas, como aquela velha história de que:

O inimigo do meu inimigo é meu amigo

No livro "Meu Professor de Matemática e outras histórias", Coleção do Professor de Matemática, SBM, 1991, Rio de Janeiro, o professor Elon Lages Lima dedica um capítulo à questão quando cita e comenta algumas sugestões encaminhadas à excelente Revista do Professor de Matemática, para explicar e justificar a regra acima citada.

Na opinião do Prof. Elon, a melhor sugestão foi a que mais se aproximou da demonstração algébrica da regra. A regra dos sinais é uma conseqüência dos axiomas de corpo, e em especial do axioma da distributividade. Vamos conhecer a demonstração através de quatro passos:

Passo 1: O simétrico de –x é x, isto é, –(–x)=x, para todo x em R.

De fato:

–x + x = x + (–x) = 0

Somando –(–x) a ambos os membros da igualdade e usando o axioma A1, obtemos:

[–(–x) + (–x)] + x = –(–x) + 0

ou seja:

0 + x = –(–x)

ou ainda,

x = –(–x)

Passo 2: x.0 = 0, para todo x em R.

Com efeito,

x + x.0 = x.1 + x.0 = x.(1+0) = x.1 = x

Assim:

x + x.0 = x

Somando –x a ambos os membros da igualdade, obtemos,

x.0 = 0

Passo 3: (–1).x = –x, para todo x em R.

Realmente:

x + (–1).x = 1.x + (–1).x = [1 + (–1)].x = 0.x = 0

Logo, (–1)x é o simétrico de x, ou seja:

(–1).x = –x

Tomando, em particular, x=–1, temos que

(–1).(–1) = –(–1) = 1

onde a última igualdade segue pelo 1o passo.

Passo 4: Quaisquer que sejam x e y pertencentes a R, tem-se:

(–x).y = –(x.y)
(–x).(–y) = x.y

De fato:

(–x).y = [(–1).x].y = (–1).(x.y) = –(x.y)

e

(–x).(–y) = (–1).x.(–1).y = (–1).(–1).x.y = 1.x.y = x.y

Mostramos estes detalhes para deixar claro que a regra dos sinais é uma conseqüência dos axiomas de corpo e que algumas propriedades, por mais evidentes que possam parecer como as expressas nos passos 1 e 2, são passíveis de demonstração.

Em Matemática (e também na vida) todo o cuidado é pouco com as chamadas coisas evidentes.

Por outro lado, o chamado rigor matemático, não pode ser aplicado em qualquer nível e seria um absurdo tentar explicar a regra dos sinais para alunos do ensino Fundamental da forma acima exposta.

Vejamos agora a sugestão do Prof. Fred Gusmão dos Santos, de Mogi das Cruzes, S.P, comentada pelo Prof. Elon no mesmo livro acima citado e que tomamos a liberdade de reproduzir.

"Como:

5.(2–2) = 0

pela lei distributiva vem que:

5.2 + 5.(–2) = 0

ou seja

10 + 5.(–2) = 0

logo

5.(–2) = –10

Em seguida, como:

–5(2–2) = 0

novamente temos que:

–5.2 + (–5)(–2) = 0

ou seja

–10 + (–5)(–2) = 0

logo

(–5).(–2) = 10 "

Alguém poderia questionar, por que tanto esforço para fazer a demonstração algébrica, se um exemplo numérico elucida tudo ? Que resposta você daria ?


O Corpo ordenado dos números reais

Um segundo conjunto de axiomas caracteriza o conjunto R dos números reais como um conjunto ordenado. Este fato tem conseqüências importantes com as quais o professor do Fundamental se depara a todo momento. O fato de R ser um corpo ordenado dá sentido às desigualdades, também conhecidas como inequações...

Dizer que R é um corpo ordenado é equivalente a garantir que, existe um conjunto P contido no conjunto R, denominado conjunto de elementos positivos de R, com as seguintes condições (axiomas) satisfeitas:

Se indicarmos com –P={–x: x está em P} poderemos escrever:

R = P (–P) {0}

Os elementos do conjunto –P são denominados números negativos.

No cotidiano, convivemos de modo bastante natural com muitos números positivos como os números naturais mas o interessante é que somente uma caracterização formal dos mesmos, através dos axiomas introduzidos anteriormente, é que permite extrair as suas propriedades.

Uma propriedade bem conhecida dos números reais e de muitas conseqüências é a que garante que o quadrado de todo número real não nulo é positivo:

Propriedade: Para todo x real, diferente de zero, tem-se que x²=x.x está em P.

Demonstração: Dado x real diferente de zero, temos que x está em P ou –x está em P. Se x está em P, pelo axioma P1:

x.x está em P

Se –x está em P, então:

(–x).(–x) = x.x pertence a P

e pela regra dos sinais, temos o resultado desejado.


Números Naturais

Pela propriedade acima e com o uso do axioma P1, podemos construir o conjunto dos números naturais como um subconjunto dos números reais positivos, com algumas características indutivas. Vejamos:

1 . 1 = 1 está em P
1 + 1 = 2 está em P
2 + 1 = 3 está em P
............
(n) + 1 = (n+1) está em P

Assim

N={1,2,3,4,...,n,...}

É claro que N está contido em P e P está contido em R.

Observação importante: O número 0 não foi incluído no conjunto dos números naturais, pois este número foi criado artificialmente para dar significado ao conceito de nulidade (falta de um elemento) quando da criação do sistema posicional pelos hindús e este conjunto dos números naturais recebe este nome exatamente porque está relacionado com as idéias de contagem de coisas naturais como 1, 2, 3, ... Para que o interessado possa esclarecer a maioria dos detalhes concernentes ao número zero (0) e conhecer uma enorme gama de detalhes acerca dos algarismos e números, sugiro a leitura do livro de Georges Ifrah: "História Universal dos Algarismos", Tomos I e II (A inteligência dos homens contada pelos Números e pelo Cálculo!), 1997, Livraria Nova Fronteira.

O conjunto dos números reais é indutivo, isto é:

o que é uma conseqüência óbvia do que apresentamos até aqui.

Algo não óbvio e que não será feito aqui, é que o conjunto N dos números naturais, em um certo sentido, é o "menor" subconjunto indutivo de R que possui a propriedade muito importante conhecida como o Princípio da Indução Finita.


Princípio da Indução Finita (PIF)

Se X é um subconjunto do conjunto dos números naturais N, tal que:

  1. 1 pertence ao conjunto X.

  2. Se n pertence ao conjunto X, então (n+1) pertence ao conjunto X, para todo n>1

Então, X coincide com o próprio N.

Quando introduzimos o conjunto dos números reais pelo método construtivo, é usual iniciar pela construção axiomática dos números naturais. Neste caso, o princípio da indução finita é conhecido como o Terceiro axioma de Peano. O que importa é que ele é válido e de grande utilidade.

Aplicação do PIF: Provaremos que a soma dos n primeiros números naturais pode ser escrita como o semiproduto de n por n+1, isto é, para todo n em N, vale a igualdade:

P(n):   (1+2+3+...+n) = n(n+1)/2

Demonstração: Seja X o subconjunto dos números naturais tal que P(n) seja válida.

1 pertence a X, pois para n=1, a igualdade P(1) se reduz a:

1 = 1.(1+1)/2

Suponhamos que n pertença a X (Hipótese de Indução), isto é, que é válida a propriedade P(n):

1 + 2 + 3 + ... + n = n(n+1)/2

Mostraremos que também vale a propriedade P(n+1), o que equivalente a mostrar que (n+1) está em X.

Desenvolvendo o membro da esquerda de P(n+1), obtemos:

   1+2+3+...+n + n+1 = (1+2+3+...+n) + (n+1)
                     =  n(n+1)/2     + (n+1)
                     = (n+1)(n/2 + 1)
                     = (n+1)(n+2)/2

Mostramos assim que:

(1+2+3+...+n)+(n+1) = (n+1)(n+2)/2

e esta igualdade corresponde exatamente a P(n+1) e dessa forma X é o próprio conjunto N, ou seja, P(n) é válida para todo n em N.

Exercício: Mostrar que são verdadeiras as seguintes proposições:

  1. P(n): 1 + 3 + 5 + 7 +...+ (2n–1) = n²

  2. P(n): 1² + 2² + 3² +...+ n² = n(n+1)(2n+1)/6

  3. P(n): 13 + 23 + 33 +...+ n3 = n²(n+1)²/4

  4. P(n): 14 + 24 +...+ n4 = n(n+1)(6n3+9n²+n–1)/30


Números Inteiros

Já vimos que o conjunto N dos naturais é um subconjunto do conjunto dos números reais positivos. Levando em consideração a definição dos números positivos P e dos números negativos –P, obtemos o conjunto dos números inteiros

Z = { ..., –4, –3, –2, –1, 0, 1, 2, 3, 4, ... } = –N {0} N

Observação: A letra Z utilizada para representar o conjunto dos números inteiros, provém da palavra alemã "Zahl" que significa número ou algarismo.


Números Racionais

Tomando o axioma M4, que afirma que todo número real diferente de zero, possui um inverso multiplicativo, temos o conjunto dos números racionais, que é um outro subconjunto muito importante do conjunto dos números reais:

Q = {a/b: a pertence a Z, b pertence a Z, b diferente de zero}

Observação: A palavra racional vem do Latim ratio=razão também entendida em Matemática como divisão. Usamos a barra / para entender o sinal de divisão ÷.

Exemplos de números racionais: 2/5, 1/3, 0,10101010..., 6/1, 8/2, 3/4, 5, 7,33333...


Números Irracionais

O conjunto I dos números Irracionais é o conjunto dos números reais que não são racionais:

I = R–Q

Embora os números racionais e os irracionais sejam apresentados como conceitos simples, às vezes não é fácil verificar se um determinado número real x é racional ou irracional.

Como exemplos de números irracionais, sempre nos apresentaram números especiais como:

r2 = 1,414...,   e = 2,71828...,   r3 = 1,732...
Pi = 3,14159265...,   a = 0,10100100010000...

mas provar que estes números são irracionais, é uma outra história muito mal contada. Observamos que a escola de Pitágoras (580–500 a.C) já sabia que não existia um número racional x com a propriedade que:

x² = 2

Observação: Lembramos que estamos introduzindo os números reais diretamente, apresentando um conjunto de axiomas que os caracterizam e verificamos que este conjunto deve conter os números naturais, os números inteiros, os números racionais e também os números irracionais.

No Ensino Fundamental, a criança começa tomando contato com os números naturais, depois com os números inteiros, em seguida com os números racionais, ...

Detalhes sobre os números racionais e números irracionais

  1. O conjunto dos números racionais é fechado para as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão (exceto por zero), isto é, para quaiquer x,y em Q:

  2. O conjunto dos números irracionais não é fechado para as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, pois podemos apresentar exemplos de números irracionais para os quais estas operações não são fechadas em I.
    Na sequência, usaremos R[2] para representar a raiz quadrada de 2.

  3. Se a é um número irracional e r é um número racional, então, os números abaixo são irracionais, isto é:

  4. Um polinômio de grau n natural, é uma expressão matemática da forma:

    p n(x) = cn xn + cn–1 xn–1 + ... + c2 x² + c1 x1 + c0

    onde cn é diferente de zero;

  5. Uma equação polinomial de grau n natural, na variável x é uma expressão matemática da forma:

    cn xn + cn–1 xn–1 + ... + c2 x² + c1 x1 + c0 = 0

    sendo cn diferente de 0, cn–1 , ..., c2, c1, c0 os seus coeficientes.

  6. A raiz de uma equação na variável x é um número que substituído por x, satisfaz à equação dada;

  7. Se a equação

    cn xn + cn–1 xn–1 + ... + c2 x² + c1 x1 + c0 = 0

    tem como coeficientes somente números inteiros, e, se esta equação tem uma raiz racional irredutível da forma a/b (aquela cuja fração não pode ser simplificada mais), então a será um divisor de co e b será um divisor de cn.

  8. Como um caso particular do item anterior, se a equação possuir o coeficiente igual a 1 para o termo de mais alto grau, isto é:

    1 . xn + cn–1 xn–1 + ... + c2 x² + c1 x1 + co = 0

    e esta equação somente tiver como coeficientes números inteiros e possuir uma raiz racional, então esta raiz deverá ser um número inteiro que divide co.

Observação: Com os oito itens apresentados acima, podemos construir um conjunto enorme de números irracionais.

Dado histórico: No Curso Médio estuda-se o conjunto dos números complexos, que é mais amplo que todos os conjuntos tratados até aqui. Um grande equívoco é pensar que as teorias destes conjuntos tenha sido feita, de uma forma acabada, nesta mesma ordem que estamos apresentando. É importante mencionar, que no século XVI, os matemáticos já lidavam com números complexos. O método de Tartaglia (publicado no livro Ars Magna como sendo de Cardano) para a resolução de equações do terceiro grau, foi o grande elemento motivador para o estudo destes números e também de equações algébricas. Mas foi somente no final do século XIX que a teoria de cada um destes conjuntos ficou consolidada.

Vamos retornar ao conjunto dos números positivos para estabelecer duas convenções muito importantes.


Convenções com desigualdades

C1) Dado x em R, escrevemos:

C2) Dados x em R e y em R, escrevemos:


Intervalos reais


Intervalos finitos: Com estas últimas convenções podemos definir os conceitos de intervalo e da importante função modular.

(a,b) = {x em R: a<x<b},    [a,b) = {x em R: a<x<b}
(a,b] = {x em R: a<x<b},    [a,b] = {x em R: a<x<b}

Podemos visualizar os quatro tipos de intervalos com extremidades finitas, pondo um círculo vazio onde não vale a igualdade e um círculo preenchido onde vale a igualdade.


Intervalos infinitos: Definimos o intervalo (a,) como o conjunto de todos os números reais maiores do que a, isto é:

(a,+) = {x em R: x>a}      (-,a) = {x em R: x<a}

e também os intervalos:

[a,+) = {x em R: x>a}       (-,a] = {x em R: x<a}

e uma notação comum é R=(-,+).


Módulo de um número real

O módulo (valor absoluto) de um número real x, é definido como sendo o maior valor (máximo) entre x e –x, isto é:

|x|=max{x,–x}

ou usando a raiz quadrada, por:

ou ainda por:

Exemplos: |+5|=5, |0|=0 e |-6|=6.

O conceito de módulo de um número real desempenha um papel de fundamental importância na Análise Matemática e são valiosas algumas relações de igualdade e desigualdade onde aparecem os módulos.

Teorema: Quaisquer que sejam x e y em R, tem-se que:

  1. |+x| = |–x|

  2. |x–y| = |y–x|

  3. |x.y| = |x|.|y|

  4. –|x| < x < |x|

  5. |x+y| < |x| + |y|

  6. |x–y| < |x| + |y|


Observação: |x+y| nem sempre é igual a |x|+|y|.


Distância entre números reais

O conceito de módulo de um número real permite introduzir o conceito de distância entre dois números reais e caracterizar o conceito de proximidade entre dois números reais.

Dados x e y em R, define-se a distância entre x e y como:

d(x,y) = |x–y|

Exemplo: d(–3,+7)=|(–3)–(7)|=|–10|=10.

Com as desigualdades podemos construir a relação de ordem total sobre R:

x < y se y–x > 0

com as seguintes propriedades:

As duas últimas propriedades expressam o fato que a relação de ordem < considerada é compatível com a estrutura de corpo de R.

A última propriedade é muitas vezes motivo de tropeços para muitos alunos e professores, em especial na resolução de desigualdades e pela sua importância, faremos a sua demonstração.

Se x=y em R e z=0, a relação é verdadeira, pois 0.x=0, logo, para todo z em R.

x.z = y.z

Se considerarmos x < y e z>0, teremos:

y–x pertence a P e z pertence a P

Pela propriedade P1, temos:

(y–x).z está em P

e pela propriedades distributiva:

y.z–x.z é um elemento de P

ou seja:

x.z < y.z

Prove a outra parte como exercício.


Conjunto Solução para uma Proposição

É o conjunto de todos os valores que satisfazem à proposição dada, sendo que este conjunto depende do universo que estivermos trabalhando.

Exemplo: Consideremos

P(x):   x² – 4 = 0

O conjunto solução no conjunto R dos números reais tem dois elementos e é dado por:

S = {–2, 2}

mas o conjunto solução no conjunto N dos números naturais é um conjunto unitário, dado por:

S = { 2 }

Dada uma desigualdade, é importante obter o conjunto solução S que satisfaz esta desigualdade, isto é, obter o conjunto de todos os números reais que satisfazem à desigualdade dada e indicar o resultado na forma de um intervalo real ou através da reunião ou interseção de intervalos reais.

Exemplo 1: Para resolver a desigualdade real 5x+15>0, somamos o número –15 a ambos os termos da desigualdade:

5x + 15 –15 > 0 –15

para obter

5x > –15

Dividindo ambos os termos por 5, obtemos

x > –3

Assim, o Conjunto Solução será:

S=(–3,) = {x em R: –3 < x}

Exemplo 2: Para resolver a(s) desigualdade(s) 12<5x+15<25, no conjunto dos números reais, podemos somar –15 em todos os termos das desigualdades, para obter

12–15 < 5x+15–15 < 25–15

Simplificando, obtemos

–3 < 5x < 10

Dividindo todos os termos das desigualdades por 5:

–3/5 < 5x/5 < 10/5

Simplificando, obtemos finalmente

–3/5 < x < 2

logo o Conjunto Solução será:

S=(–3/5,2] = {x em R: –3/5 < x < 2}


Representação gráfica da reta

A relação de ordem total x<y se y–x>0 que existe em R e o fato de R ser completo, permitem identificar o conjunto dos números reais com os pontos de uma reta, fato conhecido por representação gráfica da reta real.


Esta representação é uma linha reta onde se identifica um ponto, denominado origem, com o número zero 0 e outro ponto, tomado por unidade, com o número um 1 e a partir daí indicam-se os outros valores numéricos, dependendo de sua grandeza em relação à unidade.


Definição de Raiz Quadrada

Existe um terceiro axioma que caracteriza o conjunto dos números reais como um corpo ordenado completo. Deste axioma é possível obter as propriedades mais importantes do Cálculo e na verdade, se este fato não fosse verdadeiro, pouco restaria dos conhecidos Teoremas do Cálculo Diferencial e Integral.

Infelizmente, o enunciado deste axioma exige tantos requisitos que ele só pode (e deve) ser trabalhado com cuidado em um curso mais avançado de Cálculo Diferencial e Integral ou Análise Matemática.

Mostraremos aqui algumas conseqüências deste axioma, como por exemplo, o conceito de raiz quadrada.

Por R ser completo um fato importantíssimo é o seguinte: Dado um número real não negativo a, existe um único número real não negativo x tal que

x² = a

Por definição, este número real não negativo é a raiz quadrada de a e dessa forma, dado a>0, define-se a raiz quadrada de a, como:

sendo x>0 e x²=a.

Portanto:

e é errado afirmar que

Uma conseqüência desta definição e da definição de módulo de um número real, é a seguinte:

Dado um número real x qualquer, podemos redefinir então o módulo de um número real de uma terceira forma, através do uso da raiz quadrada. Você conseguiria fazer isto?

O conceito de raiz quadrada leva-nos sem problemas às funções reais, definidas sobre o conjunto [0,) por:

  e  

De forma análoga podemos definir a raiz n-ésima de um número real não negativo a, como:

se e somente se b > 0 e bn = a.

Observação: Todo número b que pode posto na forma

em que a e n números naturais, deve ser necessariamente um número inteiro ou um número irracional.


Algumas referências bibliográficas

  1. Halmos,P.R. Teoria Ingênua dos Conjuntos. Editora Polígono, São Paulo, 1970.

  2. Niven,I. Números Racionais e Irracionais, Coleção Fundamentos da Matemática Elementar, SBM, Rio, 1984.

  3. White,A.J. Análise Real: uma introdução. EDUSP, São Paulo, 1973.

Construída por Olívio Augusto Weber e Ulysses Sodré.