Matemática Essencial

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Limites de funções reais (I)
Ulysses Sodré

Material desta página

1 O papel dos Limites de funções reais

O conceito de Limite de uma função realiza um papel muito importante em toda teoria matemática envolvida com o Cálculo Diferencial e Integral. Há uma cadeia ordenada muito bem estabelecida no Cálculo:

Conjuntos < Funções < Limites < Continuidade < Derivadas < Integrais

Para entender os conceitos mais importantes da lista acima, que são os últimos, a Teoria de Limites é fundamental.

O motivo para isto é que nem tudo o que desejamos realizar, ocorre no meio físico e quase sempre é necessário introduzir um modelo que procura algo que está fora das coisas comuns e esta procura ocorre com os limites nos estudos de sequências, séries, cálculos de raízes de funções, etc.

Por exemplo, obter uma raiz de uma função polinomial de grau maior do que 4 somente é possível através de métodos numéricos que utilizam fortemente as ideias de limites e continuidade. Na verdade, este cálculo depende do Teorema do Valor Intermediário (apresentado no final) que é uma consequência do estudo de continuidade de funções.

2 Ideia Intuitiva de Limite

Estudamos o comportamento de uma função \(f\) nas proximidades de um ponto. Para fixar ideias, vamos considerar a função \(f:R-\{1\}\to R\) definida por:

\[f(x) = \frac{x^2-1}{x-1}\]

Para \(x\neq 1\), \(f\) pode ser simplificada e reescrita na forma mais simples:

\[f(x) = x+1\]

Ao analisar o comportamento desta função nas vizinhanças do ponto \(x=1\), ponto este que não está no domínio de \(f\), constatamos que esta função se aproxima rapidamente do valor \(L=2\), quando os valores de \(x\) se aproximam de \(1\), tanto por valores de \(x<1\) (à esquerda de 1) como por valores \(x>1\) (à direita de 1).

Do ponto de vista numérico, as tabelas seguintes mostram o comportamento da função \(f\), para valores \(x\) à esquerda e à direita de \(x=1\).

Pela esquerda de \(x=1\):

xf(x)
01
0,51,5
0,81,8
0,91,9
0,991,99
0,9991,999
12

Pela direita de \(x=1\):

xf(x)
23
1,52,5
1,22,2
1,12,1
1,012,01
1,0012,001
12

Neste caso, dizemos \(L=2\) é o limite da função \(f\) quando \(x\) se aproxima de \(1\), o que denotamos por:

\[\lim_{x\to 1} f(x) = 2\]

Este resultado pode ser visto através da análise gráfica de \(f\), cujo esboço vemos na figura abaixo:

3 Limite de uma função real

Seja \(f\) uma função real definida sobre o intervalo \((a,b)\) exceto talvez no ponto \(x=c\) que pertence a intervalo \((a,b)\), \(Le\) e \(Ld\) números reais. Diz-se que:

  1. O limite lateral de \(f\) à direita do ponto \(c\) é igual a \(Ld\), se os valores da função se aproximam de \(Ld\), quando \(x\) se aproxima de \(c\) por valores (à direita de \(c\)) maiores do que \(c\). Em símbolos:
    \[\lim_{x\to c+} f(x) = Ld\]
  2. O limite lateral de \(f\) à esquerda de \(c\) é igual a \(Le\), se os valores da função se aproximam de \(Le\), quando \(x\) se aproxima de \(c\), por valores (à esquerda de \(c\)) menores que \(c\). Em símbolos: \[\lim_{x\to c-} f(x) = Le\]
  3. Quando o limite lateral à esquerda \(Le\) é igual ao limite lateral à direita \(L_d\), diz-se que existe o limite da função no ponto \(c\) e o seu valor é \(Ld=Le=L\). Com notações simbólicas, escrevemos:
    \[\lim_{x\to c} f(x) = L\]
    significando que, para qualquer \(\varepsilon>0\) e arbitrário, existe um \(\delta>0\), que depende de \(\varepsilon\), tal que
    \[|f(x)-L|< \varepsilon\]
    para todo \(x\) satisfazendo \(0<|x-a|<\delta\).
  4. No caso em que um dos limites laterais não existe ou no caso de ambos existirem mas com valores diferentes, dizemos que a função não tem limite no ponto em questão.

O próximo resultado afirma que uma função não pode se aproximar de dois limites diferentes ao mesmo tempo e este fato é denominado o teorema da unicidade, porque garante que se o limite de uma função existe, então ele deve ser único.

Unicidade do limite: Se \(\lim f(x)=A\) e \(\lim f(x)=B\) quando \(x\to c\), então \(A=B\).

Demonstração: Se \(\varepsilon>0\) é arbitrário, então existe \(\delta_1>0\) tal que \(|f(x)-A| < \varepsilon/2\) sempre que \(0<|x-a|<\delta_1\).

Como também temos por hipótese que existe \(\delta_2>0\) tal que \(|f(x)-B| < \varepsilon/2\) sempre que \(0<|x-a|<\delta_2\) então, tomando \(\delta=\min{d_1,d_2}>0\), obtemos \(|f(x)-A|<\varepsilon/2\) e \(|f(x)-B|<\varepsilon/2\) sempre que \(0<|x-a|<\delta\) e pela desigualdade triangular, temos:

\[|A-B| = |A-f(x)+f(x)-B| \leq |A-f(x)| + |f(x)-B|\]

e como \(\varepsilon>0\) é arbitrário, temos:

\[|A-B| < \varepsilon\]

então \(|A-B|=0\), o que garante que \(A=B\).

Exercício: Se \(|z| < \varepsilon\) para todo \(\varepsilon > 0\), mostre que \(z=0\).

4 Limites Infinitos

Seja \(f\) a função definida por \(f(x)=\frac{1}{x}\). Vamos analisar o comportamento numérico desta função através das tabelas abaixo.

Comportamento de \(f\) à esquerda de \(x=0\)

xf(x)
-1-1
-0,1-10
-0,01-100
-0,001-1000
-0,0001-10000

Quando \(x \to 0\), por valores maiores que zero (\(x \to 0+\)) os valores da função crescem sem limite.

Comportamento de \(f\) à direita de \(x=0\)

xf(x)
11
0,110
0,01100
0,0011000
0,000110000

Quando \(x \to 0\), por valores menores que zero (\(x \to 0-\)) os valores da função decrescem sem limite.

Notamos que próximo de \(x=0\), o comportamento da função é estranho.

Baseado neste exemplo, podemos afirmar que quando \(x\to 0\) esta função não tem os valores se aproximando de um limite bem definido.

Ao analisar o comportamento numérico de \(f(x)=\frac{1}{x^2}\), nas proximidades de \(x=0\), observamos que:

Comportamento de \(f\) à esquerda de \(x=0\)

xf(x)
11
-0,1100
-0,0110000
-0,0011000000
-0,0001100000000

Comportamento de \(f\) à direita de \(x=0\)

xf(x)
11
0,1100
0,0110000
0,0011000000
0,0001100000000

Observamos nas tabelas, que se \(x\to 0\), por valores maiores ou menores do que \(0\), os valores da função crescem sem limite.

Assim, podemos afirmar, por este exemplo que, quando \(x\to 0\) esta função tem os valores se aproximando de um limiar (infinito=\(\infty\)). Neste caso, dizemos que existe o limite de \(f(x)=\frac{1}{x^2}\) no ponto \(x=0\), e denotamos tal fato por:

\[\lim_{x\to 0} \frac{1}{x^2}=+\infty\]

Por causa desta notação costuma-se dizer que algumas funções têm limites infinitos e por causa deste limite, dizemos também que o gráfico desta função tem uma assíntota vertical, que é uma reta vertical cuja equação é \(x=0\), neste caso.

Definição: Seja \(f\) uma função definida para todo \(x\in I\), exceto talvez no ponto \(x=a\in I\) um intervalo aberto contendo \(a\). Diz-se que f tem limite infinito, quando \(x\to a\), o que é denotado por:

\[\lim_{x\to a} f(x)=+\infty\]

se, para todo número real \(L>0\), existir um \(\delta>0\) tal que se \(0<|x-a|<\delta\), então

\[f(x) > L\]

De modo similar, \(g(x)=-\frac{1}{x^2}\) apresenta um gráfico com todos os valores da imagem no intervalo \((-\infty,0)\).

O comportamento de \(g\) próximo de \(x=0\) é similar ao da função \(f(x)=\frac{1}{x^2}\), mas os valores são negativos. Neste caso, dizemos que não existe limite no ponto \(x=0\), mas representamos tal resultado por:

\[\lim_{x\to 0} -\frac{1}{x^2}=-\infty\]

Definição: Se o limite de \(f\) tende a \(\infty\), quando \(x\to a\) pela esquerda e também pela direita, dizemos que o limite de \(f\), quando \(x\to a\) é infinito e escrevemos:

\[\lim_{x\to a}f(x) = +\infty\]

Analogamente, a expressão matemática:

\[\lim_{x\to a}f(x)=-\infty\]

significa que \(f(x)\) tende a \(-\infty\), se \(x\to a\) pela esquerda e também pela direita.

5 Limites no Infinito

Vamos analisar o comportamento de \(h(x)=\frac{1}{x}\), quando \(x\) cresce arbitrariamente (\(x\to\infty\)) ou quando \(x\) decresce arbitrariamente (\(x\to-\infty\)).

Comportamento de \(h\) para \(x\) pequenos

xh(x)
-1-1
-10-0,1
-100-0,01
-1000-0,001
-10000-0,0001
-100000-0,00001

Comportamento de \(h\) para \(x\) grandes

xh(x)
11
100,1
1000,01
10000,001
100000,0001
1000000,00001

Pelas tabelas observamos que:

\[\lim_{x\to +\infty}h(x)=0\] \[\lim_{x\to -\infty}h(x)=0\]

Ao construir o gráfico de \(h\), observamos que existe uma reta (assíntota) horizontal que é a reta \(y=0\), que nunca toca a função mas se aproxima dela em \(+\infty\) e em \(-\infty\).

Temos então uma definição geral, englobando tal situação:

Definição: Seja \(f\) uma função definida para todos os valores do intervalo \((a,\infty)\). Escrevemos:

quando, para todo \(\varepsilon>0\), existe um número real \(M>0\) tal que \(|f(x)-L|<\varepsilon\) sempre que \(x>M\).

Formalizamos agora o conceito de assíntota horizontal.

Definição: Dizemos que a reta \(y=L\) é uma assíntota horizontal do gráfico de \(f\) se

\[\lim_{x\to\infty} f(x)=L \text{ ou } \lim_{x\to -\infty} f(x)=L\]

6 Propriedades dos limites

Muitas funções do Cálculo podem ser obtidas como somas, diferenças, produtos, quocientes e potências de funções simples. Vamos introduzir propriedades que podem ser usadas para simplificar as funções mais elaboradas. Em todas as situações abaixo, consideramos \(x\to a\).

  1. Se \(f(x)=C\) onde \(C\) é constante, então
    \[\lim f(x) = \lim C = C\]
  2. Se \(k\) e \(b\) são constantes e \(f(x)=kx+b\), então
    \[\lim f(x) = \lim (kx+b) = ka+b\]
  3. Se \(f\) e \(g\) são funções, \(k\) uma constante, \(A\) e \(B\) números reais e além disso \(\lim f(x)=A\) e \(\lim g(x)=B\), então:
    1. \(\lim(f ± g)(x) = [\lim f(x)] ± [\lim g(x)] = A ± B\)
    2. \(\lim(f·g)(x) = [\lim f(x)]·[\lim g(x)] = A·B\)
    3. \(\lim(k·f)(x) = k·\lim f(x) = k·A\)
    4. \(\lim(f)^n(x) = (\lim f(x))^n = A^n\)
    5. \(\lim(f÷g)(x) = [\lim f(x)]÷[\lim g(x)] = A÷B\), se \(B\neq 0\).
    6. \(\lim \exp[f(x)]= \exp[\lim f(x)] = \exp(A)\)
  4. Se acontecer uma das situações abaixo:
    1. \(\lim f(x) = 0\)
    2. \(\lim f(x)>0\) e \(n\) é um número natural
    3. \(\lim f(x)<0\) e \(n\) é um número natural ímpar
    então
    \[\lim_{x\to a}\sqrt[n]{f(x)} = \sqrt[n]{\lim_{x\to a} f(x)}\]

Notas sobre as propriedades:

  1. As propriedades que valem para duas funções, valem também para um número finito de funções.
  2. As propriedades 3-a, 3-b e 3-e estabelecem que se existem os limites das parcelas, então, existirá o limite da operação, mas a recíproca deste fato não é verdadeira, pois o limite de uma operação pode existir sem que existam os limites das parcelas.

Teorema do anulamento: Se \(f=f(x)\) é uma função limitada e \(g\) é uma função tal que \(\lim g(x)=0\), quando \(x\to a\), então:

\[\lim f(x)\cdot g(x) = 0\]

Este resultado útil para podermos obter cálculos com limites.

Teorema do Confronto (regra do sanduiche): Se valem as desigualdades \(f(x)\leq g(x)\leq h(x)\) para todo \(x\) em um intervalo aberto contendo \(a\), exceto talvez em \(x=a\) e se

\[\lim f(x) = L = \lim h(x)\]

então:

\[\lim g(x) = L\]

Exemplo: Se para \(x\) próximo de \(0\), vale a relação de desigualdades:

\[\cos(x) \leq \text{sen}(x)/x \leq 1\]

então, quando \(x\to 0\):

\[1 = \lim \cos(x) \leq \lim \text{sen}(x)/x \leq \lim 1 = 1\]

Notas: Todas as propriedades vistas para o cálculo de limites, são válidas também para limites laterais e para limites no infinito.

No cálculo do limite de uma função, quando aparecer uma das sete formas denominadas expressões indeterminadas:

\[\frac{0}{0},\quad \frac{\infty}{\infty},\quad \infty - \infty,\quad 0 \cdot \infty,\quad 0^0,\quad \infty^0,\quad 1^{\infty}\]

nada se pode concluir de imediato sem um estudo mais aprofundado de cada caso.

7 Um Limite Fundamental

Vamos utilizar agora o limite fundamental

\[\lim_{u\to 0} \frac{\text{sen}(u)}{u} = 1\]

para obter a derivada da função seno.

A derivada da função \(f(x)=\text{sen}(x)\) no ponto \(x=a\), pode ser obtida pelo limite

\[f'(a)=\lim_{x\to a} \frac{\text{sen}(x){-}\text{sen}(a)}{x-a}\]

mas

\[\text{sen}(x)-\text{sen}(a) = 2\text{sen}\left(\frac{x-a}{2}\right)\cos\left(\frac{x+a}{2}\right)\]

Tomando \(x=a+2u\), segue que devemos usar \(x-a=2u\to 0\), logo \(u\to 0\), assim, reescrevemos a última expressão como:

\[\text{sen}(x)-\text{sen}(a) = 2\text{sen}(u)\cos(a+u)\]

assim

\begin{align} f'(a) &= \lim_{u\to 0} \frac{2\text{sen}(u)\cos(a+u)}{2u} \\ &= \lim_{u\to 0} \frac{\text{sen}(u)}{u} \lim_{u\to 0} \cos(a+u) \\ &= 1 \cdot \cos(a) = \cos(a) \end{align}

Em geral, a derivada da função seno é a função cosseno e escrevemos:

\[\text{sen}'(x) = \cos(x)\]