Matemática Essencial

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Derivadas de Funções Reais (I)
Sônia Ferreira Lopes Toffoli
Ulysses Sodré

Material desta página

1 Introdução ao conceito de derivada

Os principais conceitos sobre derivadas foram introduzidas por Newton e Leibniz, no século XVIII. Tais ideias, já estudadas antes por Fermat, estão fortemente relacionadas com a noção de reta tangente a uma curva no plano. Uma idéia simples do que significa a reta tangente em um ponto \(P\) de uma circunferência, é uma reta que toca a circunferência em exatamente em um ponto \(P\) e é perpendicular ao segmento \(OP\), como vemos na figura ao lado.

Ao tentar estender esta idéia acerca da reta tangente a uma curva qualquer e tomarmos um ponto \(P\) sobre a curva, esta definição perde o sentido, como mostram as figuras abaixo.

Nessas figuras, consideramos a reta tangente à curva no ponto \(P\). Na primeira figura, a reta corta a curva em outro ponto \(Q\). Na segunda figura, a curva está muito achatada perto do ponto \(P\) e a suposta reta tangente toca a curva em mais do que um ponto. Na terceira figura, a reta também é tangente à curva no ponto \(Q\).

2 A derivada do ponto de vista geométrico

Para obter uma boa definição de reta tangente ao gráfico de uma função em um ponto do mesmo, vamos pensar que essa reta tangente é a reta que contém o ponto e que melhor aproxima o gráfico de \(f\) nas vizinhanças deste ponto. Assim, a reta tangente pode ser determinada por seu coeficiente angular e pelo ponto de tangência.

Seja a curva que é o gráfico de uma função contínua \(f\). \(x_0\) e \(f(x_0)\) são as coordenadas do ponto \(P\) onde se deseja traçar uma reta tangente. Seja agora um outro ponto \(Q\) do gráfico de \(f\), descrito por \((x_0+h,f(x_0+h))\), onde \(h\) é o deslocamento no eixo das abscissas, ocorrido do ponto \(P\) ao ponto (Q$. A reta que passa por \(P\) e \(Q\) é secante à curva \(y=f(x)\).

A inclinação (coeficiente angular) desta reta é dada pelo quociente de Newton, definido como a razão incremental de \(f\) com respeito à variável $x), no ponto \(x_0\):

\[Q(x_0,h) = \frac{f(x_0+h)-f(x_0)}{h}\]

Se \(P\) é um ponto fixado e \(Q\) um ponto que se aproxima de \(P\), ocupando as posições sucessivas \(Q_1\), \(Q_2\), \(Q_3,\cdots\), as secantes ocupam as posições por \(PQ_1\), \(PQ_2\), \(PQ_3,\cdots\) e as declividades (inclinações) dessas retas secantes ficam cada vez mais próximas da declividade da reta tangente.

Esperamos que a razão incremental, se aproxime de um valor finito \(k\), à medida que o ponto \(Q\) se aproxima do ponto \(P\), independentemente do fato que a abscissa de \(Q\) seja maior ou menor do que a abscissa de \(P\), mas isto nem sempre ocorre, mas quando isto acontece, definimos a reta tangente ao gráfico de \(0\) no ponto \(P\), como sendo aquela que passa por \(P\) e cuja declividade (coeficiente angular da reta) é igual a \(k\).

O recurso analítico para fazer \(Q\) se aproximar de \(P\), consiste em fazer o número \(h\) tender a zero, isto é, tomar os valores de \(h\) arbitrariamente próximos de \(0\).

Se o resultado assume valores positivos (negativos), cada vez mais próximos de zero, isto significa que a sequência de pontos \(Q_j\) está se aproximando do ponto \(P\) pela direita (pela esquerda).

Quando \(h\to 0\) e a razão incremental se aproxima do valor finito \(k\), dizemos que \(k\) é o limite da razão incremental com \(h\) tendendo a zero e denotamos isto por:

\[k =\lim_{h\to 0}\frac{f(x_0+h -f(x_0)}{h}\]

O limite da razão incremental somente tem sentido se o mesmo existe. Neste caso, se a função \(f\) é contínua no ponto \(x=x_0\), então a reta tangente à curva \(y=f(x)\) no ponto \(P=(x_0,f(x_0))\), é dada por:

\[y = f(x_0) + k (x-x_0)\]

Reta tangente a uma curva: Seja a parábola dada pela função \(f(x)=x^2\). O coeficiente angular da reta tangente a esta curva no ponto \(P=(1,1)\), é:

\begin{align} k &= \lim_{h\to 0}\frac{f(1+h)-f(1)}{h} \\ &= \lim_{h\to 0}\frac{(1+h)^2-1}{h}= 2 \end{align}

A reta tangente à curva \(y=x^2\) no ponto \(P=(1,1)\) é \(y=2x-1\).

3 Derivada de uma função real

Quando \(h\to 0\) (\(h\neq 0\)) e o quociente de Newton no ponto \(x_0\) se aproxima de um valor finito \(k\), dizemos que este número \(k\) é a derivada de \(f\) no ponto \(x_0\), denotando este fato por:

\[f'(x_0)= \lim_{h\to 0} \frac{f(x_0+h)-f(x_0)}{h}\]

desde que tenha sentido este limite. Se tal limite não existe, dizemos que não existe a derivada de \(f\) em \(x_0\). Se a função tem derivada em um ponto, dizemos que \(f\) é derivável (ou diferenciável) neste ponto.

Exemplo: A derivada da função \(f(x)=x^3\) no ponto \(x=1\), é dada por:

\begin{align} f'(1) &= \lim_{h\to 0} \frac{f(1+h)-f(1)}{h} \\ &= \lim_{h\to 0} \frac{(1+h)^3-1}{h} = 3 \end{align}

A derivada de \(f(x)=x^3\) no ponto genérico \(x=c\), é dada por:

\begin{align} f'(c) &= \lim_{h\to 0} \frac{f(c+h)-f(c)}{h} \\ &= \lim_{h\to 0} \frac{(c+h)^3-c^3}{h} = 3 c^2 \end{align}

A derivada de \(f(x)=x^3\) é denotada por \(f'(x)=3x^2\), pois

\begin{align} f'(x) &= \lim_{h\to 0} \frac{f(x+h)-f(x)}{h} \\ &= \lim_{h\to 0} \frac{(x+h)^3-x^3}{h} = 3 x^2 \end{align}

Reta normal ao gráfico de uma função: A reta normal a uma curva \(y=f(x)\) em um ponto \(P=(c,f(c))\), é a reta perpendicular à reta tangente a curva neste ponto.

Como duas retas, com coeficientes angulares iguais a \(k_1\) e \(k_2\), são perpendiculares, se o produto \(k_1 k_2 =-1\), logo, se \(k_1=f'(c)\), o coeficiente angular da reta normal é:

\[k_2 = -\frac{1}{f'(c)}\]

e a reta normal é dada por

\[y = f(c) -\frac{1}{f'(c)}(x-c)\]

Existem outras notações para a derivada de \(y=f(x)\) com relação a \(x\), como

\[y'(x),\quad dy/dx,\quad y_x,\quad D_x f,\quad D_x y\]

mas, a mais comum é: \(\dfrac{dy}{dx}\).

Notas: Se existe o limite, podemos escrever a derivada de outras formas.

  1. Se \(x_0\) é um ponto particular no domínio de \(f\), então:
    \[f'(x_0) = \lim_{\Delta x \to 0} \frac{f(x_0+\Delta x)-f(x_0)}{\Delta x}\]
  2. Se \(x=x_0+\Delta x\) na última expressão e tomamos \(\Delta x \to 0\), obtemos outra expressão equivalente para a derivada:
    \[f'(x_0) = \lim_{x\to x_0} \frac{f(x)-f(x_0)}{\Delta x}\]
  3. \(\Delta x=x-x_0\) é a diferença na variável \(x\) para cada análise fixa e representa a variação da variável \(x\) quando fazemos uma análise do ponto de vista dinâmico. Por definição
    \[dx=\Delta x =x-x_0, \quad dy=\Delta y =\Delta f =f(x)-f(x_0)\]

4 Diferencial de uma função f

Nem sempre a diferença exata \(\Delta f\) coincide com a variação dinâmica para \(f\), definida como a diferencial de \(f\), denotada por \(df\). A diferencial de uma função contínua \(f\) no ponto \(x_0\) é definida por:

\[df = f'(x_0) dx\]

que pode ser justificada do ponto de vista geométrico. Já vimos que a equação da reta tangente à curva \(y=f(x)\) no ponto \(P=(x_0,f(x_0))\) é:

\[y - f(x_0) = f'(x_0) (x-x_0)\]

Realizamos uma translação de todo o sistema para um novo sistema de coordenadas, cuja origem passa a ser o ponto \(P=(x_0,f(x_0))\).

Usando \(dx=x-x_0\) e \(dy=y-f(x_0)\) temos um outro sistema em que as variáveis são \(dx\) e \(dy\), no lugar das variáveis antigas \(x\) e \(y\). Indicando a nova curva transladada por \(y=f(x)\), obtemos a nova reta tangente a esta curva que passa pela origem \((0,0)\) do novo sistema.

A equação da reta tangente é dada por:

\[dy = f'(x_0) dx\]

cuja inclinação coincide com a diferencial de \(f\) no ponto \(x_0\). A translação para a origem deste novo sistema, é essencial para entender o processo de linearização, fato muito comum na Matemática aplicada.

Este processo informa que, ampliando bastante a vizinhança do ponto \((x_0,f(x_0))\) (com um zoom-in) nas vizinhanças do ponto \(P\), obtemos praticamente duas retas se tangenciando, como podemos observar na figura, em anexo.

5 Aplicações da diferencial a cálculos aproximados

  1. Se o lado de um quadrado aumenta \(3\%\), qual será o aumento aproximado da área do quadrado?
    Solução: A área do quadrado é dada por \(A(x)=x^2\), assim a diferencial desta função será escrita como:
    \[dA = A'(x)dx = 2x dx\]
    pois \(A'(x)=2x\) e \(dx=3\%=0,03\). A área aumenta aproximadamente:
    \[dA = 2(0,03) = 0,06 x = 6\% \text{ de } x\]
  2. Se a aresta de um cubo mede \(x=10cm\), diminui \(3\%\), qual é a diminuição aproximada do volume deste cubo?
    Solução: O volume do cubo é dado por \(V(x)=x^3\), assim temos que \(V'(x)=3x^2\) e a diferencial desta função é escrita como:
    \[dV = V'(x) dx = 3x^2 dx\]
    Como \(x=10\) e \(dx=3\%=0,03\), o volume do cubo diminui aproximadamente:
    \[dV = 3(10^2)(0,03) = 9 cm^3\]
  3. Um triângulo tem dois lados que medem \(2m\) e \(3m\) formando um ângulo de \(60\text{^0}\). Se o equipamento que mede o ângulo comete um erro de \(1\%\), qual deve ser o erro aproximado no cálculo da área?
    Solução: Se \(a\) e \(b\) são as medidas dos lados de um triângulo que formam um ângulo medindo \(x\), a área desse triângulo é dada por \(A(x)=\frac12 ab\text{sen}(x)\). Assim:
    \[dA = \frac12 ab \cos(x) dx\]
    Como \(x=60\text{^0} =(\pi/3)\text{rad}\), \(a=2m\), \(b=3m\) e \(dx=1\%\) de \(1\text{rad}\), então
    \[dA = \frac12 2(3)\cos(\pi/3)(0,01) = 0,015 m^2\]

6 Derivadas Laterais

Como a derivada de uma função \(f\) em um ponto \(p\) é um caso particular de limite, então tem sentido calcular os limites laterais abaixo, à esquerda e à direita em \(p\):

\[f'(p_-) = \lim_{x\to p-} \frac{f(x)-f(p)}{x-p}, \tag{$x<p$}\]
\[f'(p_+) = \lim_{x\to p+} \frac{f(x)-f(p)}{x-p}, \tag{$x>p$}\]

Quando tais limites existem, eles são, respectivamente denominados, derivadas lateral de \(f\) à esquerda em \(p\) e derivada lateral de \(f\) à direita no ponto \(p\). Se ambos os limites existem e são iguais, dizemos que \(f\) possui derivada no ponto \(p\).

Função modular: A função modular (valor absoluto) definida por \(f(x)=|x|\) tem derivada lateral à direita no ponto \(x=0\) igual a \(+1\) e derivada lateral à esquerda no ponto \(x=0\) igual a \(-1\), o que significa que tais derivadas laterais no mesmo ponto são diferentes. Para todo \(x\neq 0\), as derivadas laterais à esquerda e à direita coincidem.

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A função real definida por \(g(x)=|x|^3\) tem derivadas laterais sempre iguais em cada ponto \(x\) do seu domínio, o que significa que \(g=g(x)\) possui derivada em todos os pontos de \(R\).

7 Diferenciabilidade e Continuidade

Existem funções que não possuem derivada em um ponto, embora possam ter derivadas laterais à esquerda e à direita deste ponto e ser contínua neste ponto.

Exemplo: A função modular (valor absoluto) definida por \(f(x)=|x|\), não tem derivada em \(x=0\), mas:

  1. \(f\) é contínua em toda a reta;
  2. A derivada lateral à direita é \(f'(0_{+})=+1\);
  3. A derivada lateral à esquerda é \(f'(0_{-})=-1\).

Nota especial: O exemplo anterior mostra que a continuidade de uma função em um ponto não garante a existência da derivada da função neste mesmo ponto, mas a recíproca é verdadeira, isto é, a existência da derivada de f em um ponto, garante a continuidade de f neste ponto.

Nota: Um termo comum na literatura sobre derivadas é a palavra suave. Dizemos que uma função derivável em um ponto é suave nas vizinhanças deste ponto, motivado pelo fato que, se o gráfico da função NÃO possui bicos, como a função modular, por exemplo, este fato implica na existência de derivadas laterais diferentes, garantindo que a função não tem derivada neste ponto.

8 Derivadas de algumas funções

\[\begin{array}{ll} \hline \text{Função} & \text{Derivada} \\ \hline 0 & 0 \\ C & 0 \\ ax+b & a \\ x^n & n x^{n-1} \\ \exp(x) & \exp(x) \\ \log(x) & 1/x \\ \text{sen}(x) & \cos(x) \\ \cos(x) & -\text{sen}(x) \\ \text{arcsen}(x) & 1/\sqrt{1-x^2} \\ \arccos(x) & -1/\sqrt{1-x^2} \\ \text{tan}(x) & \sec^2(x) \\ \cot(x) & -\csc^2(x) \\ \sec(x) & \sec(x)\text{tan}(x) \\ \csc(x) & -\csc(x)\cot(x) \\ \arctan(x) & 1/(1+x^2) \\ \end{array}\]