Matemática Essencial

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Funções contínuas reais
Ulysses Sodré

Material desta página

1 A idéia de Continuidade

Embora o conceito de continuidade possa ser dado sem o auxílio de limites, aqui neste material de Cálculo, o conceito de limite será usado para definir com mais cuidado o significado da continuidade de uma função.

Ao definir \(\lim f(x)\) quando \(x\to a\), analisamos o comportamento da função \(f=f(x)\) para valores de \(x\) próximos de \(a\), mas \(x \neq a\). Vimos que \(\lim f(x)\) pode existir, mesmo que \(f\) não esteja definida no ponto \(a\). Se \(f\) está definida em \(x=a\) e \(\lim f(x)\) existe, ainda pode ocorrer que este limite seja diferente de \(f(a)\).

Uma ideia errada e muito simples de função real contínua é a de uma função que pode ser traçada em uma folha sem retirar a caneta do papel. Caso se interrompa o gráfico da função e se comece em outro local do papel, ocorre uma descontinuidade. Em contextos avançados, observa-se que este critério é errado, mas para o momento tal análise é suficiente.

Na sequência, mostramos o gráfico de uma função \(f\) contínua (sem interrupção) e um gráfico de uma função g descontínua com uma série de problemas.

Na função descontínua \(g\), observamos que:

  1. Não existe \(\lim g(x)\) quando \(x\to b\), pois os limites laterais de \(g=g(x)\) são diferentes, isto é:
    \[\lim_{x\to b-} g(x) = s \text{ e } \lim_{x\to b+} g(x) = k\]
    embora \(g(b)=k\).
  2. Não existe \(\lim g(x)\) quando \(x\to c\), pois
    \[\lim_{x\to c-} g(x) = \infty \text{ e } \lim_{x\to c+} g(x) = \infty\]
    embora \(g(c)=k\).
  3. Em \(x=d,\) temos
    \[\lim_{x\to d-} g(x) = \lim_{x\to d+} g(x) = s\]
    e \(g(d)=s\). Assim
    \[\lim_{x\to d} g(x)=s\]
    que coincide com o valor de \(g\) no ponto \(x=d\), isto é:
    \[\lim_{x\to d} g(x) = g(d) = s\]
  4. Em \(x=e\), o valor que se obtém não é o esperado, aqui
    \[\lim_{x\to e-} g(x) = k = \lim_{x\to e+} g(x)\]
    mas \(g(e)=z\), logo
    \[\lim_{x\to e} g(x) \neq g(e)\]

A análise dos quatro casos nos leva a uma caracterização do que significa uma função não ser contínua sobre um intervalo \((a,b)\).

A partir desses exemplos, parece que as descontinuidades surgem quando o limite da função não existe, ou quando existe mas não coincide com o valor da função naquele ponto. Vejamos então agora o que é uma função contínua!

2 Definição de função contínua

Seja uma função \(f:|a,b| \to R\) e \(a<c<b\). A função \(f\) é contínua no ponto \(c\), se \(\lim f(x)\) existe quando \(x\to c\) e é igual a \(f(c)\), ou de uma forma mais concisa:

\[\lim_{x\to c}f(x)=f(c)\]

onde \(|a,b|\) é qualquer um dos intervalos das formas: \((a,b)\), \((a,b]\), \([a,b)\) ou \([a,b]\).

Se não existe \(\lim f(x)\) ou se existe \(\lim f(x)\) quando \(x\to c\), mas \(\lim f(x) \neq f(c)\), dizemos que a função \(f\) é descontínua em \(x=c\).

3 Tipos de descontinuidades

Se \(f\) é uma função descontínua em um ponto \(x=c\) do seu domínio, dizemos que:

  1. \(f\) tem descontinuidade de salto (1a. espécie) em \(x=c\), se os limites laterais de \(f\) em \(c\) existem (são finitos) e são diferentes.
  2. \(f\) tem descontinuidade infinita (2a. espécie) em \(x=c\), se a função toma valores arbitrariamente grandes ou arbitrariamente pequenos próximos de \(c\), isto é:
    \[\lim_{x\to c+}f(x)= ±\infty \text{ ou } \lim_{x\to c-}f(x)=±\infty\]

Vimos que a definição de continuidade de uma função no ponto \(x=c\), exige o conceito de limite lateral à esquerda e à direita, portanto só pode ser aplicada a pontos \(c\) de um intervalo aberto.

Podemos mesmo estender esta definição a intervalos fechados, semi-abertos ou infinitos. Por exemplo, uma função \(f\) definida sobre um intervalo do tipo \((a,b)\), \((b,\infty)\) ou \((-\infty,a)\) é contínua nesse intervalo se a definição vale para todo \(x\) no respectivo intervalo citado.

É muito importante saber sempre em que intervalo a função está definida, quando se deseja estudar a sua continuidade.

Definição: Uma função \(f\) definida em um intervalo \([a,b]\) é contínua neste intervalo se \(f\) é contínua em todos os pontos deste intervalo. Assim, para todo \(c\in(a,b)\) se tem:

\[\lim_{x\to c} f(x) = f(c)\]

e nas extremidades \(x=a\) e \(x=b\) do intervalo, se tem:

\[\lim_{x\to a+}f(x) = f(a) \text{ ou } \lim_{x\to b-}f(x) = f(b)\]

Exemplo: A função sinal, definida por:

\[\text{sinal}(x) =\left\{\begin{matrix} 1 & \text{se} & x>0 \\ 0 & \text{se} & x=0 \\ -1 & \text{se} & x<0 \end{matrix}\right.\]

tem uma descontinuidade de salto (1a. espécia) em \(x=0\).

4 Propriedades das funções contínuas

Apresentamos agora algumas propriedades das funções contínuas, que já foram apresentadas na seção das propriedades dos limites de funções.

  1. Sejam \(f\) e \(g\) definidas sobre o intervalo \([a,b]\). Se \(f\) e \(g\) são contínuas em um ponto \(x\in[a,b]\), então também são contínuas as funções: \(f+g\), \(f-g\), \(f·g\) e \(f/g\), desde que \(g=g(x)\neq 0\).
  2. Se \(f\) e \(g\) são contínuas sonre o intervalo \([a,b]\) então, também, são contínuas as funções: \(f+g\), \(f-g\), \(f·g\) e \(f/g\), se \(g=g(x)\neq 0\) em \([a,b]\).
  3. As funções polinomiais, racionais, trigonométricas, exponenciais e logarítmicas, são contínuas em todos os pontos de seus domínios, os quais podem ser intervalos fechados, semi-abertos, abertos ou infinitos.
  4. Seja \(f\) contínua em \([a,b]\) e \(\text{Im}(f)=[c,d]\). Se \(f\) admite inversa \(g\), esta inversa \(g\) é contínua em \([c,d]\).
  5. Se \(x\to a\) implica que \(\lim g(x)=b\) e a função \(f\) é contínua em \(b\), então \(\lim (fog)(x)=f(b)\). quando \(x\to a\), ou seja \(\lim (fog)(x) = \lim f(g(x) = f(\lim g(x))\).
  6. Se \(g\) é contínua em \(a\) e \(f\) é contínua em \(g(a)\), então a função composta \(fog\) é contínua em \(a\).

5 Teorema do Valor Intermediário (TVI)

Se \(f\) é contínua sobre o intervalo fechado \([a,b]\) e \(L\) é um número real tal que \(f(a)<L<f(b)\) ou \(f(b)<L<f(a)\), então existe pelo menos um ponto \(c\in[a,b]\) tal que \(f(c)=L\).

Há uma consequência do Teorema do valor Intermediário que é muito sada na obtenção de zeros (raízes) de funções reais em Análise numérica e em Matemática Financeira.

6 Consequência do Teorema do Valor Intermediário

Se f é contínua sobre \([a,b]\) e se \(f(a)\) e \(f(b)\) tem sinais opostos, então existe pelo menos um número real \(c\in(a,b)\) tal que \(f(c)=0\).

Aplicação em Matemática Financeira: Seja uma situação real em que uma pessoa financiou 24.000,00, para pagar em 24 parcelas iguais de 1.200,00 ao final de cada mês, sem ter dado qualquer valor de entrada. Pergunta-se: Qual é a taxa mensal de juros desta operação? Esta operação é conhecida em Matemática Financeira como um financiamento pelo Sistema Price e para obter a taxa de juros \(i\), devemos resolver a equação:

\[A = R \frac{(1+i)^n-1}{i (1+i)^n}\]

onde A=24000 e R=1200. Se i=0, não existe taxa de juros, razão pela qual esta fórmula não pode ser usada. Para \(i>0\), podemos substituir A e R e escrever:

\[(1+i)^{24}(20i-1)+1=0\]

A função

\[f(i)=(1+i)^{24}(20i-1)+1\]

está mostrada no gráfico seguinte

é contínua (função polinomial) para \(i>0\), assim basta tomar i\(_1=1\%=0,01\) e \(i_2=2\%=0,02\) para observar que \(f(0,01)<0<f(0,002)\), o que garante que existe um número \(i\) entre \(0,01\) e \(0,02\) tal que \(f(i)=0\).

Após algum trabalho obtemos \(i=0,01513=1,513\%\). Para obter este valor de modo rápido, acesse o nosso link sobre Taxas de juros em financiamento pelo Sistema Price.