Matemática Essencial

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Cônicas no plano cartesiano
Carolina da Silva Gonçalves e Ulysses Sodré

Material desta página

1 Introdução

Esta página trata sobre cônicas no plano cartesiano. Primeiramente, definimos seção cônica e eixos principais. Em seguida, classificamos as cônicas e apresentamos a definição de translação e rotação de eixos. Finalmente mostramos como calcular centros de cônicas.

2 Elementos históricos

Quatro partes perdidas dos Elementos de Euclides (270 a.C.) tratavam de elipses, hipérboles e parábolas ou, para usarmos o nome comum, seções cônicas. Estas são curvas obtidas quando um plano intercepta um cone de revolução. Existe uma teoria completa das cônicas num tratado de Apolônio (200 a.C.). Ele mostra, por exemplo, que uma elipse é o lugar descrito por um ponto que se movimenta de tal modo que a soma de suas distâncias a dois pontos dados, os focos, permanecem constantes e também que uma hipérbole é o lugar descrito por um ponto que se movimenta de tal modo que a diferença de suas distâncias a dois pontos dados, os focos, permanecem constantes.

Desde o tempo de Apolônio, as seções têm uma carreira fantástica na Física. Kepler (que era mais astrônomo e físico do que matemático) descobriu por volta de 1610 que os planetas se movem em órbitas elípticas com o Sol em um dos focos. Por volta de 1686 Newton provou em seu livro Principia Mathematica que isso pode ser deduzido da lei de gravitação e das leis da Mecânica. A pedra angular da Mecânica Quântica é o teorema espectral para transformações lineares auto-adjuntas, descendentes das seções cônicas. Nos resultados obtidos por Newton sobre o movimento planetário, aparece a equação das cônicas em coordenadas polares.

A hipérbole é utilizada no estudo descritivo da expansão dos gases em motores a explosão.

A parábola é a curva que descreve a trajetória de um projétil, sem considerar a resistência do ar e aparece ainda na construção de espelhos parabólicos, utilizados em faróis de automóveis e em antenas parabólicas.

3 Seções cônicas

Uma seção cônica é a interseção de uma superfície cônica com um plano no espaço tridimensional. A equação geral de uma seção cônica é dada por

\[Ax^2 + Bxy + Cy^2 + Dx + Ey + F = 0\]

onde \(A,B,C,D,E,F\in R\). Dependendo da forma como ocorre a interseção, obtemos as denominadas curvas cônicas dos mais variados aspectos.

4 Eixos principais

Quando a curva não possui o monômio em \(xy\), a curva tem eixos principais correspondendo às retas \(x=0\) e \(y=0\), conhecidas como eixos principais da cônica. Quando a curva possui o monômio em \(xy\), a curva está rodada de um certo ângulo no plano formado pelos eixos principais.

5 Classificação das cônicas

Consideremos a equação geral

\[q(x,y) = ax^2 + 2bxy + cy^2 + 2dx + 2ey + f = 0\]

onde \(a,b,c,d,e,f\in R\).

A forma acima pode ser escrita como um produto de matrizes:

\[q(x,y)= \begin{pmatrix} x & y \end{pmatrix} \begin{pmatrix} a & b & d \cr b & c & e \cr d & e & f \end{pmatrix} \begin{pmatrix} x \cr y \end{pmatrix}\]

razão pela qual, realizamos a classificação associando os coeficientes da forma quadrática à matriz simétrica \(M\), que contém todos os seus coeficientes:

\[M = \begin{pmatrix} a & b & d \cr b & c & e \cr d & e & f \end{pmatrix}\]

Para classificar as cônicas, podemos calcular:

\begin{align} D &= \det(M) \cr T &= \text{traço}(M)=a+c \cr D_{11} &= cf-e^2 \cr D_{22} &= af-d^2 \cr D_{33} &= ac-b^2 \end{align}

Temos as seguintes possibilidades:

\[\begin{array}{cccl} \hline \text{Condição 1} & \text{Condição 2} & \text{Condição 3} & \text{Cônica} \cr \hline D_{33}>0 & D\neq 0 & T\cdot D>0 & \text{Conjunto vazio} \cr D_{33}>0 & D\neq 0 & T\cdot D<0 & \text{Elipse} \cr D_{33}<0 & D\neq 0 & {} & \text{Hipérbole} \cr D_{33}>0 & D=0 & {} & \text{Um ponto} \cr D_{33}<0 & D=0 & {} & \text{2 retas concorrentes} \cr D_{33}=0 & D\neq 0 & {} & \text{Parábola} \cr D_{33}=0 & D=0 & D_{11}+D_{22}=0 & \text{Uma reta} \cr D_{33}=0 & D=0 & D_{11}+D_{22}>0 & \text{Conjunto vazio} \cr D_{33}=0 & D=0 & D_{11}+D_{22}<0 & \text{2 retas paralelas} \cr \hline \end{array}\]

Exemplo: Para classificar a curva de equação \(x^2+2y^2-x-y+1=0\), tomamos

\[M = \begin{pmatrix} 1 & 0 & -\frac12 \cr 0 & 2 & -\frac12 \cr -\frac12 & -\frac12 & 1 \end{pmatrix}\]

e além disso obtemos \(D=\det(M)=1\), \(D_{33}=2\), \(T=3\), \(D_{11}=\frac32\) e \(D_{22}=\frac34\), logo a curva representa um conjunto vazio.

Um outro modo de mostrar que este conjunto é vazio é reescrever a equação dada na forma

\[\left(x-\frac12\right)^2 + 2\left(y-\frac14\right)^2 = -\frac{7}{16}\]

e como a soma de quadrados de números reais não pode ser negativa, segue que não existem \((x,y)\in R^2\) satisfazendo a esta equação.

Exemplo: Para classificar a curva de equação \(x^2+3y^2+xy-2x+4y-5=0\), temos que

\[M = \begin{pmatrix} 1 & \frac12 & -1 \cr \frac12 & 3 & 2 \cr -1 & 2 & -5 \end{pmatrix}\]

e obtemos \(D=\det(M)=-\frac{91}{4}\), \(D_{33}=\frac{11}{4}\), \(T=4\), \(D_{11}=-19\) e \(D_{22}=-6\). Portanto, a curva representa uma elipse.

6 Translação de Eixos

A translação \(T:R^2\to R^2\) como a aplicação \(T(x,y)=(x+h,y+k)\) onde \(h,k\in R\), sendo que \(h\neq 0\) ou \(k\neq 0\). A aplicação \(T\) não é linear, pois \(T(0,0)=(h,k)\neq(0,0)\).

A ação da translação sobre uma curva neste plano faz com que a curva seja deslocada de um local para soutro local do plano tendo eixos principais naquele local, paralelos aos eixos originais.

Existe uma relação entre as coordenadas \((x,y)\) e \((x_1,y_1)\) (respectivamente, antes e depois de translação) de um ponto qualquer P, quando os eixos sofrem uma translação para uma nova origem \((h,k)\). Desse modo:

\[x=x_1+h \quad e \quad y=y_1+k\]

e esta translação pode ser vista graficamente:

7 Rotação de Eixos

Consideremos que nossa seção cônica tem a equação geral

\[A x^2 +B xy +C y^2 +D x +E y +F = 0\]

sendo que \(A \neq 0\) ou \(B \neq 0\) ou \(C \neq 0\).

Se \(B\neq 0\), um dos eixos da seção cônica não é paralelo ao respectivo eixo coordenado que lhe deu origem e nesse caso, devemos construir um novo sistema de eixos \(uv\), obtidos a partir dos eixos originais \(xy\), através de uma rotação de um ângulo \(t\) em torno da origem do sistema.

As novas coordenadas \((u,v)\) e as antigas \((x,y)\) se relacionam tal que:

\begin{align} x &= u\cos(t)-v\sin(t) \cr y &= u\sin(t)+v\cos(t) \end{align}

Que pode ser escrito na forma matricial

\[\begin{pmatrix} x \cr y \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} \cos(t) & -\sin(t) \cr \sin(t) & \cos(t) \end{pmatrix} \begin{pmatrix} u \cr v \end{pmatrix}\]

Na sequência mostramos algumas curvas com uma rotação de eixos:

Exemplo (Rotação de Eixos): Para transformar a equação \(x^2-y^2=1\), por meio de uma rotação de \(45^0\) de um dos dos eixos coordenados, tomamos \(\sin(45^0)=\cos(45^0)=\sqrt{2}/2\), e segue que

\[\begin{pmatrix} x \cr y \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} \frac12\sqrt{2} & -\frac12\sqrt{2} \cr \frac12\sqrt{2} & \frac12\sqrt{2} \end{pmatrix} \begin{pmatrix} u \cr v \end{pmatrix}\]

e podemos escrever:

\[x=\frac12 \sqrt{2}(u-v) \quad e \quad y=\frac12 \sqrt{2}(u+v)\]

Substituindo \(x\) e \(y\) na equação da hipérbole \(x^2-y^2=1\), obtemos \(uv=-1/2\).

Também podemos realizar o processo inverso, ou seja, simplificar uma equação por meio de uma rotação de eixos. Na maioria das vezes, a resolução de problemas com equações complicadas, se tornam mais simples, quando usamos a base canônica.

Seja a equação geral geral das cônicas como

\[A x^2 +2B xy +C y^2 + z(x,y) = 0\]

notando que o termo \(z(x,y)\) nos dá informações apenas sobre a translação de eixos.

Inicialmente a curva é apresentada em coordenadas cartesianas, contendo o termo misto \(2Bxy\), que é responsável pela rotação de um dos eixos principais da curva.

Utilizamos a matriz de rotação para identificar o ângulo \(t\) que esta curva está rodada. Para isto, devemos construir um novo sistema de coordenadas \((u,v)\), de modo que a mesma curva no novo sistema de coordenadas não apresente um termo misto com uma constante \(kuv\). Como as coordenadas antigas e novas se relacionam pelas expressões:

\begin{align} x &= u\cos(t)-v\sin(t) \\ y &= u\sin(t)+v\cos(t) \end{align}

Substituindo estas expressões nos três termos quadráticos da equação anterior, obtemos:

\[\begin{gather} a u^2\cos^2(t) - 2auv\sin(t)\cos(t) + av^2\sin^2(t) \cr + 2bu^2\sin(t)\cos(t) + 2buv\cos^2(t) -2buv\sin^2(t) \cr -2bv^2\sin(t)\cos(t) + cu^2\sin^2(t) + 2cuv\sin(t)\cos(t) + cv^2\cos^2(t) \end{gather}\]

Devemos exigir que o coeficiente do termo misto em \(uv\) seja nulo, assim:

\[-2a\sin(t)\cos(t)+ 2b\cos^2(t) - 2b\sin^2(t) + 2c\sin(t)\cos(t) = 0\]

Agrupando os termos com \(\cos^2(t)\) e \(\sin^2(t)\), obtemos

\[2b[\cos^2(t)-\sin^2(t)] -(2a-2c)\sin(t)\cos(t)) = 0\]

ou seja

\[(c-a)\sin(2t) = - 2 b\cos(2t)\]

e

\[\frac{\sin(2t)}{\cos(2t)} = \frac{-2b}{c-a}\]

Desse modo,

\[\text{tan}(2t)= \frac{-2b}{c-a}=\frac{2b}{a-c}\]

Das informações acima, obtemos:

\[t = \arctan\left(\frac{2b}{a-c}\right)\]

8 Centros de cônicas

Consideremos a equação geral

\[F(x,y) = a x^2 +2b xy +c y^2 +2d x +2e y +f = 0\]

onde \(a,b,c,d,e,f\in R\) e também a matriz simétrica de seus coeficientes

\[M = \begin{pmatrix} a & b & d \cr b & c & e \cr d & e & f \end{pmatrix}\]

Se a curva possui um único centro, este ponto é obtido pela solução do sistema com duas equações:

\[\begin{matrix} 2ax+2by+2d = 0 \cr 2by+2cx+2e = 0 \end{matrix}\]

que foram obtidas pelas derivadas parciais \(F_x\) e \(F_y\), que pode ser simplificado em:

\[\begin{matrix} ax + by = -d \cr by + cx = -e \end{matrix}\]

Tomando \(D_{33}=ac-b^2\) segue que o sistema tem solução única se \(D_{33}\neq 0\). Usando a regra de Cramer segue que

\[x_c = \frac{be-cd}{D_{33}}, \quad y_c = \frac{bd-ae}{D_{33}}\]

Quando temos uma cônica com centro único, podemos definir a translação \(x=X+x_c\) e \(y=Y+y_c\). E a cônica no novo sistema de coordenadas tem o centro no ponto \((0,0)\) do novo sistema de coordenadas.

Os coeficientes \(a\), \(b\) e \(c\) não sofrem mudanças, mas os coeficientes \(d\), \(e\) e \(f\) podem mudar.

Nota: Para saber se a cônica tem um centro único basta mostrar que \(D_{33}\neq 0\).

Exemplo: A curva \(x^2-2xy+y^2-26x+26y+5=0\) não tem centro único pois o sistema (formado por duas equações de retas coincidentes) é:

\[\begin{matrix} 2x -2y -26 &= 0 \cr -2y +2y +26 &= 0 \end{matrix}\]

informa que \(D_{33}=0\)

Exemplo: A curva \(4x^2-6xy+9y^2+3x-7y+12=0\) tem centro único pois o sistema

\[\begin{matrix} 8x - 6y +3 &= 0 \cr -6x +18y -7 &= 0 \end{matrix}\]

informa que \(D_{33} \neq 0\).

9 Exercícios

Esta seção contém exercícios sobre cônicas no plano cartesiano.

  1. Transformar a equação da circunferência \((x-1)^2+(y-1)^2=1\), por meio de uma rotação de \(30^0\) de um dos dos eixos coordenados. Usando \(\sin(30^0)=1/2\) e \(\cos(30^0)=\sqrt{3}/2\), obtemos
    \[\begin{pmatrix} x \cr y \end{pmatrix} = \begin{pmatrix} \frac12 \sqrt{3} & -\frac12 \cr \frac12 & \frac12 \sqrt{3} \end{pmatrix} \begin{pmatrix} u \cr v \end{pmatrix}\]
    que pode ser escrito na forma
    \[x= \frac12 (\sqrt{3}u-v) \quad e \quad y= \frac12 (u+\sqrt{3}v)\]
    Substituindo \(x\) e \(y\) na equação da circunferência, obtemos \((u-1)^2 + (v-1)^2=1\). Este resultado pode ser previsto facilmente, pois quando rodamos a circunferência \((x-1)^2 + (y-1)^2=1\) por um ângulo \(t\) qualquer, ainda obtemos o mesmo lugar geométrico. Isto ocorre porque, como uma circunferência é uma curva formada por infinitos pontos equidistantes de um centro, e todos estes pontos rodam \(30^0\), como mostra o esboço a seguir: ???
  2. Transformar a equação \(x^2+y^2-6x+4y-12=0\) por meio de uma translação dos eixos para a nova origem \((3,-2)\).
    Aqui, \(h=3\) e \(k=-2\). Assim \(x=X+3\) e \(y=Y-2\). Substituindo estes valores na equação \(x^2+y^2-6x+4y-12=0\), obtemos
    \[(X+3)^2 + (Y-2)^2 -6(X+3) + 4(Y-2) -12 = 0\]
    Que pode ser escrito na forma:
    \[X^2 + 6X + 9 + Y^2 -4Y + 4 -6X-18 + 4Y-8 -12 = 0\]
    para produzir a forma reduzida:
    \[X^2 + Y^2 =25\]
  3. Dada a elipse \(16x^2+12y^2=192\), determinar:
    1. o semi-eixo horizontal.
    2. o semi-eixo vertical.
    3. a semi-distância focal.
    4. a excentricidade da elipse.
    5. as equações das retas diretrizes.
    6. a área da elipse.
  4. Obter a equação canônica da elipse que passa pelos pontos \(A=(4,0)\), \(B=(-4,0)\) e \(C=(3,2)\).
  5. Sobre uma região contendo grama, está um burro com uma argola amarrada próxima à sua boca e esta argola pode deslizar presa a uma corda de 10 metros de comprimento, com as extremidades da corda fixadas nos pontos \(A=(-4,0)\) e \(B=(4,0)\). Qual é a área máxima de grama que este burro pode comer?
  6. Obter a equação da reta que passa por \(P=(9,12)\) e é tangente à elipse \(6x^2+8y^2=48\).
  7. Classificar cada cônica da lista seguinte e reduzir a mesma à sua forma canônica:
    1. \(5x^2-2xy+5y^2-4x+20y+20=0\)
    2. \(5x^2-2xy-5y^2-4x+20y+20=0\)
    3. \(5x^2+2xy+5y^2-4x+20y+20=0\)
    4. \(5x^2-2xy-5y^2+4x-20y-20=0\)
    5. \(5x^2-2xy+5y^2+4x-20y-20=0\)
    6. \(5x^2-25xy+5y^2-4x+20y+20=0\)
    7. \(5x^2+25xy+5y^2-4x+20y+20=0\)
    8. \(9x^2-16y^2=0\)
  8. Determinar o Lugar Geométrico dos pontos \(P=(x,y)\) do plano cujo produto das distâncias a dois pontos fixos \(F_1=(-c,0)\) e \(F_2=(c,0)\), (\(c>0\)) é igual à constante \(a^2\).
  9. Determinar o Lugar Geométrico dos pontos \(P=(x,y)\) do plano cujo produto das distâncias a dois pontos fixos \(F_1=(-c,0)\) e \(F_2=(c,0)\), (\(c>0\)) é igual à constante \(c^2\).
  10. Determinar o ângulo de rotação sobre a curva \(xy=10\) para que esta curva possa ser escrita na forma canônica? Escrever também esta forma canônica.

10 Referências bibliográficas

  1. C. Boyer. História da Matemática. Edit. Edgard Blücher. S.Paulo. Pags.424-427. 1974
  2. H. Eves. Introdução à História da Matemática. 3a.ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP. Pag.552-556. 2002
  3. L. Garding. Encontro com a Matemática. 2a.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1997