Introdução

Esta página trata sobre cônicas no plano cartesiano. Primeiramente, definimos seção cônica e eixos principais. Em seguida, classificamos as cônicas e apresentamos a definição de translação e rotação de eixos. Finalmente mostramos como calcular centros de cônicas.

Elementos históricos

Quatro partes perdidas dos Elementos de Euclides (270 a.C.) tratavam de elipses, hipérboles e parábolas ou, para usarmos o nome comum, seções cônicas. Estas são curvas obtidas quando um plano intercepta um cone de revolução. Existe uma teoria completa das cônicas num tratado de Apolônio (200 a.C.). Ele mostra, por exemplo, que uma elipse é o lugar descrito por um ponto que se movimenta de tal modo que a soma de suas distâncias a dois pontos dados, os focos, permanecem constantes e também que uma hipérbole é o lugar descrito por um ponto que se movimenta de tal modo que a diferença de suas distâncias a dois pontos dados, os focos, permanecem constantes.

Desde o tempo de Apolônio que as seções têm uma carreira fantástica na Física. Kepler (que era mais astrônomo e físico do que matemático) descobriu por volta de 1610 que os planetas se movem em elipses com o sol num dos focos. Por volta de 1686 Newton provou em seu livro Principia Mathematica que isso pode ser deduzido da lei de gravitação e das leis da Mecânica. A pedra angular da Mecânica Quântica é o teorema espectral para transformações lineares auto-adjuntas, descendentes das seções cônicas. Nos resultados obtidos por Newton sobre o movimento planetário, aparece a equação das cônicas em coordenadas polares.

A hipérbole é utilizada no estudo descritivo da expansão dos gases em motores a explosão.

A parábola é a curva que descreve a trajetória de um projétil, desprezando a resistência do ar. Aparece ainda na construção de espelhos parabólicos, utilizados em faróis de automóveis e em antenas parabólicas.

Seções cônicas

Uma seção cônica é a interseção de uma superfície cônica com um plano no espaço tridimensional. A equação geral de uma seção cônica é dada por

Ax² + Bxy + Cy² + Dx + Ey + F = 0

onde A,B,C,D,E,F inR. Dependendo da forma como ocorre a interseção, obtemos as denominadas curvas cônicas dos mais variados aspectos.

Eixos principais

Quando a curva não possui o monômio em xy, diz-se que a curva tem eixos principais correspondendo às retas x=0 e y=0, conhecidas como eixos principais da cônica. Quando a curva possui o monômio em xy, diz-se que a curva está rodada de um certo ângulo no plano formado pelos eixos principais.

Classificação das cônicas

Consideremos a equação geral

q(x,y) = ax² + 2bxy + cy² + 2dx + 2ey + f = 0

onde a,b,c,d,e,f inR. A forma acima pode ser escrita como um produto de matrizes:

q(x,y) =
x y
.
a b d
b c e
d e f
.
x
y

razão pela qual, realizamos a classificação associando os coeficientes da forma quadrática à matriz simétrica M:

M =
a b d
b c e
d e f

Para classificar as cônicas, definiremos D=det(M), t=a+c e os cofatores D11=c.f−e², D22=a.f−d² e D33=a.c−b².

Temos as seguintes possibilidades:

Condição 1 Condição 2 Condição 3 Nome da cônica
D33>0 Dneq0 t.D > 0 Conjunto vazio
D33>0 Dneq0 t.D < 0 Elipse
D33<0 Dneq0   Hipérbole
D33>0 D=0   Um ponto
D33<0 D=0   2 retas concorrentes
D33=0 Dneq0   Parábola
D33=0 D=0 D11+D22=0 Uma reta
D33=0 D=0 D11+D22>0 Conjunto vazio
D33=0 D=0 D11+D22<0 2 retas paralelas

Exemplos: Classificar as cônicas cuja equação geral está indicada.

  1. Para a curva x²+2y²−x−y+1=0, segue que

    M =
    1 0 −1/2
    0 2 −1/2
    −1/2 −1/2 1

    e além disso D=det(M)=1, D33=2, t=3, D11=3/2 e D22=3/4, logo a curva representa um conjunto vazio.

    Um outro modo de mostrar que este conjunto é vazio é reescrever a equação dada na forma

    (x−1/2)² + 2(y−1/4)² = −7/16

    e como a soma de quadrados de números reais não pode ser negativa, segue que não existem (x,y) inR² satisfazendo a esta equação.

  2. Para a curva x²+3y²+xy−2x+4y−5=0, temos que

    M =
    1 1/2 −1
    1/2 3 2
    −1 2 −5

    Temos também que, D=det(M)=−91/4, D33=11/4, t=4, D11=−19 e D22=−6. Portanto a curva representa uma elipse.

Translação de Eixos

Definimos a translação T:R²toR² como a aplicação T(x,y)=(x+h,y+k) onde h,kinR, sendo que hneq0 ou kneq0. A aplicação T não é linear, pois T(0,0)=(h,k)

A ação da translação sobre uma curva neste plano faz com que a curva seja desenhada em outro local do plano tendo eixos principais naquele local, paralelos aos eixos originais.

Existe uma relação entre as coordenadas (x,y) e (x1,y1) (respectivamente, antes e depois de translação) de um ponto qualquer P, quando os eixos sofrem uma translação para uma nova origem (h,k). Desse modo:

x=x1+h     e    y=y1+k

e esta translação pode ser vista graficamente:

fig

Rotação de Eixos

Consideremos que nossa seção cônica tem a equação geral

A x² +B xy +C y² +D x +E y +F = 0

sendo não nulas, pelo menos uma das constantes A, B ou C.

Quando o coeficiente Bneq0, um dos eixos da seção cônica não é paralelo ao correspondente eixo coordenado que lhe deu origem e nesse caso, devemos construir um novo sistema de eixos uv, obtidos a partir dos eixos originais xy, através de uma rotação de um ângulo t em torno da origem do sistema.

As novas coordenadas (u,v) e as antigas (x,y) se relacionam da seguinte maneira:

x = u cos(t) − v sen(t)
y = u sen(t) + v cos(t)

Que pode ser escrito na forma matricial

x
y
=
cos(t) −sen(t)
sen(t) cos(t)
.
u
v

Na sequência mostramos desenhos com uma rotação de eixos:

fig  fig  fig

Exemplo (Rotação de Eixos): Transformar a equação x²−y²=1, por meio de uma rotação de 45 graus de um dos dos eixos coordenados.

Se R[2] denota a raiz quadrada de 2, escrevemos sen(450)=cos(450)=R[2]/2 e segue que

x
y
=
R[2]/2 −R[2]/2
R[2]/2 R[2]/2
.
u
v

que pode ser escrito na forma

x=R[2](u−v)/2      e    y=R[2](u+v)/2

Substituindo na equação da hipérbole x²−y²=1, obtemos u.v=−1/2

Podemos também realizar o processo inverso, ou seja, simplificar uma equação por meio de uma rotação de eixos. Na maioria das vezes, a resolução de problemas com equações complicadas, se tornam mais simples, se utilizamos a base canônica.

Consideremos agora a equação geral geral das cônicas como sendo

A x² +2B xy +C y² + z(x,y) = 0

Lembramos que o termo z(x,y) nos dá informações apenas sobre translação de eixos.

Inicialmente a curva é apresentada em coordenadas cartesianas, contendo o termo misto 2Bxy, que é responsável pela rotação de um dos eixos principais da curva.

Utilizaremos a matriz de rotação para identificar o ângulo t que esta curva está rodada. Para isto, necessitamos construir um novo sistema de coordenadas (u,v), de modo que a mesma curva no novo sistema de coordenadas não apresente um termo misto com uma constante kuv. Como as coordenadas antigas e novas se relacionam desta maneira,

x = u cos(t) − v sen(t),      y = u sen(t) + v cos(t)

Substituindo estas expressões na equação anterior, obtemos:

a u² cos²(t) − 2a uv sen(t)cos(t) + a v² sen(t)² + 2b u² sen(t)cos(t)
+ 2b uv cos²(t) − 2b uv sen²(t) − 2b v² sen(t)cos(t)
+ c u² sen²(t) + 2c uv sen(t)cos(t) + c v² cos²(t)

Devemos garantir que o coeficiente do termo misto em uv seja nulo.

Desse modo

(−2a sen(t)cos(t)+ 2b cos²(t) − 2b sen²(t) + 2c sen(t)cos(t)) = 0

Agrupando os termos com cos²(t) e sen²(t), obtemos

  1. (2b cos²(t) −2b sen²(t) −2a sen(t)cos(t) +2c sen(t)cos(t)) = 0

  2. 2 b cos(2t) + (c−a) sen(2t) = 0

  3. (c−a) sen(2t) = − 2 b cos(2t)

Assim

tan(2t) =
−2b
c−a
=
2b
a−c
=
2tan(t)
1−tan²(t)

Das informações acima, obtemos:

2b
a−c
=
2tan(t)
1−tan²(t)

Centros de cônicas

Consideremos a equação geral

f(x,y) = a x² +2b xy +c y² +2d x +2e y +f = 0

onde a,b,c,d,e,f inR e também a matriz simétrica de seus coeficientes

M =
a b d
b c e
d e f

Se a curva possui um único centro, este ponto é obtido pela solução do sistema com duas equações:

2ax + 2by + 2d = 0
2by + 2cx + 2e = 0

que foram obtidas pelas derivadas parciais fx e fy, que pode ser simplificado em:

ax + by = −d
by + cx = −e

Tomando D33=ac−b² segue que o sistema tem solução única se D33neq0. Usando a regra de Cramer segue que

xc =
be−cd
D33
   yc =
bd−ae
D33

Quando temos uma cônica com centro único, podemos definir a translação x=X+xc e y=Y+yc. E a cônica no novo sistema de coordenadas terá o centro no ponto (0,0) do novo sistema de coordenadas.

Os coeficientes a, b e c não sofrerão mudanças, mas os coeficientes d, e e f poderão mudar.

Observação: Para saber se a cônica tem um centro único basta mostrar que D33neq0.

Exemplo de cônica sem centro: A curva x²−2xy+y²−26x+26y+5=0 não tem centro único pois o sistema

2x −2y −26 = 0
−2y +2y +26 = 0

nos informa que D33=0

Exemplo de cônica com centro: A curva 4x²−6xy+9y²+3x−7y+12=0 tem centro único pois o sistema

8x − 6y +3 = 0
−6x +18y −7 = 0

nos informa que D33 neq0.

Exercícios

Esta seção contém exercícios sobre cônicas no plano cartesiano.

  1. Transformar a equação da circunferência (x−1)²+(y−1)²=1, por meio de uma rotação de 30 graus de um dos dos eixos coordenados.

    Se R[3] é a raiz quadrada de 3 e usando os valores sen(300)=1/2 e cos(300)=R[3]/2, temos que

    x
    y
    =
    R[3]/2 −1/2
    1/2 R[3]/2
    .
    u
    v

    que pode ser escrito na forma

    x = R[3]/2 u − 1/2 v
    y = 1/2 u + R[3]/2 v

    Substituindo x e y na equação da circunferência, obtemos (u−1)² + (v−1)²=1.

    Este resultado podia ser facilmente previsto, isto é, quando rodamos a circunferência (x−1)² + (y−1)²=1 de um ângulo de 30 graus, obtivemos o mesmo lugar geométrico. Isto ocorre porque, como uma circunferência é uma curva formada por infinitos pontos, estes pontos apenas rodam 30, como mostra o esboço a seguir:

  2. Transformar a equação x²+y²−6x+4y−12=0 por meio de uma translação dos eixos para a nova origem (3,−2).

    Neste caso, temos que, h=3 e k=−2. Assim x=X+3 e y=Y−2. Substituindo estes valores na equação x²+y²−6x+4y−12=0, obtemos

    (X+3)² + (Y−2)² −6(X+3) + 4(Y−2) −12 = 0

    Que pode ser escrito na forma reduzida,

    X² + Y² = 25
  3. Dada a elipse 16x²+12y²=192, determinar:

    1. o semi-eixo horizontal.

    2. o semi-eixo vertical.

    3. a semi-distância focal.

    4. a excentricidade da elipse.

    5. as equações das retas diretrizes.

    6. a área da elipse.

  4. Obter a equação canônica da elipse que passa pelos três pontos A=(4,0), B=(−4,0) e C=(3,2).

  5. Sobre uma região contendo grama, está um burro com uma argola amarrada próxima à sua boca e esta argola pode deslizar presa a uma corda de 10 metros de comprimento, com as extremidades da corda fixadas nos pontos A=(−4,0) e B=(4,0). Qual é a área máxima de grama que este burro pode comer?

  6. Obter a equação da reta que passa pelo ponto P=(9,12) e é tangente à elipse 6x²+8y²=48.

  7. Para cada cônica abaixo, realizar a sua classificação e reduzir à sua forma canônica.

    1. 5x²−2xy+5y²−4x+20y+20=0

    2. 5x²−2xy−5y²−4x+20y+20=0

    3. 5x²+2xy+5y²−4x+20y+20=0

    4. 5x²−2xy−5y²+4x−20y−20=0

    5. 5x²−2xy+5y²+4x−20y−20=0

    6. 5x²−25xy+5y²−4x+20y+20=0

    7. 5x²+25xy+5y²−4x+20y+20=0

    8. 9x²−16y²=0

  8. Determinar o Lugar Geométrico dos pontos P=(x,y) do plano cujo produto das distâncias a dois pontos fixos F1=(−c,0) e F2=(c,0), (c>0) é igual a uma constante a².

  9. Determinar o Lugar Geométrico dos pontos P=(x,y) do plano cujo produto das distâncias a dois pontos fixos F1=(−c,0) e F2=(c,0), (c>0) é igual a c².

  10. Determinar o ângulo de rotação sobre a curva xy=10 para que ela possa ser escrita na forma canônica? Escrever também esta forma canônica.

Referências bibliográficas

  1. C. Boyer. História da Matemática. Edit. Edgard Blücher. S.Paulo. Pag.424-427. 1974

  2. H. Eves. Introdução à História da Matemática. 3a.ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP. Pag.552-556. 2002

  3. L. Garding. Encontro com a Matemática. 2a.ed. Brasília: Edit. Univ. de Brasília. 1997

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