Matemática Essencial

Ensino Fundamental, Médio e Superior no Brasil

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Relações
Matias J.Q.Neto
Ulysses Sodré

Material desta página

1 Introdução às relações

Sejam dois conjuntos \(A=\{a,b,c\}\) e \(B=\{r,s\}\) relacionados de algum modo, associando o valor \(a\in A\) ao valor \(r\in B\), \(a\in A\) ao valor \(s\in B\), \(b\in A\) ao valor \(s\in B\) e \(c\in A\) ao valor \(r\in B\).

Para indicar que os elementos de \(A\) estão associados com os elementos de \(B\) da forma citada antes, usamos um modo para fazer isto através de um objeto matemático denominado relação, indicada por \(R\) e escrita na forma de um conjunto de pares ordenados:

\[R = \{(a,r),(a,s),(b,s),(c,r)\}\]

A definição seguinte sintetiza tudo.

2 Relação

Sejam \(A\) e \(B\) dois conjuntos não vazios. Uma relação \(R\) de \(A\) em \(B\), é qualquer subconjunto de \(A{\times}B\) (produto cartesiano), isto é, \(R\) é um conjunto tal que: \(R\subset A{\times}B\). Se \(A=B\), dizemos apenas que \(R\) é uma relação em \(A\) ao invés de dizer relação de \(A\) em \(A\).

Exercício: Construir um diagrama para a relação \(R\) em \(A=\{a,b,c\}\) definida por

\[R = \{(a,b),(b,c),(c,a),(c,b)\}\]

Neste caso, temos que \((a,b)\in R\) significando que \(a\) está relacionado com \(b\) e que às vezes escrevemos \(aRb\).

Exemplo: Consideremos \(S\) a relação formada pelo conjunto de todos os pares de números inteiros, definida por \((a,b)\in S\) se, e somente se, \(|a|+|b|=2\).

Atribuímos valores para \(a\) e obtemos os correspondentes valores de \(b\). Por exemplo, se \(a=1\) então \(1+|b|=2\) ou seja \(|b|=1\) implica que \(b=1\) ou \(b=-1\). Assim \((1,1)\in S\) e \((1,-1)\in S\).

Analisando todas as possibilidades, obtemos

\[S = \{(-2,0),(-1,-1),(-1,1),(0,-2),(0,2),(1,-1),(1,1),(2,0)\}\]

3 Propriedades das Relações

Se \(A\) é um conjunto não vazio e \(R\) é uma relação em \(A\), podemos explorar as seguintes situações:

  1. Reflexividade: Se \(a\in A\), pode ser que \(aRa\) ou que \(a\) não esteja em relação com o próprio \(a\). Se \(aRa\) para todos os elementos \(a\in A\), dizemos que \(R\) é uma relação reflexiva. Se não é verdade que \(aRa\) para todo \(a\in A\), diremos que \(R\) não é reflexiva.
  2. Simetria: Se \(aRb\) então pode ser que \(bRa\) ou não. Se para todo par \((a,b)\in R\) temos que \(aRb\) também implica que \(bRa\), dizemos que \(R\) é simétrica. Se existe algum par \((a,b)\in R\) tal que (\(b,a)\notin R\), então \(R\) não é simétrica.
  3. Transitividade: Se \(aRb\) e \(bRc\), pode acontecer que \(aRc\) ou que \((a,c)\notin R\). Se, para todo par \((a,b)\in R\) e para todo par \((b,c)\in R\) temos que \((a,c)\in R\), dizemos que \(R\) é transitiva. Para que \(R\) não seja transitiva, basta que exibir um par \((a,b)\in R\) e um outro par \((b,c)\in R\) de tal modo que \((a,c)\notin R\).
  4. Anti-simetria: Se \((a,b)\in R\), pode ocorrer que \((b,a)\in R\) ou que \((b,a)\in R\). Se \((a,b)\in R\) com \(a\neq b\) implicar que \((b,a)\nitin R\), dizemos que \(R\) é anti-simétrica. Para que \(R\) não seja anti-simétrica, basta exibir dois pares \((a,b)\in R\) e \((b,a)\in R\) com \(a\neq b\).

Exercício: Provar que \(R\) não é reflexiva se, e somente se, existe \(x\in A\) que não está em relação com o próprio \(x\), isto é, \((x,x)\notin R\).

Outras propriedades interessantes: Irreflexiva, Assimétrica e Intransitiva. Elas aparecem em outras áreas científicas, mas não tratamos sobre elas. Caso tenha interesse em estudar Teoria de Conjuntos, consulte o livro: Teoria Intuitiva dos Conjuntos com aplicações à Biologia, Abe e Papavero, Makron Books.

4 Relação de Equivalência

Uma relação de equivalência sobre o conjunto \(A\) é uma relação \(R\) que possui as propriedades: reflexiva, simétrica e transitiva.

Exemplos:

  1. Seja \(R\) a relação definida no conjunto dos números reais por \((x,y)\in R\) se, e somente se, \(|x|=|y|\). Para todo \(x\) real, temos que \(xRx\), pois \(|x|=|x|\), garantindo que \(R\) é reflexiva. Se \(xRy\) então \(|x|=|y|\) e segue que \(yRx\) pois \(|y|=|x|\), provando que \(R\) é uma relação simétrica. Se \(aRb\) e \(bRc\), então \(|a|=|b|\) e \(|b|=|c|\), então \(|a|=|c|\), ou seja \(aRc\), logo \(R\) é transitiva. Concluímos que \(R\) é uma relação de equivalência.
  2. Seja \(\cong\) a relação em \(Z\) definida por \(a\cong b(5)\) se, e somente se, \(5|(a-b)\) que é lida como: \(5\) divide \(a-b\). Observamos que \(6\cong 1(5)\) pois \(5|(6-1)\) e que também \(27\cong 2(5)\) porque \(5|(27-2)\). Assim, para todo \(x\in Z\) temos que \(x\cong x(5)\) pois \(5|0=x-x\). Se \(x\cong y(5)\) então \(y\cong x(5)\) pois a primeira expressão significa \(5|(x-y)\) e a segunda significa que \(5|(y-x)\). Se a primeira é verdadeira, então a segunda também o será. Observe que \(x-y\) e \(y-x\) somente diferem no sinal. Se \(a\cong b(5)\) e \(b\cong c(5)\) então \(5|(a-b)\) e \(5|(b-c)\) então \(5|(a-b)+(b-c)\) ou seja \(5|(a-c)\), logo a relação \(\cong\) é transitiva e temos aqui outra relação de equivalência.
  3. Seja \(R\) a relação definida no plano cartesiano por \((a,b)R(c,d)\) se, e somente se, \(a^2+b^2=c^2+d^2\). Se \((x,y)\) é um par ordenado tal que \((x,y)R(3,4)\), então \(x^2+y^2=3^2+4^2=25\) o que significa que devemos obter pontos \((x,y)\) na circunferência com raio \(5\), centrada na origem \((0,0)\). Um desses pontos é \((5,0)\). Obtenha muitos outros pontos com esta propriedade.
    Vale a propriedade reflexiva, pois \((x,y)R(x,y)\) significa que \(x^2+y^2=y^2+x^2\) o que é verdadeiro.
    Se \((a,b)R(c,d)\) então \(a^2+b^2=c^2+d^2\), então \(c^2+d^2=a^2+b^2\) o que garante que \((c,d)R(a,b)\), assim, \(R\) é uma relação simétrica.
    Se \((a,b)R(c,d)\) e \((c,d)R(m,n)\) então \(a^2+b^2=c^2+d^2\) e \(c^2+d^2=m^2+n^2\) logo \(a^2+b^2=m^2+n^2\), isto é, \((a,b)R(m,n)\) e assim \(R\) é transitiva.
  4. Uma relação de equivalência em um conjunto é um tipo de conceito matemático que está muito próximo de uma relação de igualdade. Vejamos um exemplo disso: Seja \(\cong\) a relação em \(Q\) definida por \(a/b\cong c/d\) se, e somente se, \(a*d=b*c\) (Produto dos meios é igual ao produto dos extremos em uma proporção). Pode-se verificar que \(\cong\) é uma relação de equivalência. Temos que \(2/3\cong 6/9\) mas muitas vezes afirmamos que \(2/3=6/9\).

5 Classes de Equivalência

Seja \(A\) um conjunto e \(\equiv\) uma relação de equivalência sobre \(A\). Para cada \(a\in A\) podemos construir o conjunto de todos os elementos \(x\in A\) que são equivalentes ao elemento \(a\in A\). Indicamos tal conjunto por \([a]\), isto é:

\[[a] = \{x\in A: x \equiv a \}\]

O conjunto \([a]\) nunca é vazio, pois a propriedade reflexiva garante que \(a\in [a]\). O conjunto \([a]\) recebe o nome de classe de equivalência de \(a\), que também pode ser denotada por \(cl(a)\) ou com uma barra sobre a letra \(a\).

Exemplos: No Exemplo 1. segue que:

\[[2]=\{-2,2\},\quad [0]=\{0\},\quad [t]=\{-|t|,|t|\} \tag{$t\neq 0$}\]

No Exemplo 2, temos que

\begin{align} [2] &= \{x\in Z: x\cong 2\mod(5)\} \\ &= \{x\in Z:5|(x-2)\} \\ &= \{x\in Z:x-2=5t,t\in Z\} \\ &= \{2+5t:t\in Z\} \\ &= 2+5Z \end{align}

Analogamente, por exemplo: \([4]=4+5Z\) e \([0]=0+5Z=5Z\).

Demonstra-se que \([5]=[0]\) e em geral, se \(a=5q+r\) então \([a]=[r]\).

Neste caso, a coleção \(Z_5\) de todas as classes de equivalência é:

\[Z_5 = \{ [0], [1], [2], [3], [4] \}\]

No Exemplo 3, temos que

\[[(2,3)] = \{(x,y):(x,y)R(2,3)\} = \{(x,y):x^2+y^2=13\}\]

que é uma circunferência centrada em \((0,0)\).

A classe \([(3,4)]\) é a circunferência de raio \(5\) centrada em \((0,0)\).

No Exemplo 4, temos:

\[[2/5] = \{a/b\in Q: a/b\cong 2/5 \} = \{ ±2/5, ±4/10, ±6/15, \cdots\}\]

Exercícios:

  1. Seja \(P=\{\{1,2\},\{3,4,5\},\{6\}\}\) uma partição do conjunto \(X=\{1,2,3,4,5,6\}\). Se \(a,b\in X\), definimos a relação \(aRb\) se, e somente se, existe um subconjunto \(M\) do conjunto \(P\) com \(a,b\in M\). Mostrar que \(R\) é uma relação de equivalência e que as classes de equivalência são exatamente os elementos de \(P\).
  2. Mostrar que a relação \(R\) formada por pares de números inteiros, definida por \((a,b)R(c,d)\) se, e somente se, \(a+d=b+c\) é uma relação de equivalência. Determinar a classe do par ordenado \((2,1)\).

6 Relação de Ordem

Uma relação de ordem \(R\) sobre um conjunto \(A\) é uma relação \(R\) que possui as propriedades reflexiva, anti-simétrica e transitiva.

Exemplos:

  1. Seja \(R\) a relação em \(N\) definida por \(aRb\) se, e somente se, \(a\leq b\). Para todo número natural \(a\) tem-se \(a\leq a\) e vale a propriedade reflexiva. Se \(a\leq b\) e \(b\leq c\) então \(a\leq c\) e vale a propriedade transitiva.
  2. Seja \(X\) um conjunto e \(P=P(X)\) o conjunto de todas as partes do conjunto \(X\). Se \(M\in P\) e \(N\in P\), definimos \(MRN\) se, e somente se, \(M\subset N\). \(R\) é uma relação de ordem.
  3. Seja uma relação \(D\) sobre o conjunto \(N\) dos números naturais tal que \((a,b)\in D\) se, e somente se, \(a|b\) (\(a\) divide \(b\)), isto é, se existe \(c\in N\) tal que \(b=ac\). Qualquer que seja \(a\in N\) temos que \(a|a\) pois \(a=1a\), garantindo que a relação é reflexiva. Se \(a\in N\) e \(b\in N\) e temos que \(a|b\) e \(b|a\), então necessariamente temos que \(a=b\) e a relação é anti-simétrica. Se \(a|b\) e \(b|c\) então facilmente temos que \(a|c\), garantindo que a relação é transitiva.
  4. Definimos uma relação \(D\) sobre o conjunto dos números inteiros, com \((a,b)\in D\) se, e somente se, \(a|b\). Mostrar que esta relação \(D\) não é uma relação de ordem.

Exercício:

A ordem lexicográfica \(\prec\) sobre um conjunto \(A\) é aquela seguida na organização de um dicionário. Em um dicionário a letra \(a\) precede a letra \(c\), denotada por \(a\prec c\) que se lê: \(a\) precede \(c\). Da mesma forma:

\[a \prec abe, \quad aab \prec aabc, \quad bace \prec bb\]

Outra situação: \(1\prec 3\) que se lê: 1 precede 3. Analogamente:

\[1\prec 125,\quad 112\prec 1123,\quad 2135\prec 22\]

Mostrar que \(\prec\) é uma relação de ordem sobre N.

Exercício: Se \(a\in Z\) e \(b\in Z\) definimos a relação \(a\prec b\) se, e somente se, \(b-a\in N\). Mostrar que \(\prec\) é uma relação de ordem sobre \(Z\).