Matemática Essencial

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Números inteiros e Números racionais
Ulysses Sodré

Material desta página

1 Construção dos Números Inteiros

O conjunto dos números naturais não é suficiente para tratar muitas questões matemáticas, mesmo algumas bem corriqueiras.

Por exemplo, se dividimos um bolo em duas partes iguais, não temos como exprimir o resultado dessa divisão usando números naturais. Os saldos bancários nem sempre são positivos, isto é, às vezes sacamos do banco quantias que não temos.

Muitas são as situações em que o conjunto \(N\) é insuficiente. Para resolver essa situação vamos construir um novo conjunto ampliando \(N\). Temos duas escolhas: construir o conjunto dos números inteiros (é o que faremos) ou o conjunto dos números fracionários positivos.

Para construir \(Z\) vamos considerar equações do tipo \(x+a=b\) com \(a,b \in N\). Se a equação for solúvel (tem solução) em \(N\) a sua solução é \(x=b-a\) como já vimos. Ainda que a equação acima não seja solúvel em \(N\), vamos indicar a sua solução por \(x=b-a\).

Definição: O conjunto dos números inteiros, denotado por \(Z\), é definido por

\[Z = \{m-n : m,n \in N \}\]

Um resultado imediato é que \(N \subset Z\), uma vez que se \(p\in N\) então \(p=p-0 \in Z\).

Por outro lado, \(Z\) não está contido em \(N\) pois, \(2-3 \in Z\) mas \(2-3 \notin N\).

Para as operações em \(Z\), desejamos que o maior número possível de propriedades de \(N\) continuem válidas. Mais especificamente, queremos que sejam válidas as propriedades enunciadas nas páginas sobre o conjunto dos números naturais. Usando-os, temos as seguintes definições:

2 Adição em Z

Se \(p=a-b\in Z\) e \(q=c-d\in Z\), define-se a adição de \(p\) e \(q\) em \(Z\), por

\[p + q = (a-b)+(c-d)=(a+c)-(b+d)\]

Exemplos:

  1. \(2+3=(2-0)+(3-0)=(2+3)-(0+0)=5-0=5\), mostra que a soma de números naturais é feita do mesmo resultado que antes;
  2. \((2-3)+(4-1)=(2+4)-(3+1)=6-4=2\);
  3. \((2-3)+(5-8)=(2+5)-(3+8)=7-11\)

3 Multiplicação em Z

Se \(p=a-b\in Z\) e \(q=c-d\in Z\), define-se a multiplicação de \(p\) e \(q\) em \(Z\), por

\[p*q = (a-b)(c-d) = (ac+bd)-(bc+ad)\]

Exemplos:

  1. \(2.3=(2-0)(3-0)=(2.3+0.0)-(2.0+0.3)=6-0=6\), mostra que o produto de números naturais é realizada do mesmo modo que antes;
  2. \((2-3)(1-4)=(2.1+3.4)-(2.4+3.1)=14-11=3\);
  3. \((6-2)(3-5)=(6.3+2.5)-(6.5+2.3)=28-36\)

Nota: Um detalhe sobre \(Z\) que fazemos é que os números naturais de \(Z\) podem ser escritos de muitas formas. Por exemplo: \(2=2-0=3-1=4-2=5-3\), etc.

Em qualquer das igualdades a soma dos extremos é igual à soma dos meios: \(3-1=4-2\) e \(3+2=1+4\). Vamos usar esse fato para enunciar o seguinte teorema:

Teorema: Os números inteiros \(p=a-b\) e \(q=c-d\) são iguais se, e somente se, \(a+d=b+c\).

Demonstração: Vamos supor que \(a-b=c-d\), isto é, as soluções de \(x+b=a\) e \(y+d=c\) sejam iguais. Somando \(d\) aos dois membros da primeira das equações e \(b\) aos dois membros da segunda equação (o que não muda suas soluções) obtemos: as soluções de \(x+b+d=a+d\) e \(y+b+d=b+c\) são iguais.

Ora, isso só é possível se \(a+d=b+c\). Por outro lado, se \(a+d=b+c\) estas últimas equações são idênticas (só diferindo no nome da incógnita) e assim, elas têm a mesma solução. A solução da primeira é \(a-b\) e a solução da segunda é \(c-d\), concluindo a demonstração.

Exemplo

  1. \(6-2=20-16\) pois \(6+16=2+20\);
  2. \(1-7=6-12\) porque \(1+12=7+6\).

Para evitar muiotas formas de escrever um número inteiro, temos o seguinte teorema.

Teorema: Sejam \(m,n \in N\). Então:

  1. Se \(m \geq n\) então \(m-n\) e \((m-n)-(n-n)=(m-n)-0\) são iguais;
  2. Se \(m \leq n\) então \(m-n\) e \((m-m)-(n-m)=0-(n-m)\) são iguais.

Demonstração: \(m-n=(m-n)-0\) porque \(m+0=n+(m-n)\).

Analogamente, \(m-n=0-(n-m)\) porque \(m+(n-m)=n+0\).

Como aplicação deste resultado vamos escrever uma forma mais simples para \(20-12\) e para \(13-21\). Como \(12 \leq 20\), vamos subtrair \(12\) de cada termo, reduzindo a \(8-0\). Para o segundo número, vamos subtrair \(13\) de cada termo para obter \(0-8\).

Resumindo, podemos escrever:

\[Z = \{a-b: a,b \in N \text{ e } a=0 ou b=0\}\]

Notação: Os números inteiros da forma \(0-a\) com \(a \in N\) são indicados por \(-a\); os números da forma \(a-0\) com \(a \in N\) indicam por \(+a\) ou apenas \(a\), dependendo da situação.

Assim

\[Z = \{\cdots,-3,-2,-1,0,1,2,3,\cdots\}\]

Para ser mais completo na exposição, temos os seguintes teoremas:

Teorema: As operações com números inteiros não dependem das diferenças utilizadas.

Antes da demonstração, vamos apresentar alguns exemplos:

  1. Os números \(2-0\) e \(3-1\) são iguais. Da mesma forma \(6-0=8-2\). Então, as somas \((2-0)+(6-0)\) e \((3-1)+(8-2)\) devem ser iguais. A primeira soma é \(8-0=8\) e a segunda \(11-3=8\), como era esperado. Os produtos são \(12-0=12\) e \((3.8+1.2)-(3.2+1.8)=26-14=12\), tambem já esperado.
  2. Analogamente, \(0-3=5-8\), \(0-4=2-6\) e \((0-3)+(0-4)=0-7=-7\) mas \((5-8)+(2-6)=(5+2)-(8+6)=7-14=-7\). Os produtos são \((0-3)(0-4)=(0.0+3.4)-(0.4+3.0)=12-0=12\) e \((5-8)(2-6)=(5.2+8.6)-(5.6+8.2)=58-46=12\).

Demonstração: Se \(a-b=a'-b'\) e \(c-d=c'-d'\), a soma \((a-b)+(c-d)=(a+c)-(b+d)\) é a mesma que \((a'-b')+(c'-d')=(a'+c')-(b'+d')\)?

Sim, Por hipótese, se \(a+b'=b+a'\) e \(c+d'=d+c'\), então

\[(a+c)+(b'+d')=(a+b')+(c+d')= (a'+b)+(c'+d)=(a'+c')+(b+d)\]

A demonstração para a multiplicação fica como exercício.

  1. Para calcular \(-3+8\), temos que:
  2. Para calcular \((-3)*8\) temos que

Exercícios:

  1. Calcular \(3+2\), \((-3)+2\), \(3+(-2)\) e \((-3)+(-2)\).
  2. Calcular \(3*2\), \((-3)*2\), \(3*(-2)\) e \((-3)*(-2)\).
  3. Enunciar regras de sinais para a soma e produto de números inteiros). Dica: Não precisamos dessas regras|
  4. Provar que a equação \(x+a=b\) com \(a,b \in Z\) sempre tem solução em \(Z\). Dica: Utilizar \(a=m-n\) e \(b=r-s\).
  5. Definir a subtração (diferença) de números inteiros a partir dos últimos teoremas da seção anterior e calcular \(3-2\), \((-3)-2, 3-(-2)\) e \((-3)-(-2)\).

Teorema: As operações adição e multiplicação em \(Z\) têm as seguintes propriedades:

  1. Associativa: Para quaisquer \(a,b,c\in Z\), tem-se que \((a+b)+c=a+(b+c)\) e \((ab)c=a(bc)\).
  2. Comutativa: Para quaisquer \(a,b\in Z\), tem-se que \(a+b=b+a\) e \(ab=ba\).
  3. Existência dos Elementos Neutro e Identidade: Para qualquer \(a \in Z\)
  4. existe \(0 \in Z\) tal que \(a+0=0+a=a\).
  5. existe \(1 \in Z\) tal que \(a*1=1*a=a\).
  6. Existência de oposto: Para cada \(a \in Z\), existe \(-a \in Z\) tal que \(a+(-a)=(-a)+a=0\).
  7. Distributiva: Para quaisquer \(a,b,c \in Z\): \(a*(b+c)=a*b+a*c\).

A demonstração fica como exercício. Convém adotar a forma \(p=m-n\) para um número inteiro, com \(m,n \in N\).

4 Ordem em Z

Nesta seção, nosso objetivo é ordenar o conjunto ds números inteiros, ou seja, dados dois números inteiros m e n, dizer qual deles é o menor.

Definição: Sejam \(a,b \in Z\). Diremos que \(a \leq b\) se, e somente se \(b-a \in N\).

Assim, \(-2 \leq 5\) porque \(5-(-2)=5+2=7 \in N\).

Do mesmo modo, \(-8 \leq -3\) porque \(-3-(-8)=-3+8=5 \in N\).

Podemos comparar dois números inteiros que são números naturais, pois: \(a \leq b\) se, e somente se, \(b-a \in N\).

Mas, isso significa que \(x+a=b\) tem solução em \(N\). A conclusão é a seguinte: a nova definição de \(\leq\) coincide com a definição de \(\leq\) dada antes quando lidamos com números naturais, ou seja, a nova relação de ordem é uma extensão da anterior.

Teorema: A ordem \(\leq\) em Z possui as seguintes propriedades:

  1. Para todo \(a \in Z\), tem-se que \(a \leq a\).
  2. Se \(a \leq b\) e \(b \leq c\) então \(a \leq c\).
  3. Se \(a \leq b\) e \(b \leq a\) então \(a=b\).
  4. Se \(a \leq b\) e \(c \in Z\), então \(a+c \leq b+c\).
  5. Se \(a \leq b\) e \(c \geq 0\) então \(ac \leq bc\).
  6. Se \(a \leq b\) e \(c \leq d\) então \(a+c \leq b+d\).
  7. Se \(0 \leq a \leq b\) e \(0 \leq c \leq d\) então \(ac \leq bd\).

Demonstração de 1: Imediata, pois \(a-a=0 \in N\);

Demonstração de 2: Se \(b-a \in N\) e \(c-b\in N\) então \((c-b)+(b-a)=c-a \in N\), isto é, \(a \leq c\).

Demonstração de 3: Os números \(b-a\) e \(a-b\) são ambos números naturais e um é o oposto do outro. A soma só pode ser \(0\). Assim, \(a=b\).

Demonstração de 4: Se \(a \leq b\) então \(b-a =(b+c)-(a+c) \in N\) donde segue o resultado.

Demonstração de 5: Os números \(b-a\) e \(c\) são números naturais. O produto \((b-a).c=bc-ac\) tambem é um número natural, e segue que \(ac \leq bc\).

Demonstração de 6: Os números \(b-a\) e \(d-c\) são números naturais. Assim, a sua soma é um número natural, isto é, \((b-a)+(d-c)=(b+d)-(a+c) \in N\), donde segue que \(a+c \leq c+d\).

Demonstração de 7: Diante das hipóteses, \(c \geq 0\) logo \(ac \leq bc\), usando (5). Também temos que \(b \geq 0\) donde obtemos \(bc \leq bd\). Uma aplicação de (2) permite concluir o resultado.

5 Quocientes em Z

Nem toda equação da forma \(ax=b\) tem solução em \(Z\). Por exemplo, a equação \(2x=6\) tem solução \(3\) em Z, mas a equação \(3x=5\) não tem solução inteira.

Definição: Se a equação \(ax=b\) tem solução em \(Z\), ela é indicada por \(x=b/a=\dfrac{b}{a}\).

Por definição, segue que \(a(\dfrac{b}{a})=b\). O número \(a/b=\dfrac{b}{a}\) tem forma de fração, mas é um número inteiro.

Teorema: Se as frações \(\frac{b}{a}\) e \(\frac{d}{c}\) são números inteiros, então valem as seguintes afirmações:

  1. O denominador \(a\) da fração \(\frac{b}{a}\) nunca pode ser nulo.
  2. As frações \(\dfrac{b}{a}\) e \(\dfrac{kb}{ka}\) são soluções da mesma equação \(ax=b\), desde que \(k \neq 0\).
  3. \(\dfrac{b}{a}+\dfrac{d}{c}=\dfrac{bc+ad}{ac}\);
  4. \(\dfrac{b}{a}*\dfrac{d}{c}=\dfrac{bd}{ac}\).

Demonstração de 1: De fato, a equação \(0.x=b\) nunca tem solução inteira, se \(b \neq 0\).

Demonstração de 2: De fato, as equações \(ax=b\) e \(kax=kb, (k \neq 0)\) possuem a mesma solução. Mas, por definição, essas soluções são \(\dfrac{b}{a}\) e \(\dfrac{kb}{ka}\), se \(k \neq 0\).

Demonstração de 3: Por hipótese, \(a*\dfrac{b}{a}=b\) e \(c*\dfrac{d}{c}= d\). Assim: \(ac*(b/a)= bc\) e \(ac*\dfrac{d}{c}=ad\). Somando as igualdades, obtemos:

\[\frac{b}{a} + \frac{d}{c} = \frac{bc}{ac} + \frac{ad}{ac} = \frac{bc+ad}{ac}\]

Demonstração de 4: Como no ítem anterior: \(a*\frac{b}{a}=b\) e \(c*\frac{d}{c}=d\). Multiplicando essas igualdades, obtemos

\[\frac{b}{a}*\frac{d}{c} = \frac{bd}{ac}\]

6 Construção dos Números Racionais

Chegou o momento de criar os números fracionários positivos e negativos, isto é, de criar o conjunto \(Q\) dos números racionais.

A exemplo do que foi feito na construção de \(Z\), partimos da equação \(ax=b\) que nem sempre tem solução em \(Z\).

Por exemplo, a equação \(2x=6\) tem solução \(x=3\) em \(Z\), mas a equação \(5x=8\) não tem solução em \(Z\).

Procuramos um conjunto mais amplo, no qual todas as equações \(ax=b\) com \(a\neq 0\) tenham soluções. Indicamos essa solução por \(b/a\), ainda que esse número não seja um inteiro. É imediato que \(a*\dfrac{b}{a}=b\).

Definição: O conjunto \(Q\) dos números racionais é definido como o conjunto de todas as frações \(b/a\) sendo que \(a,b \in Z\), \(b\neq 0\), isto é,

\[Q= \{ \frac{a}{b}: a,b\in Z, b\neq 0 \}\]

Conhecido o conjunto \(Q\), passamos a definir as operações de adição (soma) e multiplicação (produto) neste conjunto. Para manter válidas as propriedades citadas no último teorema da seção anterior, vamos colocar:

\[\begin{align*} \frac{a}{b} + \frac{c}{d} &= \frac{ad+bc}{bd} \\ \frac{a}{b} * \frac{c}{d} &= \frac{ac}{bd} \end{align*}\]

Exemplo: \(\dfrac{2}{3}+\dfrac{3}{5}=\dfrac{19}{15}\) e \(\dfrac{2}{3}*\dfrac{3}{5}=\dfrac{6}{15}\).

Como ocorre com o conjunto \(Z\), em \(Q\) os números não têm uma forma única para suas escritas! Por exemplo, \(\dfrac23=\dfrac69\).

Esclarecendo: \(\dfrac23\) é solução da equação \(3x=2\), ou seja, \(3*\dfrac23=2\). Multiplicando os dois membros desta igualdade por \(3\), obtemos: \(3*3*\dfrac23=3*2\), isto é, \(9*\dfrac23=6\), o que equivale a afirmar que \(\dfrac23\) é solução de \(9y=6\). Ocorre que a solução de \(9y=6\) é \(y=\dfrac69\). Assim, etc.

Teorema: As operações acima estão bem definidas em \(Q\), isto é, o resultado não depende da particular forma dos operandos.

Ao invés de demonstrar, vamos dar um exemplo.

Imagine que desejamos somar e multiplicar \(\dfrac13\) e \(\dfrac25\). A soma é \(\dfrac{14}{15}\) e o produto \(\dfrac{3}{15}\). Acontece que, por exemplo, \(\dfrac13=\dfrac{4}{12}\) e \(\dfrac35=\dfrac{6}{10}\). Operando com esses valores obtemos a soma \(\dfrac{112}{120}\) e o produto \(\dfrac{24}{120}\), resultados iguais aos obtidos anteriormente.

7 Propriedades das operações em Q

Teorema: O conjunto \(Q\), com as operações usuais \(+\) e \(*\) antes definidas, possui as seguintes propriedades:

  1. Propriedade Associativa: Para quaisquer \(a,b,c \in Q\) tem-se que \((a+b)+c=a+(b+c)\) e \((ab)c=a(bc)\).
  2. Propriedade Comutativa: Para quaisquer \(a,b \in Q\): \(a+b=b+a\) e \(ab=ba\).
  3. Existência do elementos neutro. Para todo \(a \in Q\), existe \(0 \in Q\) tal que \(a+0=a\).
  4. Existência do elemento unidade. Para todo \(a \in Q\), existe \(1 \in Q\) tal que \(a.1=a\).
  5. Existência de inverso aditivo. Para cada \(a \in Q\), existe \(-a \in Q\) tal que \(a+(-a)=0\);
  6. Existência de inverso multiplicativo. Para cada \(a \neq 0\), existe \(a^{-1} \in Q\) tal que \(a.a^{-1}=1\).
  7. Propriedade Distributiva: Para quaisquer \(a,b,c \in Q\): \(a(b+c)=ab+ac\).

A demonstração é deixada como exercício.

8 Ordem em Q

Para tratar da teoria, vamos, a partir de agora considerar que o denominador de todo número racional é um inteiro positivo. Isso pode ser feito pois \(\dfrac{a}{b}=\dfrac{-a}{-b}\) e, evidentemente, \(b\) ou \(-b\) é um inteiro positivo.

De fato, o número racional \(\dfrac{2}{-3}\) pode ser escrito como \(\dfrac{-2}{3}\), obtido pela multiplicação do numerador e também do denominador por \(-1\).

Definição: Atendidas as exigências anteriores, dizemos que \(\dfrac{a}{b}\leq\dfrac{c}{d}\) se, e somente se, \(ad-bc \leq 0\), ou seja, \(ad \leq bc\).

Exemplo: \(\dfrac12 \leq \dfrac23\) pois \(1*3 \leq 2*2\) e \(\dfrac{-2}{5}\leq \dfrac34\) pois \((-2)*4 \leq 5*3\).

Muito importante: \(\dfrac{a}{b}\leq 0\) se, e somente se, \(a \leq 0\).

No caso dos números racionais serem números inteiros, nossa definição coincide com a definição de ordem em Z.

\[\dfrac{a}{1} \leq \dfrac{c}{1} \Leftrightarrow a*1 \leq 1*c \Leftrightarrow a \leq c\]

A ordem em \(Q\) é uma extensão da ordem de \(Z\).

O próximo teorema examina as propriedades da relação \(\leq\) definida antes, bem como sua relação com as operações em \(Q\).

Teorema: Valem as seguintes propriedades:

  1. Para qualquer \(a \in Q\) tem-se que \(a \leq a\).
  2. Se \(a \leq b\) e \(b \leq a\) então \(a=b\).
  3. Se \(a \leq b\) e \(b \leq c\) então \(a \leq c\).
  4. Para todo \(a \in Q\) tem-se que \(a^2 \geq 0\).
  5. Se \(a \leq b\) e \(c \in Q\) então \(a+c \leq b+c\).
  6. Se \(a \leq b\) e \(c \geq 0\) então \(ac \leq bc\).
  7. Se \(a \leq b\) e \(c \leq d\) então \(a+c \leq b+d\).
  8. Se \(0 \leq a \leq b\) e \(0 \leq c \leq d\) então \(ac \leq bd\).

Demonstração: Fica como exercício. Como exemplo provaremos (4) e (5).

Demonstração de 4: Se \(a=m/n\), então \(a^2=m^2/n^2\). Como \(m^2 \geq 0\) e \(n^2 \geq 0\) segue o resultado.

Demonstração de 5: Se \(a=\dfrac{m}{n}\), \(b=\dfrac{r}{s}\) e \(c=\dfrac{p}{q}\), então:

\begin{align} a+c &= \frac{mq+np}{nq} \\ b+c &= \frac{qr+ps}{sq} \end{align}

de onde segue que

\begin{align} a+c \leq b+c & \Leftrightarrow (mq+np)sq-(qr+ps)nq \leq 0 \\ & \Leftrightarrow msq^2+nspq-nrq^2-nspq \leq 0 \\ & \Leftrightarrow (ms-nr)q^2 \leq 0 \\ & \Leftrightarrow ms-nr \leq 0 \\ & \Leftrightarrow a \leq b \end{align}

Finalmente, vamos apresentar números que não são racionais.

Teorema: O número \(\sqrt{2}\) não é um número racional.

Demonstração: Vamos admitir por absurdo, que \(\sqrt{2}=\frac{m}{n}\) onde \(\dfrac{m}{n}\) é uma fração irredutível, isto é, que não pode ser simplificada.

Elevando ao quadrado a última igualdade, obtemos:

\[\frac{m^2}{n^2}=2\]

isto é,

\[m^2=2n^2\]

e concluímos que \(m^2\) é um número par. Se \(m^2\) é par, então \(m\) não pode ser ímpar, logo é da forma \(m=2p\).

Substituindo este valor na segunda igualdade, chegamos a \(4p^2=2n^2\) ou seja \(n^2=2p^2\) garantindo que \(n^2\) é par, logo \(n\) é par.

Assim, a fração irredutível \(\dfrac{m}{n}\) tem o numerador par e o denominador par, o que é um absurdo. Concluímos que \(\sqrt{2} \notin Q\).

Qua é a importância deste número \(\sqrt{2}\). Este número representa
a medida da diagonal de um quadrado de lado unitário.

A conclusão é que \(Q\) contínua sendo um conjunto insuficiente para o desenvolvimento de toda a Matemática.