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Funcoes Reais
Ulysses Sodré

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1 Aplicação

Dentre todas as relações em um certo produto cartesiano, existe um tipo de subconjunto que é muito exigente mas que produz resultados de grande valor na Matemática. Este conceito é denominado função.

Se \(A\) e \(B\) são dois conjuntos não vazios, uma aplicação \(f\) no produto cartesiano \(A{\times}B\) é uma relação em \(A{\times}B\), que, para cada \(x\in A\), existe \(y\in B\) tal que \((x,y)\in f\),

e, além disso, se \((x,y_1)\in f\) e \((x,y_2)\in f\), então \(y_1=y_2\).

Uma notação bastante comum para uma aplicação \(f\) definida no produto cartesiano \(A{\times}B\) é \(f:A\to B\).

Nota: O primeiro ítem da definição acima declara que todos os elementos de \(A\) devem estar relacionados com elementos de \(B\) e o segundo ítem garante que um elemento de A deve estar associado com apenas um elemento em \(B\).

Exemplo: Nem toda relação no produto cartesiano \(R^2\) é uma aplicação em \(R^2\), como o conjunto \(K=\{(x,y)\in R^2: x^2+y^2=1\}\).

Graficamente, temos:

Em textos antigos, a palavra função era usada de uma forma bastante livre no lugar de aplicação, mas na literatura atual a palavra aplicação passou a ter outros nomes como: operador, transformação, funcional,etc e houve a necessidade de restringir a palavra função exclusivamente às situações em que o conjunto \(B\) é um subconjunto do conjunto \(R\) dos números reais.

2 Elementos de uma aplicação

Seja \(f\) uma aplicação em \(A{\times}B\), denotada por \(f:A\to B\). O gráfico de \(f\), às vezes usado como a definição de função, é definido por:

\[\text{graf}(f) = \{(x,y)\in A{\times}B: x\in A, y\in B, y=f(x)\}\]

O conjunto \(A\) recebe o nome de domínio de \(f\), denotado por \(\text{Dom}(f)\). O conjunto \(B\) recebe o nome de contradomínio de \(f\), denotado por \(\text{Codom}(f)\). A imagem de \(f\), denotada por texto \(\text{Im}(f)\) é o conjunto:

\[\text{Im}(f)=\{y\in B: \text{existe } x\in A \text{ tal que } y=f(x)\}\]

Exemplo: A função quadrática \(f:R\to [0,\infty)\) pode ser escrita na forma:

\[f=\{(x,y)\in R{\times}[0,\infty): x\in R, y\in R, y=x^2\}\]

ou na forma \(f:R \to[0,\infty)\) definida por \(f(x)=x^2\) onde \(\text{Dom}(f)=R\), \(\text{Codom}(f)=Im(f)=[0,\infty)\).

Exercícios:

  1. Sejam \(A=\{1,2,3,4,5\}\) e \(B=\{0,3,8,15,20\}\). Verificar se a relação \(f\) em \(A{\times}B\), definida por \((a,b)\in f\) tal que \(b=a^2-1\), é uma aplicação.
  2. Verificar se a relação \(f:Q \to Q\) definida por \(f(m/n)=mn\) é uma aplicação. (Dica: Lembrar que 1/2=3/6 mas,etc)
  3. Para \(A=\{1,2,3\}\) e \(B=\{a,b,c,d\}\), seja a relação \(g:A{\times}B\to B{\times}A\), definida por \(g(x,y)=(y,x)\). Mostrar que \(g\) é uma aplicação.

3 Restrição de uma aplicação

Podemos restringir o domínio de uma função \(f:A\to B\) a um subconjunto \(S\) de \(A\) de modo que a função restrita ao conjunto \(S\), denotada por \(f|S:S\to B\) seja coincidente com a função original sobre o conjunto

\(S\), isto é, para cada \(x\in S\) tem-se que: \(f|S(x)=f(x)\).

Exemplo: Podemos definir a restrição da função \(f:R\to R\) definida por \(f(x)=x^2\) ao conjunto \([0,\infty)\) de modo que:

\[f|_{[0,\infty)}: [0,\infty) \to R, f(x)=x^2\]

Graficamente, temos:

4 Extensão de uma aplicação

Podemos estender uma função \(f:A\to B\) a um conjunto \(M\) contendo o conjunto \(A\) de modo que a função estendida ao conjunto \(M\), denotada por \(F:M\to B\) deva ser coincidente com a função original sobre o conjunto \(A\), isto é, para cada, \(x\in A\) tem-se que \(F(x)=f(x)\).

Exemplo: Seja a função \(f:R-\{0\}\to R\) definida por \(f(x)=\text{sen}(x)/x\). Esta função não tem sentido para \(x\)=0, mas podemos estender esta função a uma forma bastante natural a todo o conjunto \(R\) dos números reais, tomando \(f(0)=1\). Esta forma é comumente utilizada em Análise Matemática.

Dada uma aplicação \(f:A\to B\) que associa a cada elemento de \(A\) um único elemento de \(B\), esta definição não obriga que todos os elementos de \(A\) tenham imagens distintas ou mesmo que todos os elementos de \(B\) sejam imagens de elementos de \(A\).

5 Aplicação injetiva

Mesmo que \(a\neq b\) pode ocorrer que \(f(a)=f(b)\). Quando elementos distintos de \(A\) possuem imagens distintas, dizemos que a aplicação é injetora. A definição seguinte estabelece este fato.

Uma aplicação \(f:A\to B\) é injetiva, injetora ou unívoca, se: \(a\neq b\) implica que \(f(a)\neq f(b)\). Algumas vezes este tipo de aplicação é denominada 1-1 (lê-se: um-a-um).

Exemplo: A função \(f:R\to R\), definida por \(f(x)=x^2\) não é injetiva, pois \(f(-2)=\)f(2), mas a função \(f:[0,\infty)\to[0,\infty)\) definida por \(f(x)=x^2\) é injetiva.

Teorema: Seja \(f: A\to B\) uma aplicação. \(f\) é injetora se, e somente se, \(f(a)=f(b)\) implica que \(a=b\).

Demonstração: São equivalentes as proposições lógicas

  1. \(a\neq b\) implica que \(f(a)\neq f(b)\)
  2. \(f(a)=f(b)\) implica que \(a=b\).

pois a proposição lógica \(p\to q\) equivale à proposição lógica \(q' \to p'\).

6 Aplicação sobrejetora

Pode ocorrer que algum elemento de \(B\) não esteja na imagem de um elemento de \(A\). Temos uma outra definição.

Dizemos que a aplicação \(f: A \to B\) é sobrejetiva, sobrejetora ou sobre, se todos os elementos de \(B\) são imagens de elementos de \(A\), ou seja, para todo \(b\in B\) existe \(a\in A\) tal que \(f(a)=b\), o que significa que \(f(A)=B\).

Exemplo: A função \(f: R\to R\), definida por \(f(x)=x^2\) não é sobrejetiva, pois não existe \(x\in R\) tal que \(f(x)=-2\), mas \(f:[0,\infty)\to [0,\infty)\) definida por \(f(x)=x^2\) é sobrejetiva.

Teorema: Seja \(f:A\to B\) uma aplicação. \(f\) é sobrejetora se, e somente se, para todo \(b\in B\), a equação \(f(x)=b\) tem pelo menos uma solução em \(A\).

A demonstração é imediata, pois com o teorema, temos duas maneiras para garantir que \(f\) é sobrejetiva.

7 Aplicação bijetora

Uma aplicação \(f:A\to B\) é bijetiva, bijetora ou uma correspondência biunívoca, se \(f\) é injetiva e sobrejetiva

Exemplo: A função \(f: R\to R\), definida por \(f(x)=x^2\) não é bijetiva, mas a função \(f:[0,\infty)\to[0,\infty)\) definida por \(f(x)=x^2\) é bijetiva.

Exemplo: A aplicação \(f:R-\{2\}\to R-\{3\}\) definida por \(f(x)=(3x-1)/(x-2)\) é injetora pois, se \(f(a)=f(b)\) então \((3a-1)/(a-2)=(3b-1)/(b-2)\) e daí segue que \(a=b\). \(f\) também é sobre pois se \(f(x)=b\), então \((3x-1)/(x-2)=b\), de onde segue que se \(b\neq 3\) então \(x=(2b-1)/(b-3)\). Finalmente, segue que \(f\) é bijetora pois é injetora e sobrejetora

Nota sobre a palavra sobre: Afirmar que \(f:A\to B\) é uma aplicação injetiva sobre o conjunto \(B\), é o mesmo que afirmar que \(f\) é bijetiva

Exercícios: Mostrar que

  1. \(f:R\to R\), definida por \(f(x\))=3\(x\)+2 é bijetora.
  2. é bijetora a aplicação afim \(f:R\to R\) tal que \(f(x)=ax+b, (a\neq 0)\).
  3. \(f:R\to R\) definida por \(f(x)=2x^2+4x-1\) não é sobrejetora, pois não existe \(x\in R\) tal que \(f(x)=-4\).
  4. funções reais de segundo grau da forma \(f(x)=ax^2+bx+c\) não são injetoras e nem mesmo sobrejetoras, dependendo do domínio e do contradomínio destas.

Dicas

  1. Para mostrar que \(f(x)=ax^2+bx+c\) com \(a\neq 0\), não é injetora, basta calcular \(f(-b/(2a)+r)\) e \(f(-b/(2a)-r)\).
  2. Para mostrar que \(f\) não é sobrejetiva, vamos supor que \(a > 0\) e tentar obter o número real cuja imagem é \((-b^2+4ac)/(4a)-1\). Se \(a > 0\), calcule uma pré-imagem de \(y=(-b^2+4ac)/(4a)+1\).

8 Composição de aplicações

Sejam as aplicações \(f:A\to B\) e \(g:B\to C\). Definimos a aplicação composta \(gof: A\to C\) entre \(g\) e \(f\), nesta ordem, por (\(g\circ f)(x)=g(f(x))\).

Uma outra forma geométrica para a composta das aplicações \(f\) e \(g\), está ilustrada na figura:

Exemplo: Sejam \(f:R\to R\) definida por \(f(x)=2x\) e \(g:R\to R\) definida por \(g(y)=y^2\). Definimos a composta \(g\circ f: R\to R\) por:

\[(g\circ f)(x) = g(f(x)) = g(2x) = (2x)^2 = 4x^2\]

9 Aplicação identidade

A identidade \(I:A\to A\) é uma das mais importantes aplicações da Matemática, definida para todo \(a\in A\), por \(I(a)=a\). Quando é importante indicar o conjunto \(X\) onde a identidade atua, a aplicação identidade \(I:X\to X\) é denotada por \(I_X\).

Propriedades das aplicações compostas

  1. A composta de aplicações não é comutativa, isto é, em geral: \(f\circ g \neq g\circ f\).
  2. A composta de aplicações é associativa, isto é, (\(f\circ g)\circ h=f\circ (g\circ h)\).
  3. A composta de aplicações possui elemento neutro, isto é: \(f\circ I=I\circ f=f\).
  4. Se \(f\) e \(g\) são aplicações injetivas, a composta \(g\circ f\) é injetiva.
  5. Se \(f\) e \(g\) são aplicações sobrejetivas, a composta \(g\circ f\) é sobrejetiva.
  6. Se \(f\) e \(g\) são aplicações bijetivas, a composta \(g\circ f\) é bijetiva.

10 Aplicações inversas

Inversa à esquerda: Sejam as aplicações \(f:A\to B\) e \(g:B\to A\). Diz-se que \(g\) é uma inversa à esquerda para \(f\) se \(gof=I_A\), isto é, para todo \(a\in A\):

\[(g\circ f)(a)=a\]

Inversa à direita: Sejam as aplicações \(g:B\to A\) e \(f:A\to B\). Diz-se que \(g\) é uma inversa à direita para \(f\) se \(fog=I_B\), isto é, para todo \(b\in B\):

\[(f\circ g)(b)=b\]

Inversa: Uma aplicação \(f:A\to B\) possui inversa \(g:B\to A\) se, \(g\) é uma inversa à esquerda e também à direita para \(f\). Isto significa que, para todo \(a\in A\) e para todo \(b\in B\):

\[(f\circ g)(a)=I_A(a), \qquad (g\circ f)(b)=I_B(b)\]

Notação: A inversa de \(f\) é denotada por \(g=f^{-1}\). Demonstra-se que, se a inversa \(g=f^{-1}\) existe, ela é única e a inversa da inversa de \(f\) é a própria aplicação \(f\), isto é:

\[(f^{-1})^{-1}=f\]

11 Imagem um conjunto por uma aplicação

A imagem (direta) de um conjunto \(A \subset X\) pela aplicação \(f:X\to Y\), é definida como o conjunto:

\[f(A) = \{f(a): a\in A \}\]

Propriedades da imagem direta: Sejam \(f:X \to Y\) uma aplicação, \(A\subset X\) e \(B\subset X\). Então:

  1. Se \(A \neq \emptyset\) então \(f(A) \neq \emptyset\).
  2. \(f(\{x\})=\{f(x)\}\) para todo \(x\in X\).
  3. Se \(A\subset B\), então \(f(A) \subset f(B\)).

Demonstração: Se \(y\in f(A\)), então existe \(x\in A\) tal que \(y=f(x)\in f(A)\). Por hipótese, \(A\subset B\), então \(x\in B\), logo \(y=f(x)\in f(B)\).

  1. \(f(A \cup B)=f(A) \cup f(B)\)
    Demonstração: \(w\in f(A \cup B)\), se, e somente se, existe \(x\in A \cup B\) tal que \(w=f(x)\), se, e somente se, \(x\in A\) ou \(x\in B\) tal que \(f(x)\in f(A)\) ou \(f(x)\in f(B)\), se, e somente se, \(w=f(x)\in f(A) \cup f(B)\).
  2. \(f(A \cap B) \subset f(A) \cap f(B)\)
    Demonstração: Se \(z\in f(A \cap B)\), então existe \(x\in(A \cap B)\) tal que \(f(x)=z\). Assim \(x\in A\) e \(x\in B\) e temos que \(f(x)\in f(A)\) e \(f(x)\in f(B)\), logo \(z\in f(A)\) e \(z\in f(B)\), assim \(z\in f(A)\cap f(B)\).

Nota: Existem aplicações para as quais \(f(A \cap B) \neq f(A) \cap f(B)\). Você saberia definir uma delas?

12 Imagem inversa por uma aplicação

A imagem inversa de um conjunto \(W \subset Y\) pela aplicação \(f:X \to Y\), é definida por

\[f^{-1}(W) = \{ x\in X: f(x)\in W \}\]

Propriedades da imagem inversa: Sejam \(f:X\to Y\) uma aplicação, \(U\subset Y\) e \(V\subset Y\). Então:

  1. \(f^{-1}(\emptyset) = \emptyset\).
  2. Se \(U \subset V\) então \(f^{-1}(U) \subset f^{-1}(V)\).

Demonstração: Se \(x\in f^{-1}(U)\), então \(f(x)\in U\). Como \(U\subset V\), então \(f(x)\in V\). Desse modo \(x\in f^{-1}(V)\).

  1. \(f^{-1}(U \cap V) = f^{-1}(U) \cap f^{-1}(V)\)
    Demonstração: \(x\in f^{-1}(U \cap V)\), equivale a, \(f(x)\in(U\cap V)\), que equivale a, \(f(x)\in U\) e \(f(x)\in V\), que equivale a, \(x\in f^{-1}(U)\) e \(x\in f^{-1}(V)\), se, e somente se, \(x\in f^{-1}(U) \cap f^{-1}(V)\).

  2. \(f^{-1}(U \cup V) = f^{-1}(U) \cup f^{-1}(V)\).
    Demonstração: \(x\in f^{-1}(U \cup V)\), se, e somente se, \(f(x)\in(U \cup V)\), se, \(f(x)\in U\) ou \(f(x)\in V\), se, e somente se, \(x\in f^{-1}(U)\) ou \(x\in f^{-1}(V)\), se, e somente se, \(x\in f^{-1}(U) \cup f^{-1}(V)\).

  3. \(f^{-1}(V^c)=[f^{-1}(V)]^c\)
    Demonstração: \(x\in f^{-1}(V^c)\), equivale a \(f(x)\in V^c\), que equivale a \(f(x)\) não pertence a \(V\), que equivale a \(x\) não pertence a \(f^{-1}(V)\), que é equivalente a \(x\in [f^{-1}(V)]^c\).

  4. Se \(U \subset V\) então \(f^{-1}(V-U)=f^{-1}(V)-f^{-1}(U)\).
    Demonstração: Como \(V-U=V \cap U^c\), pelo item 4, segue que

    \[f^{-1}(V-U) = f^{-1}(V\cap U^c) = f^{-1}(V)\cap f^{-1}(U^c)\]

Pelo ítem (4), segue que:

\[f^{-1}(V-U)=f^{-1}(V)\cap[f^{-1}(U)]^c=f^{-1}(V)-f^{-1}(U)\]

Propriedades mistas: Sejam \(f: X\to Y\) uma aplicação. Assim:

  1. Se \(A \subset X\), então \(A \subset f^{-1}(f(A))\).
  2. Se \(V \subset Y\), então \(f(f^{-1}(V)) \subset V\).
  3. Se \(f\) é injetiva, então para todo \(A\subset X\), vale \(f^{-1}(f(A))=A\).
  4. Se \(f\) é sobrejetiva, então para todo \(V\subset Y\), vale \(f(f^{-1}(V))=V\).
  5. Se \(f\) é bijetiva, então para todo \(A\subset X\) e para todo \(V\subset Y\), tem-se que: \(f^{-1}(f(A))=A\) e \(f(f^{-1}(V))=V\).