Manifesto técnico da pintura futurista


Nossa sede de verdade não se aplacará pela forma e pela cor tradicionais!
Para nós, um gesto não será mais um momento imobilizado dentro do dinamismo universal: será definitivamente sensação dinâmica mesmo...
Tudo se move, tudo corre, tudo gira. Um rosto nunca está passivamente parado diante de nós, mas aparece e desaparece incessantemente. Graças à persistência das imagens na retina, as formas em movimento se multiplicam, deformam-se, sucedem-se uma à outra como vibrações no espaço em que se deslocam. Por isso, um cavalo correndo não tem quatro pernas: tem vinte e seus movimentos são triangulares...
As dezesseis pessoas que estão à sua volta num bonde em movimento são uma, dez, quatro, três: elas estão paradas e se movem. vão e vêm, ressoam ao longo da rua, são devoradas num jato de luz solar, detêm-se de novo — símbolos persistentes da vibração universal. E às vezes na maçã do rosto da pessoa com quem conversamos na rua vemos um cavalo que passa distante. Nossos corpos penetram o divã em que nos sentamos e o divã penetra-nos os corpos, do mesmo modo que o bonde deslocando-se entre as casas precipita-se sobre elas que, por sua vez, caem em cima dele e a ele se fundem.
...Os pintores nos têm sempre mostrado figuras e objetos arrumados à nossa frente. Nós colocamos o espectador no centro do quadro.
Proclamamos... que o dinamismo universal será interpretado como sensação dinâmica; que o movimento e a luz destroem a substância dos objetos.
Lutamos... contra o arcaísmo superficial e elementar baseado nas cores planas que reduzem a pintura a uma síntese impotente, infantil e grotesca contra o nu em pintura que se tornou tão tedioso e nauseante quanto o adultério em literatura.
Somos os primitivos de uma sensibilidade nova e radicalmente transformada.

11-4-1910