Julho de 2014 PDF E-mail

VOLUME 13: O SAGRADO E O PROFANO NA LITERATURA 

NOTA DOS EDITORES

 

Uma interpretação bastante tradicional da origem etimológica do termo “religião” é a de que ele teria se originado do termo latino religare, que descreve aquele pacto entre o humano e o divino que torna possível ao dedo dos homens encostar, ainda que timidamente, na ponta do dedo de Deus, como no famoso afresco da Capela Sistina. Mas se é a ligação que define nossa relação com o divino, é de se desconfiar que Michelangelo não tenha retratado Adão abraçando amavelmente aquele velho barbado de pose tão paternal. É que se a relação entre o criador divino e a criatura profana aparece, nesta iconografia, como uma oposição simétrica entre o esquerdo e o direito, o baixo e o alto, o homem nu abandonado à natureza e o sábio pai carregado pelos anjos, talvez seja porque nossa “religião”, a tentativa de “religar” aquela relação perdida com Deus quando nos expulsou do paraíso, não seja exatamente a prática que nos une, mas sim aquela que reafirma insistentemente nossa impossibilidade de abraçar a Deus fraternalmente. É com a finesse de sua investigação etimológica que Giorgio Agamben questiona, em seu Elogio à Profanação, esta interpretação do termo “religião”:

 

O termo religio, segundo uma etimologia ao mesmo tempo insípida e inexata, não deriva de religare (o que liga e une o humano e o divino), mas de relegere, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve caracterizar as relações com os deuses, a inquieta hesitação (o “reler”) perante as formas – e as fórmulas – que se devem observar a fim de respeitar a separação entre o sagrado e o profano. Religio não é o que une homens e deuses, mas aquilo que cuida para que se mantenham distintos.

 

Segundo esta interpretação, ao sacralizar um objeto – seja ele um objeto eminentemente ligado à prática religiosa, seja um mero livro que elevamos ao nosso cânone pessoal – estamos, na verdade, separando-os de nós, contentando-nos com aquele tímido toque que separa os meros mortais do pai todo-poderoso. É assim que, muitas vezes, admiramos um autor segundo a imagem do Pai, como aquele criador divino ao qual nos ligamos superficialmente pelo ato da leitura, mas que jamais imaginamos como um indivíduo comum, igual a nós, a quem podemos abraçar fraternalmente. Somente o ato da profanação – aquele que, segundo Agamben, restitui os objetos sacralizados ao uso dos homens – é capaz de abolir esta linha divisória, que separa em lados opostos o homem e o divino. A crítica literária é capaz de ambos os atos, tanto da profanação quanto da sacralização. Os vários artigos que compõem este volume da revista o provam.

Certamente, numa sociedade como a nossa, em que nem o peso histórico do iluminismo chegou perto de dissolver nossas práticas religiosas, pensar as relações entre o sagrado e o profano se mostra como uma tarefa necessária. Ainda não existiu, no mundo, uma sociedade destituída de religião – e isto quer dizer, também, que não há ainda uma sociedade em que seja impossível profanar. Entendida seja como prática social, seja como jogo estético gratuito, a literatura não estará tão cedo livre destas tensões entre o profano e o sagrado que perpassam nossa existência. A Revista Estação literária publica este volume 13 na expectativa de estimular estes debates, que têm se tornado cada vez mais decisivos para a contemporaneidade. 

 

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Um agradecimento especial se faz aqui necessário, pela urgência da homenagem. Quando nossa comissão editorial estava decidindo qual seria o tema deste volume, a sugestão que nos convenceu veio de um professor amigo, que muito contribuiu para o debate a respeito da religião na literatura, principalmente no que diz respeito às religiões de matriz africana. Quis o destino que ele não estivesse mais vivo para ver o resultado de nosso trabalho finalmente publicado. É provável que ele esteja, agora, mais próximo do divino do que nós, que fomos seus alunos; mas não podemos deixar, por isso, de agradecer ao professor Sérgio Paulo Adolfo por tudo o que fez por nós e pela crítica literária. Dedicamos a ele, com respeito e admiração, este volume da Revista Estação Literária.

 

APRESENTAÇÃO

 

Apresentar uma revista é sempre algo difícil e temerário! Difícil porque são variados artigos sobre diversos temas e temerário porque a apresentação pode não estar no nível dos artigos apresentados.

A Revista Estação Literária foi criada e é organizada pelos alunos do PPGL da Universidade Estadual de Londrina e tem primado pela qualidade de seus artigos apresentados. Sendo uma revista de mestrandos e doutorandos, sempre entrega ao público leitor e pesquisador artigos com excelente embasamento teórico e análises profundas e de seriedade científica.

Este número que agora apresento traz artigos de vários matizes, analisados sob o foco de várias teorias o que a torna mais interessante e mais profunda por satisfazer a necessidade de leitores e pesquisadores de variadas tendências teóricas e ideológicos.

A literatura é, entre as artes, aquela que melhor dá conta da condição humana, porque faz uso da palavra, elemento que nos distingue dos demais habitantes da terra. Através da palavra podemos expressar nossas emoções mais profundas e nossos anseios mais prementes. É, portanto, na minha opinião, a arte mais completa e que através dela temos conhecido a humanidade através dos séculos em seus variados empreendimentos e aspirações.

A crítica literária é quem através de um aporte teórico procura aprofundar a arte literária proporcionando ao leitor novos modos de ver o mundo através do texto estético. Fazer literatura é uma arte e fazer crítica literária é um exercício duro e perspicaz, e que a meu ver, esse grupo de críticos conseguiu com muito sucesso!

 

Sérgio Paulo Adolfo (in memoriam)

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