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12/12/2019  

ARTIGO: Um futuro utópico ou distópico?

André Luís Vizzaccaro-Amaral*

A autodenominada "indústria 4.0", coqueluche na mídia e nos cursos de "Master of Business Administration" (MBA) pelo mundo afora, sobretudo com o potencial disruptivo da tecnologia 5G, confronta-se, diametralmente, com a realidade precarizante do mundo do trabalho em pleno século XXI. Tal realidade constatada no mundo todo contabiliza, anualmente, 374 milhões de acidentes não-fatais e adoecimentos e 2,78 milhões de mortes de trabalhadores em decorrência do trabalho. Isso equivale a 12 acidentes de trabalho a cada segundo e a uma morte a cada 12 segundos, gerando um impacto econômico na ordem de 3,94% do Produto Interno Bruto (PIB) global, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Essa "inovação disruptiva", que vem encontrando um desafio importante na disputa entre EUA e China pelo controle da tecnologia 5G no mundo, é uma das recentes faces da chamada "reestruturação produtiva". Desde os anos 1970, com o modo de produção flexível difundido pela Toyota e pela Volvo, a reestruturação produtiva alcançou uma escala planetária, sendo alavancada nos anos 1990, após a queda do muro de Berlim e da União Soviética, com a intensificação do processo de "globalização".
Esse cenário, contudo, não resultou apenas do acúmulo de conhecimento técnico-científico, sobretudo após duas grandes guerras mundiais, mas, principalmente, do que algumas linhas críticas do pensamento econômico e sociológico chamam de "crise estrutural do sistema capitalista", caracterizada, entre outras coisas, pela queda das taxas de lucro das empresas, pelo aumento do custo da força de trabalho, pela diminuição do consumo e pela crise fiscal dos países por todo o mundo.
"A relação entre crise econômica, trabalho, subjetividade e saúde é indissociável em um mundo complexo e repleto de contradições"
A reestruturação produtiva, portanto, foi e continua sendo uma espécie de resposta à crise sistêmica do capitalismo e vem promovendo profundas alterações na conformação do mundo do trabalho. Chamada de "nova morfologia do trabalho", essa nova conformação se caracteriza pelo recuo dos postos de trabalho no setor industrial e rural e pela ampliação no setor de serviços. Tal dinâmica foi difundida ostensivamente pela mídia global e pela literatura especializada desde a década de 1990, com o modelo de "organização horizontalizada e enxuta" (com reengenharias conhecidas como "downsizing", por exemplo), por um lado, e com a ampliação dos serviços voltados para áreas como "marketing", logística e "compliance", por outro, tendo a "terceirização" assumido um papel importante no processo.
A crise financeira global de 2008, cujo epicentro foi atribuído ao "subprime" (crédito de risco) nos EUA e que, até o momento, não foi totalmente superada (conforme demonstram os pífios crescimentos econômicos de países desenvolvidos e em desenvolvimento, sobretudo EUA e China, nos últimos anos), intensificou as sequelas da crise estrutural do sistema ao longo dos anos 2010. O trabalho na era digital (na expectativa de alargar as taxas de lucro) e as reformas trabalhistas (para diminuir o custo da força de trabalho) e previdenciárias (para atacar a crise fiscal do Estado), que se espalharam pelo mundo todo, recentemente, acabaram por se tornar soluções e/ou remédios amargos para o enfrentamento da crise.
Essa nova morfologia do trabalho, em que a ampliação do setor de serviços, o trabalho na era digital e as reformas trabalhistas e previdenciárias se destacam, implica em importantes consequências para as condições e relações de trabalho no mundo atual, tendo sérias reverberações para a subjetividade e a saúde das pessoas que trabalham.
O trabalho na era digital vem se caracterizando pela "desterritorialização" e "destemporalização" do trabalho, invadindo o espaço e o tempo de vida das pessoas que dependem do trabalho. Afinal, se é possível trabalhar, remotamente, pelo computador ou pelo celular, pouco importa onde se esteja e quando se acessa as informações que tramitam em fluxo contínuo.
Aliado à desterritorialização e à destemporalização, as reformas trabalhistas, que vêm "flexibilizando" as relações de trabalho (sobrepondo o acordado sobre o legislado, por exemplo), são difundidas como modelo modernizante para os novos tempos do trabalho na era digital, desonerando as organizações produtivas, garantindo segurança jurídica para os contratos de trabalho e diminuindo o papel fiscalizador e mediador do Estado na relação entre organização e trabalhador, tentando garantir, com isso, a alegada "liberdade econômica".
Por sua vez, as reformas previdenciárias, sob o pretexto dos supostos rombos financeiros relacionados, principalmente, com as aposentadorias (fazendo uso, muitas vezes, de "contabilidade criativa"), são propagadas como soluções para a crise fiscal do Estado, diminuindo o custo e a amplitude do sistema de proteção social, em prol das contas públicas, que, segundo tal lógica,  precisam ser preservadas para o pagamento de dívidas e para investimentos.
Acontece que tais medidas não vêm garantindo melhores condições de trabalho para os trabalhadores. Ao contrário, na Europa, o aumento no número de postos de trabalho vem sendo acompanhado por uma onda de insatisfação da população, que protesta contra a precarização do trabalho, caracterizada pelo trabalho parcial, temporário e/ou autônomo, sem os benefícios e proteções a que os europeus estavam habituados. No Brasil de hoje, após a reforma trabalhista de 2017, cerca de 40 milhões de trabalhadores (41,4% da força de trabalho) estão na informalidade, derrubando a produtividade da economia brasileira.
Relatórios importantes da OIT vêm denunciando, há alguns anos, que tais medidas não geraram empregos melhores e, ao contrário, ampliaram as taxas de desemprego em curto e médio prazos, além de precarizarem as condições de trabalho, agravando o quadro de saúde física e mental dos trabalhadores onde tais medidas foram implementadas. Sem um sistema de proteção social amplo e universal, populações inteiras acabam ficando desamparadas, como no caso do Chile, em que 80% dos aposentados ganham menos que um salário mínimo e 44% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Os recentes levantes na América Latina e Europa são uma espécie de resposta da população a tal realidade. Uma resposta trespassada pela exploração, pelo desgaste, pelo adoecimento, pelo sofrimento e pela perda de sentido de uma vida tomada pelo trabalho precário. Resta saber os rumos que serão tomados a partir daqui. 
* Professor do Departamento de Psicologia Social e Institucional do CCB/UEL.
Este artigo foi publicado no Jornal Notícia nº 1.404. Confira a edição completa:




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