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25/10/2018  

O que as organizações não dizem

José de Arimatheia

"Não são apenas as organizações privadas. Nas públicas também se exige adesão, mas se silencia sobre um fator importante: a burocracia", afirma a professora Rosângela Rocio Jarros Rodrigues

Projeto de pesquisa utiliza Análise do Discurso para revelar silêncios e contradições da ideologia organizacional, sobretudo quanto à saúde do trabalhador

Faz tempo que a professora Rosângela Rocio Jarros Rodrigues (Departamento de Psicologia Social e Institucional) tem observado o descompasso entre o que se prega sobre a imagem das organizações, como locais de trabalho, e a realidade que se apresenta. Em 2011, ela defendeu uma tese no Programa de Estudos da Linguagem da UEL, na qual estudou a identidade discursiva do graduando em Psicologia do Trabalho: a inexorável presença do outro. Paralelamente desenvolvia a pesquisa efeitos de sentidos produzidos em diferentes textos, como os provérbios. Pensamentos como "Deus ajuda quem cedo madruga" escondem uma ideologia e uma contradição. Afinal, uma enorme parcela da população brasileira levanta muito cedo, mas nem todos prosperam ou enriquecem, e Deus tem menos a ver com isso do que o mercado de trabalho. E o que dizer de "O trabalho dignifica o homem"? Os milhões de desempregados são menos dignos?

Depois da tese de Doutorado e da pesquisa citada, a professora desenvolveu outro projeto de pesquisa no qual investigou os discursos em torno da qualidade de vida do ambiente de trabalho. E há três anos ela coordena o projeto "Estética organizacional e saúde no trabalho: os discursos transversos da trama enunciativa". Com ela, o professor André Luís Vizzaccaro Amaral (mesmo Departamento) e três alunos de graduação estudam os textos da revista "Melhores empresas para se trabalhar", publicada anualmente, e utilizam para isso a Análise do Discurso de linha francesa, mesma teoria adotada na tese.

A estética organizacional é uma das dimensões da cultura das empresas, e se relaciona à imagem que estas constroem para si mesmas e para os que nela trabalham. Geralmente investem muito nesta estética, empregando desde técnicas motivacionais até a arquitetura dos espaços. "Antes, havia mais hierarquia numa organização. Hoje, as relações parecem mais horizontalizadas. Na verdade, o que aconteceu é que os mecanismos de controle foram internalizados", explica Rosângela.

O que as empresas pregam em seu discurso é que o trabalhador deve uma adesão total à organização. "É passada a ideia de que, quanto mais ele trabalha, mais ele vale", comenta a professora. A ideologia é tão forte que chega às famílias, de modo que os pais reproduzem todos estes discursos aos filhos.

Condições (des)favoráveis

Dentro das organizações, sutilmente, valores são exaltados, como cooperação, integração, trabalho em equipe, dedicação. Usa-se o discurso do time: entrosado, unido, eficiente. O problema é que tais discursos tendem a culpabilizar quem não consegue "se encaixar" no "time". São discursos tão fortes que a professora citou um relato de um empregado que disse que não gostava de tirar férias em região de montanha, porque lá poderia não haver sinal de celular e Internet e assim perderia a conexão com a empresa e colegas. A ideologia alcança a aposentadoria: como a relação é de "quanto mais trabalha, mais valor tem", a aposentadoria é encarada negativamente. Mas Rosângela lembra que o conceito de trabalho não abrange apenas atividades remuneradas, por isso ninguém precisa se sentir culpado por se aposentar.

É para revelar estas contradições que o projeto recorre à Análise do Discurso. Para ela, de forma geral, todo discurso afirma também o seu contrário, ao mesmo tempo em que silencia sobre ele. No caso das organizações, a omissão é sempre sobre a eventual precariedade dos locais ou das relações de trabalho. Exige-se adesão e empenho do trabalhador, mas lhe são dadas as melhores condições para isso? Igualmente, o discurso do empreendedorismo centra na vontade de empreender e no suor do empreendedor. Mas é só isso?

A professora Rosângela lembra que não são apenas as empresas privadas que apresentam tais discursos. Nas organizações públicas também se exige adesão, comprometimento, mas se silencia sobre um fator importante que pode atrapalhar a eficiência do serviço: a burocracia.

E a saúde?

Os discursos referentes à saúde do trabalhador são de especial interesse para o projeto. De um lado, as empresas apresentam um discurso engajado, acompanhado de ações como a presença de médico, fisioterapeuta, enfermeiro, nutricionista, ambulatório, e ainda atividades como reiki, yoga, além de planos de saúde e de assistência psicológica. O que não se fala é que o próprio ambiente de trabalho pode conduzir ao estresse, à obesidade, à lesão por esforço repetitivo, à má qualidade de sono, aos altos níveis de colesterol e pressão arterial. Com tantas ações, o trabalhador é que se sente culpado de não ser saudável. E pior: convive com o discurso não dito do controle do absenteísmo e ameaça de demissão.

Ao analisar os discursos, os integrantes do projeto sempre se perguntam: mas como o trabalho está organizado? Quais as condições ambientais? E a natureza das tarefas? Qual é a jornada de trabalho e o ritmo empregado? Quais são as metas a serem atingidas e sob qual estilo de liderança? Afinal, ser um diretor de criação publicitária num escritório com ar condicionado numa grande cidade é bem diferente de ser um caminhoneiro ou uma professora de séries iniciais no meio rural. "As boas condições não existem para todos. Muitos trabalhos são insalubres", comenta a professora. Rosângela acrescenta outros fatores importantes simplesmente silenciados: o alto índice de desemprego como um fantasma a assombrar os empregados; a sensação de estar sem apoio por falta de representação de classe (como um sindicato); a precarização dos contratos de trabalho em razão da reforma trabalhista; os casos de assédio moral, entre outros.

A professora dá um exemplo: "Encontramos uma vez, numa empresa, um programa chamado QLB - 'Que lapa de buxo!'. Era um programa para reduzir o peso dos empregados e melhorar índices de colesterol e pressão. O que o programa não mencionava é que as próprias condições de trabalho contribuíam muito para o estresse e levavam aos índices ruins'. E sentencia: "Em resumo, a estética diz uma coisa. Mas não vai na causa real dos problemas".

Sabendo que nenhum discurso é inocente, observa-se atentamente a escolha de palavras. O significado do programa QLB é um exemplo. Outro, destaca Rosângela, é a opção por chamar os empregados de "colaboradores", e não "trabalhadores", mascarando uma relação de trabalho muitas vezes injusta.

Produção de conhecimento

Resultados da pesquisa têm sido divulgados em eventos científicos. Entre eles, a professora destaca um de nível internacional na Universidade Federal do Ceará, o Encontro Internacional Trabalho e Perspectivas de Formação de Trabalhadores. Entre 350 trabalhos, este foi escolhido para ser publicado, junto com outros 18, na revista Labor, da UFC.

Recentemente, apresentou a pesquisa no congresso Internacional de Psicologia na Universidade Estadual de Maringá. O atual projeto termina neste mês, mas a professora Rosângela deve iniciar outro, desta vez sobre os discursos em torno da mulher e seu trabalho nas organizações, na mesma revista.


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