Professora Silvia Murari: o Transtorno do Espectro Autista não é encarado por seu grau de severidade mas pelo comprometimento da funcionalidade da criança
Ao detectar lacunas na formação, professora criou, há cinco anos, projeto de ensino para oferecer a estudantes - especialmente Psicologia, Enfermagem e Medicina - contato mais aprofundado com o Transtorno de Espectro Autista
Quando fazia seu Mestrado na PUC/SP (concluído em 2004), estudando a variabilidade comportamental, a professora Silvia Cristiane Murari (Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento) conheceu um grupo que desenvolvia o mesmo tema, mas com crianças autistas. Motivada, já foi pensando no Doutorado.
De volta à UEL, criou o projeto "Conhecendo o transtorno do espectro autista" para investigar como os TEAs são abordados nos cursos de graduação e pós-graduação. Descobriu que não existem disciplinas específicas em nenhum nível, e que o tema é apenas mencionado, entre outros transtornos e doenças. Atualmente o projeto conta com 21 alunos, mas número bem maior já passou por ele em cinco anos. Com isso, conseguiu um amplo levantamento da literatura sobre o assunto, capaz de orientar pesquisas e aprofundar estudos em sala de aula.
Silvia Murari também conheceu a realidade do Canadá. Ela esteve num órgão, em Winnipeg, que cuida de todas as crianças canadenses diagnosticadas com TEA. A oportunidade surgiu porque a diretora do órgão é brasileira, que Silvia conheceu na PUC/SP. No Doutorado, a professora da UEL avaliou protocolos das Unidades Básicas de Saúde de Londrina e se aprofundou em uma delas, que registrou maior número de atendimentos de casos de crianças com TEA.
O projeto funciona então como uma complementação da formação dos estudantes, e é aberto não apenas a acadêmicos de Psicologia, mas de Medicina, Enfermagem e qualquer interessado, inclusive alunos de pós-graduação. Nos encontros, discutem características do TEA, etiologia, avaliações, modelos de intervenção, fazem estudos de casos, recebem pesquisadores, convidados, entre outras atividades. Existe ainda uma parceria com uma pesquisadora (ex-aluna da UEL) da Universidade do Missouri, em St. Louis (EUA).
O projeto de ensino já gerou um desdobramento - um projeto de pesquisa, em vigor mas ainda incipiente, para capacitar alunos e, num segundo momento, oferecer serviço de atendimento à comunidade, uma vez que existe uma demanda por atendimento especializado.
SINAIS
A professora explica que o TEA tem sido muito estudado, mas há muito para descobrir. Não se sabe, por exemplo, com exatidão, qual a causa do transtorno. O diagnóstico só pode ser feito por um médico, mas a avaliação é puramente clínica, baseada nos sintomas, por isso é fundamental uma equipe multidisciplinar, com profissionais de Psicologia, Pedagogia, Fonoaudiologia, entre outros. Até porque os sintomas do TEA podem ser indício de outro problema. Os falsos positivos são um dos desafios enfrentados pelos profissionais e familiares.
O que se sabe é que, se os pais, familiares ou professores ficarem atentos aos primeiros sinais, e houver uma intervenção precoce adequada, a crianças responderá melhor, mesmo antes do diagnóstico. Ou seja, mesmo diagnosticada autista, poderá melhorar habilidades como a comunicação, a interação e a sociabilização.
O primeiro sinal, ou marcador, segundo a professora Silvia, pode ser observado aos 6 meses de idade da criança: é o olhar. Se ela apresenta dificuldades em manter o contato visual com os olhos dos pais, é importante dar atenção a isto. Também se espera que a criança balbucie aos 6 meses e, aos 8, que demonstre apego - por exemplo, estenda os braços querendo voltar ao colo onde estava, ou acenar dando "tchau". Aos 12 meses, espera-se que tenha atenção compartilhada - um exemplo é acompanhar, com o olhar, as pessoas que estão falando perto dela.
Também existem mitos em torno do TEA, como o de que o autista necessariamente demonstre alguma super-habilidade, como uma memória prodigiosa.
O Transtorno do Espectro Autista não é encarado por seu grau de severidade, mas pelo comprometimento da funcionalidade da criança. Quando ela apresenta uma estereotipia forte, ou seja, possui um comportamento agressivo, machuca a si mesma, ou segue rígidos "rituais" próprios, logicamente não pode ficar sozinha e a dificuldade de frequentar uma escola é bem maior. O mesmo acontece se ela, desde cedo, demonstra dificuldades de comunicação - e o primeiro sinal pode ser a criança não apontar para as coisas, como o "au au" ou a "mamãe", mostrados para ela.
Por outro lado, a criança autista pode vir a ser um adulto funcional. A UEL, por exemplo, já contabilizou 33 alunos com TEA, sendo o primeiro caso registrado de 2009. Em 2018, eram 6 e, embora os números não estejam fechados, este ano são 7. Destes, 5 já se formaram, cada um num curso diferente. Também um aluno de pós-graduação, que já concluiu.
NÚMEROS
De acordo com a professora Silvia Murari, nos Estados Unidos, há 1 criança autista para cada 59. Para se ter uma ideia do quanto o número vem crescendo, era 1 a cada 2000 nos anos 90. No Brasil, não há um estudo epidemiológico, por isso existe apenas uma estimativa de que haja entre 1 e 2 milhões de autistas.
Esta matéria foi publicada no Jornal Notícia nº 1.402. Confira a edição completa: