EM
QUESTÃO
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Especialista em Avaliação Educacional/UnB/Cátedra UNESCO,
Docente do Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde-
CEDESS da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
Na última década, a comunidade acadêmica e órgãos centrais de coordenação da
educação no Brasil vêm se envolvendo significativamente, de alguma forma, com
a avaliação educacional.
Se, por um lado, isso tem resultado em propostas
de Avaliação Institucional e de Sistema (Sistema de Avaliação da Educação
Básica-SAEB; Exame Nacional de Cursos-“Provão”; Programa de Avaliação Institucional
das Universidades Brasileiras-PAIUB; Exame nacional do Ensino Médio-ENEM; Comissão
Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico-CINAEM), por outro
lado tem contribuído para o avanço de reflexões teórico-metodológicas sobre
o processo avaliativo em suas diversas dimensões, provocando
transformações, que buscam substituir a cultura da prova pela cultura
da avaliação. Ampliam-se os focos avaliativos: além do rendimento do aluno,
insiste-se no acompanhamento do ensino, orientação da aprendizagem e obtenção
de informações sobre o aluno, o docente, o currículo, a instituição de ensino
e o sistema.
Em se tratando da educação superior, há a preocupação de se compreender os múltiplos aspectos relacionados
às atividades desenvolvidas, tendo em vista a consolidação de um padrão de qualidade,
que legitime o papel da universidade como lugar de excelência de produção e
transmissão de conhecimentos e formação profissional.
Neste sentido, quando se volta o olhar para o processo de formação acadêmica,
é indispensável considerar, como um
dos pontos essenciais, a avaliação do
aluno, uma vez que pode favorecer a coleta de dados sobre a aprendizagem, o
ensino, a missão institucional e conseqüente
transformação.
O quê, por quê, para quê, como e quando avaliar? Perguntas todas desafiadoras
e complexas de responder. Contudo, evidencia-se em debates e estudos um certo
consenso quanto a essas indagações, conforme nos assinala Souza (1995, p.25):
“A avaliação dever ser contínua”, ou seja “deve estar presente desde
o início até o final do trabalho que se desenvolve com o aluno;
- a avaliação deve ser compatível com os objetivos propostos;
- a avaliação deve ser ampla devendo considerar o domínio cognitivo, psicomotor
e afetivo;
- e deve haver diversidade de formas de proceder à avaliação (...) faz-se necessário
a utilização de procedimentos diversificados de avaliação”.
Ao
assumirmos estes princípios básicos, elaboramos este texto tomando como eixo
provocativo a questão: como avaliar o aluno? Apresentamos como uma resposta
viável o portfólio enquanto instrumento que pode favorecer a reflexão
contínua do aluno e do professor sobre a qualidade das práticas educativas realizadas
e em realização no contexto escolar. Para tanto, recorremos a alguns autores
nacionais e estrangeiros, que têm tomado a avaliação da aprendizagem como objeto
de reflexão e pesquisas.
Dessa forma, esperamos estar contribuindo para o debate acerca da avaliação
do aluno, à medida que trazemos reflexões introdutórias sobre o portfólio como
um instrumento de avaliação formativa. Afinal, podemos detectar, através de
pesquisas e observações empíricas, que as práticas avaliativas no ensino superior
ainda, em sua maioria, privilegiam a “prova” como a única forma de avaliar “somativamente”
o aluno (para atribuir uma nota ao produto apresentado), perdendo de vista o
processo de aprendizagem e de auto-desenvolvimento do alunado.
O Portfólio do Aluno
A escolha de instrumentos avaliativos e sua forma de operacionalização são fundamentais
para a obtenção de dados confiáveis, que garantam a apreensão do objeto da avaliação,
a construção de síntese e a indicação da transformação necessária. O portfólio
é um desses instrumentos.
Na área da educação, o uso do portfólio
é recente, cujo potencial começa a ser explorado, principalmente em instituições
de ensino superior nos Estados Unidos da América.
Do levantamento bibliográfico realizado foi possível identificar algumas definições
relevantes:
“É, caracteristicamente, uma compilação de vários trabalhos produzidos e
colecionados durante a experiência universitária do estudante, juntamente com
ensaios auto-reflexivos escritos especialmente para o portfólio. Os trabalhos
são usados para demonstrar habilidades específicas, competências e valores que
sejam consistentes com as metas e objetivos do programa e da universidade”
(Dey e Fenty, 1997, p. 19).
“Um portfólio é muito mais que um arquivo cheio de coisas. É uma coleção
sistemática e organizada de evidências usadas pelos docentes e alunos para acompanhar
o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo do aluno numa área específica”
(Vaurus, 1990, apud Danielson e Abrutyn, 1997, p. vi).
“ Documento estruturado em que alunos estagiários descrevem e procuram analisar
experiências significativas que tenham tido antes e durante sua formação. Incorpora
uma série de tarefas reflexivas ao longo do período formativo, que pode incluir
um registro biográfico das experiências como estudantes, registros escritos
de suas experiências em diferentes cursos, diário de acontecimentos significativos
etc.” (Marcelo, 1998, p. 59)
As definições apontam três características básicas: a seleção intencional de
atividades de aprendizagem, a necessidade de estabelecer o propósito para sua
implementação e a oportunidade do aluno comentar ou refletir sobre o seu próprio
trabalho.
Danielson e Abrutyn (1997) distinguem três tipos de portfólio: o portfólio
dos trabalhos, o portfólio de apresentação ou dos melhores trabalhos e o portfólio
de avaliação.
O Portfólio de Trabalho é uma coleção dos trabalhos, cujo propósito é
servir como um arquivo das atividades do aluno, que
poderão futuramente ser selecionadas para compor outro tipo de portfólio.
Pode ser usado para diagnosticar as necessidades do aluno e reorientar o ensino,
pois o aluno e o professor poderão conhecer os pontos fortes e fracos do processo
de aprendizagem em relação aos objetivos alcançados. Ao elaborar o portfólio
e avaliar seu conteúdo, o aluno torna-se mais reflexivo e auto-orientado.
Este portfólio estrutura-se em torno de um conteúdo específico e documenta o
processo de aprendizagem do aluno em relação ao seu domínio de objetivos esperados,
o que pode ajudar no redimensionamento do ensino.
O Portfólio de Apresentação ou dos Melhores Trabalhos contém os melhores
trabalhos realizados pelo aluno, podendo incluir atividades extra-escolares.
(ex: participação em concurso ou evento científico, trabalho voluntário em Instituições
Sociais etc.) Como aprendiz o aluno seleciona o que acredita ser importante
para sua aprendizagem, o que valoriza e deseja mostrar a outros.
O Portfólio de Avaliação documenta o processo de aprendizagem do aluno: seus comentários sobre pontos trabalhados de
acordo com os objetivos curriculares.
O processo de elaboração deste tipo de portfólio envolve as seguintes ações:
• indicação dos objetivos curriculares a serem focalizados no portfólio;
Assim, ao demonstrar, diagnosticar e valorizar ou qualificar a aprendizagem,
os portfólios podem transformar o ambiente
de sala de aula. Sua mágica não reside em si mesmo (como produto final), mas
no processo de elaboração e na cultura escolar na qual se valoriza a aprendizagem
documentada. (Danielson e Abrutyn, 1997)
Passos para a criação de um Portfólio de
Avaliação
O portfólio é composto de duas importantes
dimensões: o produto (um portfólio completo) e o processo, que envolve um olhar seletivo
e crítico sobre as atividades de aprendizagem.
O processo de desenvolvimento de um portfólio consiste de quatro passos básicos:
coleção, seleção, reflexão e projeção (Danielson e Abrutyn, 1997).
A coleção das atividades realizadas pelo aluno exige planejamento de
acordo com os objetivos de aprendizagem que se deseja atingir, ilustrando e documentando o que o aluno aprendeu e seu
nível de domínio sobre a área em foco (ex. disciplina, unidade de disciplina,
iniciação científica, estágio supervisionado, etc.)
O segundo passo é a seleção, momento que o aluno (com a ajuda do professor,
se desejar ou se estabelecido) examina o que foi coletado para identificar quais
atividades melhor demonstram o seu processo de aprendizagem, no sentido de sinalizar
limites, recuos, possibilidades e avanços.
Esse é um processo dinâmico, pois clarifica e reforça os objetivos de ensino
e aprendizagem.
“Ao conduzir o aluno a julgar qual
atividade vincula-se a determinado critério, o papel da avaliação desloca-se
do professor para o aluno, consolidando-se uma avaliação formativa por redirecionar
o ensino e informar sobre a aprendizagem futura”
(Danielson e Abrutyn, 1997, p. 15).
A reflexão constitui-se em um momento especial, pois o aluno articula
(por escrito) sua apreciação sobre cada trabalho selecionado para compor o portfólio,
tomando consciência de si mesmo como aprendiz para demonstrar e justificar o
seu domínio em relação a objetivos de aprendizagem previstos ou não.
Devido esta prática de reflexão ser pouco comum no âmbito da avaliação da aprendizagem,
é importante que sejam fornecidas instruções para o seu desenvolvimento, que
devem partir do professor e também dos alunos .
A projeção, estágio final da elaboração do portfólio, consiste em definir
objetivos para o futuro. O aluno analisa os trabalhos realizados como um todo,
avalia e projeta ações para melhoria
e aprofundamento.
A auto-reflexão, que envolve a construção deste tipo de portólio, leva
o aluno a novas descobertas sobre si mesmo, como sujeito interativo do processo
de ensino-aprendizagem, e o professor a perceber os rumos e impactos de sua
atuação, principalmente quando se considera três indagações fundamentais:
• onde estamos?: saber onde e como estamos, ou seja como chegamos aqui;
Ao se tomar estes eixos orientadores no processo de reflexão, será possível
entrelaçar o ensino, a aprendizagem e a avaliação em cada momento da construção
do portfólio. Isso porque, o professor articula os objetivos da aprendizagem
e orienta como demonstrar no portfólio o domínio de várias competências e habilidades.
O aluno examina seu trabalho face aos critérios estabelecidos pelo professor
(de preferência com a participação dos alunos). E mais, o professor deixa de
ser o único a fazer julgamento sobre aluno. Os alunos avaliam seus trabalhos
e buscam o aperfeiçoamento, a partir das necessidades identificadas, tornando-se
conscientes de sua aprendizagem como sujeitos capazes de produzir diferentes
trabalhos para sua formação acadêmica.
A Estrutura de um Portfólio de Avaliação
Ao considerar discussões e sugestões de alguns educadores (Seldin, 1997; Danielson
e Abrutyn, 1997), fundamentados em estudos sobre o uso de portfólio, e a intenção
de trazer contribuições para que se enfrente o desafio de integrar o portfólio
como uma técnica de avaliação do desempenho do aluno de ensino superior no Brasil,
apresentamos uma proposta para a construção
do portfólio de avaliação do aluno.
É importante ressaltar que o portfólio é um instrumento de avaliação personalizado,
cuja estrutura e conteúdo diferem, mesmo quando produzido num mesmo contexto
escolar. No entanto, entendemos que sua composição deve incorporar os seguintes
requisitos:
Esta caminhada, alicerçada numa perspectiva formativa, exige um acompanhamento
contínuo pelo professor - desde o início até o final do(s) trabalho(s) que é(são)
realizado(s) pelo aluno -, objetivando o desenvolvimento de competências, habilidades
e atitudes relacionadas à uma determinada etapa do programa curricular. Portanto, essa exigência
deve orientar a definição do cronograma de entrega do portfólio e apreciação
do professor ao longo de um semestre ou ano letivo.
Assim, organizado e integrado à cultura escolar, o portfólio poderá trazer contribuições
significativas para o envolvimento consciente do aluno em seu processo de formação
e possibilitar o conhecimento da complexidade e particularidade do ensino e
da própria missão institucional.
Apontamentos Finais
Atualmente, há uma pressão crescente, por parte da comunidade acadêmica, da
sociedade e de órgãos centrais da educação, para que
as instituições de ensino superior reflitam sobre suas práticas pedagógicas,
no sentido de fornecer respostas às questões: Como estão formando seus alunos?
Que tipo de ensino estão concretizando? Qual a relevância social de sua missão
institucional?”
Embora estudos e pesquisas nos respondam estas indagações,
tem sido explicitado a necessidade de
se utilizar técnicas avaliativas que
tornem o professor e o aluno observadores sistemáticos e críticos das práticas
cotidianas de sala de aula e outros cenários de formação.
O objetivo das instituições de ensino superior é contribuir para a formação
integral do aluno. Entretanto, há consenso de que o ensino não está bem; a aprendizagem
está insatisfatória e a função social das instituições está distante das reais
necessidades da comunidade na qual estão inseridas.
Este trabalho sobre o portfólio visa contribuir para se pensar a formação acadêmica
no contexto da avaliação formativa, na qual há espaço para a reflexão, auto-avaliação e redirecionamento das práticas
educativas no ensino superior.
O portfólio é um instrumento relevante para um processo de avaliação transformador
porque:
• a seleção dos trabalhos, que melhor ilustram o processo de aprendizagem,
conduz o aluno à auto-avaliação ao invés da avaliação exclusiva do professor,
favorecendo a função formativa da avaliação;
Podemos assim concluir, que os portfólios são autênticas janelas à aprendizagem
e ao pensamento dos alunos, cenários para questionar e explorar as práticas
de sala de aula, além de fontes fecundas para
debates, estudos e pesquisas no campo da educação.
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