A artista Luana Lins ( São Paulo – SP) participa da 4ª exposição do ARTE LONDRINA 7, Tu não te moves de ti, com os trabalhos Mulheres rodadas, The Eyful e Todas as mulheres são troféus e respondeu algumas questões feitas pela DaP.

 

“Todas as esposas são troféus é uma frase retirada de um guia de etiquetas para homens publicado originalmente em 1962. O livro recomendava que as esposas fossem exibidas adequadamente: ao oferecer um jantar, a mais bonita deveria sentar em frente ao convidado mais importante, enquanto a mais inteligente deveria ser colocada ao lado dele, assim ele teria uma vista e uma conversa igualmente agradáveis. A frase deu desdobramento a dois trabalhos, um neon e uma fotografia.

Entre os anos 1940 e 1950 circulou nos Estados Unidos uma revista de pin-ups chamada The Eyeful – Gloryfing the american girl. A obra de mesmo nome reproduz
chamadas presentes nas capas de algumas dessas revistas em uma série de pinturas de pequenos formatos.”

 

COM QUEM TEM AS MELHORES CONVERSAS SOBRE O QUE TE INTERESSA COMO ARTISTA?

Participo de um grupo de artistas chamado Hermes onde discutimos nossas produções de arte. Com certeza lá tenho as conversas mais enriquecedoras. O trabalho de ateliê é muito solitário, por isso é fundamental para mim participar de grupos desse tipo.

 

COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Meus trabalhos sempre partem de materiais que encontro prontos no mundo e que me chamam a atenção pela sua relação com o gênero feminino. Podem ser livros, revistas, filmes, camisetas; se eu bato o olho e vejo que o objeto tem algo que ajude a pensar a construção da imagem do feminino no contexto histórico, político ou social, o trabalho começa ali. 

 

QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?

Para a parte teórica da minha pesquisa as feministas e estudiosas de gênero são fundamentais: Simone de Beauvoir, Judith Butler, Angela Davis e mais recentemente Chimamanda Adichie. No campo artístico há um leque enorme de artistas que me influenciaram, sejam pelos trabalhos mais políticos, seja pela questão formal: Ana Mendieta, Richard Prince, Sophie Calle, Tracy Amin, Cindy Sherman. No Brasil gosto muito do trabalho da Anna Maria Maiolino, da Lenora de Barros, Dora Longo Bahia e Berna Reale

 

O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Para poder pesquisar como a mulher foi retratada nas últimas décadas e tentar identificar (e entender) a construção do machismo e dos estereótipos de gênero, tenho que ler muita coisa que não gostaria. Atualmente tenho lido para extrair material de trabalho dois livros de auto-ajuda extremamente ofensivos para qualquer mulher com uma mínima consciência: Casamento Blindado – O seu casamento à prova de divórcio e Porque os homens se casam com algumas mulheres e não com outras. O primeiro traz pérolas como “mulheres tem a auto-estima naturalmente mais baixa” e “O homem sempre será movido pelas conquistas do trabalho e a mulher sempre será movida pelo desejo de ter toda a atenção do homem”. O segundo divulga pesquisas feita pelo autor que afirmam que mulheres mais magras ou que passam mais tempo no salão de beleza são as mais propensas a se casar, e que as mulheres que optam por priorizar a carreira no auge da sua forma física ao invés de tentar se casar vão, invariavelmente, arrepender-se no futuro. São leituras difíceis mas que trazem um volumoso material de trabalho. Fora dessa pesquisa li recentemente Casa de Bonecas, de Ibsen. Fiquei realmente impressionada com o final, extremamente progressista, para uma obra escrita em 1879.   

 

QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

O que mais me chama atenção é a normalização , em 2019, de condutas extremamente machistas ou violentas. Estou desenvolvendo dois trabalhos com objetos que me chamaram muita a atenção e que passam batido para a maioria das pessoas. Um deles é um conjunto de camisetas com frases como “Keep Calm, marido ciumento” com armas e corações estampados lado a lado. O outro reúne bonecos de topo de bolo de casamento em que a boneca da noiva acorrenta e amordaça o noivo, por exemplo. São produtos encontrados em qualquer comércio popular. E o que mais me entristece é que tanto a camiseta quanto os bonequinhos são destinados ao público consumidor feminino, que compra e compactua com essas afirmações.  

 

QUE MÚSICA VOCÊ OUVE?

Gosto muito de ouvir jazz, me acalma.

 

QUE EXPERIÊNCIA FOI IMPORTANTE PARA QUE VOCÊ SE ENTENDESSE COMO ARTISTA?

Antes de fazer arte, me formei em Publicidade e Propaganda. Acabei indo trabalhar na área de marketing do Instituto Itaú Cultural, espaço que abriga exposições de arte em São Paulo. Em pouquíssimo tempo percebi que não queria divulgar as exposições, queria apenas estar nelas. Tudo que se relacionava às artes visuais me atraía, não fazia mais sentido fazer outra coisa em paralelo. 

 

EM QUE SENTIDO SEU TRABALHO EXPLORA A IMAGEM CLICHÊ DO FEMININO?

Procuro trazer a percepção do clichê pelo acúmulo. Os romances destinados ao público feminino, por exemplo. Uma capa com uma mulher vestida de noiva pode ser apenas uma história de um casamento, mas quando você acumula 50 capas de romances para mulheres e as 50 tem vestidos de noivas ou bebês no colo da protagonista, uma mensagem é passada.

 

A PROFUSÃO DE FONTES E MÍDIAS NO SEU TRABALHO INDICA A GRANDE DIFUSÃO DE EXEMPLOS DE COMPORTAMENTOS ESPERADOS DAS MULHERES, O QUE PENSA SOBRE ISSO? 

Um artigo de uma revista feminina dos anos 1950 dizendo que você deve estar sempre linda, alegre e disponível para seu marido reflete os costumes da sociedade daquela época. É importante juntar esses pedaços de história para entendermos como foi, o que mudou desde então e refletirmos como deve ser. O passado nos serve de ferramenta para construir o presente que queremos. Se já foi aceitável ditar um padrão de comportamento baseado em gênero há 70 anos, hoje não é mais, ou não deveria ser.

 

 

Ateliê da artista

 

 

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