ENTREVISTA COM ARTISTA RAFAELA FOZ
A artista Rafaela Foz respondeu algumas questões feitas pela DaP. Atuante em São Paulo – SP, ela participa da 3ª exposição do ARTE LONDRINA 7, Precipitações, com os trabalhos José Pancetti, John Constable, Alfred Emil Andersen e o vídeo Sem título.
“Na série “Paisagens” a artista se apropria de títulos descritivos de pinturas do gênero paisagem e desloca-as para o painel digital de LED, recontextualizando-as.” (fonte: https://www.rafaelafoz.com/)
“Já a obra sem título propõe uma experiência de movimento entre a matéria inorganizada, o carvão (carbono), e a mão como matéria organizada (uma metonímia do corpo). Acima do carbono e da mão, formas bem concretas e perfeitamente delineadas – estáticas –, o movimento surge como realidade: seu cair não tem fim, não tem finalidade e cria, no entanto, ação. Seu cair não é decair mas, antes, um horizonte.” (Marcos Camolezi)
COM QUEM TEM AS MELHORES CONVERSAS SOBRE O QUE TE INTERESSA COMO
ARTISTA?
Sem dúvida com meus amigos artistas. Trabalho em um ateliê compartilhado junto a
outros 9 artistas, cada um de um lugar, com um interesse, poética e linguagem
diferentes. As pausas para cafés e cigarros acabam, muitas vezes, sendo ocupados por
trocas despretensiosas que se tornam muito produtivas para o meu processo. Depois
de 2 anos convivendo diariamente com eles, com a construção de uma relação de
maior intimidade e confiança, os filtros, medos e apreensões caem por terra e o
diálogo acaba se tornando cada vez mais honesto e mais direto. Essa troca sincera me
é muito cara, uma vez que meus trabalhos evoluem muito a partir do diálogo com o
outro e do compartilhamento dos processos e dúvidas. Além deles (em particular
Pedro Ivo Verçosa, Virgílio Neto, Julio Lapagesse e Rodrigo Arruda), outros artistas com
quem discuto bastante são Gilson Rodrigues e Fernanda Galvão.
COMO UM TRABALHO COMEÇA?
Uma resposta clichê, mas acredito que o trabalho esta sempre acontecendo e é muito
difícil identificar onde um trabalho começa e outro termina. No entanto, para
responder mais praticamente a essa questão, posso dizer que no meio desse processo
que entendo como indivisível, um trabalho cria contorno e relevo, na maioria das
vezes, a partir de algo que li, seja um texto, um livro, uma frase ou palavra. Outros
trabalhos tomam forma a partir da observação mais atenta ao meu entorno e da
vontade de dar ênfase a alguma ação, característica ou gesto cotidiano e banal. Outros
ainda surgem da convivência mais intensa com algum material específico.
QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?
Essa lista é grande e sempre mutável, então falo de um artista e um filósofo que me
influenciam no momento. Tenho lido muito os textos de Nuno Ramos. O considero um
artista muito perspicaz no que diz respeito a leitura do contexto histórico-social
contemporâneo do país e também do que acontece no mundo da arte – sua resposta é
sempre muito rápida e coerente, além de conseguir usar suas referências, críticas e
reflexões como matéria para discutir as ideias que envolvem sua própria produção de
forma muito potente. Fico sempre impressionada com seus textos.
Henri Bergson é um filósofo que me acompanha ha um tempo também e que foi e é
muito importante para o entendimento de meu próprio processo e trabalho. Me
interesso pelas reflexões sobre a duração, o tempo e o fazer artístico a que ele se
dedica.
O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?
Agora estou relendo “Verdade Tropical” do Caetano Veloso, “Verifique se o mesmo”,
do Nuno Ramos e “Anti-museum”, uma antologia.
QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?
Os gestos simples, os momentos de contemplação silenciosa, o vazio fértil do ócio, a
duração das coisas e as relações intimas de troca.
O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?
Depois de quase um ano sem produzir direito, estou voltando lentamente a organizar
e concretizar algumas ideias. Estou finalizando uma instalação site-specific no Espaço
Breu e uma vídeo-performance.
QUE MÚSICA VOCÊ OUVE?
Ouço muita coisa, depende muito do que estou vivendo. Caetano Veloso é quem
sempre me acompanha independente de qualquer coisa. Uma descoberta recente que
tenho ouvido bastante é Billie Eilish.
QUE EXPERIÊNCIA FOI IMPORTANTE PARA QUE VOCÊ SE ENTENDESSE COMO ARTISTA?
Demorei muito para me assumir e me entender como artista. Dei várias voltas até
finalmente não ter mais escapatória. Fiz cinema, flertei com a academia, quis ser
cientista social… No cinema percebi que o que eu fazia não cabia muito naquele
mundo e que deveria buscar um lugar em que os limites não estivessem tão
demarcados, onde pudesse colocar em prática o exercício de uma certa liberdade que
me interessava e entendi que a arte poderia ser o meio para tal.
APARENTEMENTE SEU TRABALHO SUGERE TEMPO COMO EXTENSÃO, OU SEJA, DE
ALGUMA FORMA, NOS SEUS TRABALHOS, A EXPERIÊNCIA SE PROLONGA, SE DESLOCA
NUMA DURAÇÃO ESTENDIDA, O QUE TEM A DIZER SOBRE ISSO?
A ideia de tempo que busco sugerir e trabalhar em minha produção é a de tempo
como experiência íntima de duração. Me afasto da ideia do tempo do relógio para
tentar trabalhar o tempo psicológico, ou duração interna, que é todo qualidade e nada
quantidade. Busco subverter a lógica da percepção temporal e suspender, de certa
forma, o sentido comum das coisas que se revestem de um caráter pragmático e de
necessidade no dia-a-dia, na vontade de criar, ou melhor, fazer aparecer, colocar em
contato, um tempo que não é ditado pelo pragmatismo da vida, mas pela própria
pessoa que entra em contato com meu trabalho.
ENTENDER O TEMPO, EM CERTO SENTIDO, É ENCARAR PERDAS. QUAL CONCEPÇÃO DE
PERDA TE INTERESSA?
Nunca penso nesses termos quando lido com o tempo. Na verdade, na concepção que
tenho e que me interessa para meu trabalho, o tempo não é aquilo que acarreta
perdas, mas que acumula, que tem potencial criador; tempo como devir e acúmulo.
Na primeira imagem, trabalhos de Rafaela Foz expostos na DaP, José Pancetti e Alfred Emil Andersen.
(foto: Ilê Sartuzi)