O coletivo Eclusa, formado por Sandra Lapage e Carlos Pileggi, respondeu algumas questões feitas pela DaP. Atuante em SÃO PAULO – SP, ele participa da 3ª exposição do ARTE LONDRINA 7, Precipitações, com o trabalho Modelo para estação marciana.

 

Como artistas, estamos interessados em elevar materiais e objetos tradicionalmente considerados mundanos, imperfeitos e inúteis, descartados do cotidiano, para revelar qualidades estéticas que são habitualmente desconsideradas. Como grupo colaborativo, coletamos objetos encontrados em nosso entorno e os arranjamos em assemblagens, esculturas efêmeras e ambientes, interferindo nas operações de cada artista, criando assim camadas sucessivas de respostas poéticas.

O 8o método:
As obras desta série são vestígio de uma ficção poética, rastros extraídos do laboratório de artistas-cientistas que tentam alcançar o Cosmos através de uma série de diagramas, objetos, videos e traquitanas. Para Carlos, estes trabalhos são vestígios de um esforço de elevação através do trabalho artístico. Para Sandra, eles funcionam como metáfora da loucura criativa e da recorrência do fracasso no trabalho artístico. Todas as obras da Eclusa têm autoria conjunta de Carlos e Sandra. 

Ao escolher referências literárias e científicas, os artistas encontram um terreno fértil para deixar seus trabalhos convergirem. ‘Cosmicomics’, de Italo Calvino, ‘A biblioteca de Babel’ de Jorge Luis Borges, e ‘Sete breves lições de física’ de Carlo Rovelli, se tornam base para a elaboração de representações de conceitos dificilmente apreensíveis. 

Nossos diagramas, instalações e videos se inspiram no processo criado por Italo Calvino em ‘Cosmicomics’: em cada peça, nos apoiamos em uma hipótese científica ligada à física quântica, termodinâmica ou probabilidade (contida em parte ou totalidade no título de cada peça) como ponto de partida para uma viagem poética.”

– Eclusa.

 

Confira a seguir a entrevista:

COM QUEM TEM AS MELHORES CONVERSAS SOBRE O QUE TE INTERESSA COMO ARTISTA?
Com colegas artistas, principalmente entre os membros da Eclusa, alguns colegas de ateliê, alunos de curso, também com o público

 

COMO UM TRABALHO COMEÇA? 

Na Eclusa, ele começa com uma idéia, que determina se iremos experimentar materialmente, pesquisar, ler, construir, escrever (um roteiro ou anedota) ou “ilustrar”.

 

QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?
Para a Eclusa, nos inspiramos enormemente no trabalho em dupla de Simon Evans; Carlo Rovelli, Italo Calvino, Cyrano de Bergerac e Edmond Rostand, autor da peça “Cyrano de Bergerac” e Borges pela inspiração para encontrar um processo colaborativo entre nós dois, que não deixasse que uma de nossas subjetividades se sobrepusesse à outra.

 

O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO? 

Estamos lendo “Vibrant Matter, a political ecology of things”, de Jane Bennett (Sandra) e “A portrait of the artist as a young man” de James Joyce (Carlos)

 

QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO? 

A beleza imperfeita do cotidiano, o fracasso do nosso modelo de vida, pautado por ostentação e desperdício (aos quais não estamos imunes! Eles apenas são assuntos interessantes) 

 

O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA? 

Nos nossos trabalhos solos estamos continuando séries de desenhos/comentários sobre o cotidiano (Carlos) e experiências com materiais encontrados com ênfase em reciclados (Sandra). As colaborações da Eclusa avançam em residências artísticas, e por isto estamos aguardando a próxima residência ou instalação (que será em dezembro no MuNA). Enquanto isso, estamos revisando uma entrevista da Eclusa pela Eclusa (ou seja, um diálogo livre) traçando os primeiros passos da Eclusa, de porquê nasceu, de como ganhou seu nome e de quais referências foi abraçando para determinar um norte, a pedido do pessoal do BADESC , onde expusemos no ano passado. A idéia nos entusiasmou e foi tomando forma através de um diálogo informal que gravamos e em seguida transcrevemos com adendos e clarificações.

 

QUE MÚSICA VOCÊ OUVE?

Somos bastante ecléticos. Juntos ouvimos a FIP radio, em que fazemos descobertas, a última sendo CW Stoneking

 

QUE EXPERIÊNCIA FOI IMPORTANTE PARA QUE VOCÊ SE ENTENDESSE COMO ARTISTA? 

PENSAR OS TRABALHOS ARTÍSTICOS COMO “METÁFORA DA LOUCURA” OU ENCARAR A “RECORRÊNCIA DO FRACASSO” NO PROCESSO, FAZ DA FICÇÃO E DO JOGO ESTRATÉGIAS DE LIBERTAÇÃO? O QUE PENSAM SOBRE ESTAS IDEIAS? 

A metáfora da loucura descreve a liberdade de se empreender a idéia mais bizarra ou aparentemente absurda que possa aparecer. Assim preferimos o risco de decisões precárias e, principalmente, lutarmos cada vez mais contra idéias preconcebidas: nenhum material é desprezível, nenhuma abordagem boba, temerária ou simples demais. Gostamos do simples. Nossas referências científicas e poéticas existem apenas como ponto de partida para nossa “loucura criativa”, que são conexões não necessariamente óbvias; se alguém quiser saber delas, elas servem como uma segunda camada no trabalho, não são essenciais para o público. 

A recorrência do fracasso funciona neste mesmo sentido: cada vez que fracassamos/falhamos chegamos em uma nova descoberta, que passada a primeira frustração ou decepção com a expectativa projetada, pode se apresentar como melhor ou mais aberta a desdobramentos. Fracasso é sucesso neste processo. É abrir mão de controlar tudo o que acontece no processo criativo, na obra em colaboração, na participação do público.

E sim, ficção e jogo são libertários, pode parecer óbvio para um artista, mas apresentar estes processos ao público e convidá-lo a participar ativamente é um convite experimental a viver esse momento ambíguo do tempo “improdutivo”, que tanto gera desconfiança em nossa sociedade. Brincar por brincar, nada mais. Se levar a outra coisa, ótimo! Senão, já será uma pausa louvável.

 

COMO ÏTALO CALVINO, JORGE LUIS BORGES E CARLOS ROVELLI (ARTE E CIÊNCIA) ENTRAM NESTE JOGO?

Borges tem aquela descrição da biblioteca de Babel, labiríntica, que remete a uma descrição do espaço. Esta ponte entre cosmos e imagem inventada é o que nos interessa. 

Já o Ítalo Calvino inventou um processo em “Cosmicomics”, partindo de hipóteses cientificamente válidas e desdobrando-as em viagens que podem ser poéticas, cômicas, ficcionais ou até mesmo psicológicas, como o monólogo existencial de um organismo unicelular sentindo a necessidade de se dividir, de um molusco tomando decisões estéticas ao secretar a própria concha, ou de três indivíduos em queda livre no espaço, incluindo o autor, que se machuca nos rincões da concentração da matéria como se fossem letras invisíveis no espaço, dobrando o espaço e o tempo onde a matéria se concentra. Este processo nos apontou uma maneira de trabalhar colaborativamente, contemplando hipóteses cabeludas (na perspectiva da nossa ignorância científica) de física quântica que mal conseguimos apreender por um segundo (guiados pelas generosamente e didaticamente simplificadas explicações de Carlo Rovelli e Khan Academy), para no instante seguinte ficarmos apenas imbuídos de uma sensação concomitante de imensidão do universo e de pequeneza do indivíduo, que por sua vez pode ser imenso ao embarcar em seu potencial poético.

 

NA CULTURA DO DESCARTE EM QUE VIVEMOS, O QUE É VALIOSO?

Valor é uma decisão subjetiva, não necessariamente de mercado: cada qual pode decidir seguir um novo sistema de valores. No da Eclusa, o descartado vale tanto quanto o tradicionalmente valioso, como por exemplo um mineral raro ou um carro esporte. Danem-se ambos. Preferimos olhar para aquilo que muitas vezes nem é percebido, trata-se de um olhar paradoxalmente míope. Não nos gabamos de perceber mais ou “ver melhor” do que ninguém, simplesmente queremos ficar atentos ao que está disponível à nossa volta, é um exercício de olhar atento

 

 

Antigo ateliê da Eclusa, que atualmente trabalha em mais de um local

 

Carlos Pileggi e Sandra Lapage, da Eclusa

 

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You may use these HTML tags and attributes:

<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>