Julia Paccola, que reside em São Paulo – SP, participa da exposição EMPRESTA-ME UM DE SEUS DIAS com os trabalhos Vocabulário de Gestos e Detalhe de Imagem.
Ela respondeu algumas perguntas à DaP a respeito de seus interesses, trabalhos e processos como artista:

 

COM QUEM TEM AS MELHORES CONVERSAS SOBRE O QUE TE INTERESSA COMO ARTISTA?

Consigo pensar em dois espaços de diálogo que me deixam bastante instigada como artista.

O primeiro tem relação com a minha profissão, sou educadora em museus e instituições culturais e por isso tenho conversas inesperadas e muito genuínas no campo da arte (sobre obras, artistas, sobre museus e os espaços dedicados à arte e o acesso a eles, por exemplo), e é sempre interessante escutar e refletir sobre arte fora do lugar de artista e de especialista, abrindo novos canais de percepção. Entre 2017 e 2018 dei cursos de fotografia para jovens de 13 a 17 anos, e reconheço que minha produção se transformou a partir das questões trabalhadas com os alunos.

Um segundo espaço que prezo muito (e busco sempre participar) são encontros de acompanhamento e trabalho entre artistas. Essas situações costumam me tirar do lugar de conforto, desconstruindo certezas que ajudam a fortalecer minha prática, além de levar meu trabalho a contextos novos entre pessoas que eu não conheceria não fosse por essa via. Entre os diálogos possíveis nessas situações, aquilo que eu mais aprecio é a possibilidade de acompanhar o processo do outro, entender como é o cotidiano, a pesquisa e, a partir daí, ver evolução do trabalho. Processo é algo que considero fundamental.

 

COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Acho que um trabalho pode começar de diversas maneiras. Mas quando eu penso no meu cotidiano com artista, noto que meu trabalho parte do ato de fotografar. Parece óbvio dizer isso, mas eu costumo fotografar sem pensar em um trabalho específico, é um exercício de olhar, de registrar encantamentos, experimentar captar uma luz, um gesto, um fragmento. Fotografar me deixa em estado de tensão em relação ao que me rodeia. E então, a observação de imagens ou resultados de experimentos fotográficos começam a conduzir e evidenciar pesquisas. Acredito que por isso meu trabalho acaba por explorar um aspecto íntimo, de escala humana, daquilo que se pode pegar, agarrar, tocar, experimentar com o corpo.

 

QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?

Vou citar aqueles a partir dos quais eu percebo que tiveram um impacto importante em mim.

Alguns teóricos, que até hoje leio e sinto profunda conexão, vem de minha experiência com a arquitetura: Gaston Bachelard, Juhani Pallasmaa, Maurice Merleau-Ponty e Roland Barthes. A obra desses autores está, para mim, ligada à percepção sensorial e simbólica do mundo e que, ao lê-los fico sempre um pouco à flor da pele, é uma emoção cutânea.

Antes de citar artistas, queria citar dois poetas, primeiro Ana Cristina Cesar e depois Willys de Castro, que são meus poetas de cabeceira.

Sobre artistas que de alguma maneira alimentam minha pesquisa artística: Tacita Dean pela relação de seu trabalho com o tempo, e nessa mesma relação de importância, Ismail Bahri. Robert Frank e Linda Mccartney são referências muito valiosas por seus trabalhos pessoais, ligados à vida íntima, uma relação que eu busco estabelecer também. E pensando em processos e na materialidade, Willian Kentridge e Geraldo de Barros foram artistas aos quais constantemente recorro durante a edição da minha produção.

 

O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

A Fenomenologia da Percepção, do Maurice Merleau-Ponty.

 

QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

Eu costumo ser captada pela poética das coisas. Meu olhar e minha atenção são atraídos constantemente por uma luz, por texturas, por coisas no chão, também por significados simbólicos e sígnicos. Recentemente eu comecei a fazer uma lista de palavras que eu gosto, por exemplo, às vezes atraída pelo som, pelo ritmo e as relações desses aspectos aos significados.

 

O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

Estou com vários projetos em aberto. Mas dois projetos estão mais sólidos e consigo comentar aqui. Um deles é a continuidade da pesquisa que já aparece em Vocabulário de Gestos, sobre corpo e sua representação, extrapolando uma primeira camada visual. Estou experimentando a sobreposição e a sucessão de fotografias de um mesmo corpo à exaustão sobre um mesmo filme analógico.

Outro trabalho que está em etapa final é um livro de artista, que parte da ideia utópica da ilha, um lugar de desejo, como uma metáfora simbólica de uma relação de amor. É um livro que eu comecei como uma entrega amorosa (e de cura) ao Bruno, meu companheiro.

 

QUE MÚSICA VOCÊ OUVE?

De maneira geral escuto música brasileira (Batatinha, Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa e Gil, por exemplo) e também escuto com frequência música instrumental clássica e também contemporânea (Portico Quartet, Orquestra Rumpilez, Metá Metá, entre outros) especialmente de grupos e artistas paulistas. Há quatro anos comecei a aprender a tocar trombone, que é uma fonte de prazer inesgotável, e por isso ouvir música tem se tornado também um estudo para o ouvido e para minha percepção musical.

 

QUE EXPERIÊNCIA FOI IMPORTANTE PARA QUE VOCÊ SE ENTENDESSE COMO ARTISTA?

Acredito que a experiência mais importante foi ter sido selecionada pela primeira vez para participar de uma exposição em 2017 (Eu queria ser lida pelas pedras, na Galeria Guaçuí em Juiz de Fora) junto a outras artistas e curadora mulheres muito incríveis. Eu nunca tinha encarado produzir um trabalho pra valer, e ver pessoas interagindo e se debruçando sobre ele.

Lembro-me de ter lido o texto escrito pela Julia Lima (curadora) sobre meu trabalho e ficado um tanto emocionada.

 

SE O CORPO FALA, SOBRE O QUE FALA?

Difícil dizer sobre o que o corpo fala, o “discurso” de um corpo pode ser inesgotável. Um corpo pode falar e pode também escutar, compreender, se relacionar, ele vê e é visto, fala e escuta. Eu, pessoalmente, tenho me interessado pelas formas pelas quais ele o faz, os gestos, os toques e outros códigos que fazem parte da comunicação do corpo com o mundo.

 

PAISAGEM, CORPO E TEMPO SE CONFUNDEM NO SEU TRABALHO, COMO É ESTE PROCESSO PARA VOCÊ?

Acredito que essa sobreposição acontece naturalmente pelo meu processo, pela fotografia estar conectada ao meu cotidiano. Eu fotografo aquilo que esta imediatamente diante de mim, e por isso é o corpo no espelho, o corpo que se olha e que se toca, o espaço percorrido e vivido. É algo que eu busco, realmente. Quando desvios acontecem me sinto bloqueada e com pouca afinidade com o que estou fazendo. A relação com o tempo acontece depois de fotografar. Passo tempo com as imagens, visito pastas e negativos a cada trabalho, em busca de ocorrências anteriores de um tema que esteja trabalhando atualmente. Passo tempo construindo e editando narrativas, às vezes tenho dificuldade de usar uma imagem tal qual ela saiu no negativo, pois tem toda uma história que eu vivo com ela depois, que transforma seu estado original.

 

O QUE ACHA DA IDEIA DE QUE TODO PROTAGONISMO PODE SER CONTESTADO?

Ao ler essa frase pensei em movimentos de trocas e de inversões, de colocar o foco e a atenção ao que se tem o costume de ignorar, de dar valor ao que não se valoriza, e assim vai. Automaticamente pensei em trocar protagonismo de brancos, pelo dos negros, que é urgente. É uma ideia muito política, de proposta de outra perspectiva.

 

Ateliê da artista Julia Paccola

 

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