Pintura do acervo da artista

A artista Aline Alice Lara também respondeu algumas perguntas feitas pela DaP. Ela reside em Brasília – DF e participa da 1ª exposição ARTE LONDRINA 7 – MELHOR SER FILHO DA OUTRA.

COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Não existe um lugar preciso de começo do trabalho. Geralmente busco estar imersa no meu tema (os animais). Vejo pinturas, filmes, leio livros, ouço músicas ou procuro qualquer objeto da cultura visual que esteja relacionado a esse tema. Também penso nas sensações que esses objetos/obras me causam e avalio se seria interessante pintar essas sensações.

Também gosto de ouvir estórias, ouvir as pessoas é sempre muito produtivo.

Uso fotografias como referência para as formas, para o desenho. A partir delas componho um bom tempo em meu caderno de desenho e só depois vou pintar nas telas.

Muita coisa também surge enquanto estou produzindo um trabalho. As inquietações de um trabalho se transformam em outro.

QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?

Com certeza as reflexões que John Berger fez sobre os animais, e sobre o nosso olhar acerca deles tem sido o maior guia em todas as minhas ações artísticas. Berger foi bastante pioneiro, pensando sobre o tema ainda nos anos setenta, e com questões que se tornam cada vez mais pertinentes com o passar do tempo.   Ele pensava no protagonismo animal, no papel de lugares como o zoológico, sobre a importância simbólica de representarmos o animal, e de nossas afetividades interespécies. De uma forma mais poética Derrida pensou sobre as mesmas questões, entendendo como os animais nos contaminam poeticamente.

A fotógrafa Alessandra Sanguinetti consegue fazer um trabalho muito íntimo dos sujeitos que fotografa. Sua série No sexto dia, é um relato do cotidiano de pequenos agropecuaristas argentinos, mostrando-os de uma forma muito natural, sem julgamentos, entendendo os ciclos de vida que acontecem ali e como todos os sujeitos humanos e animais estão envolvidos nele. As obras do Rodrigo Braga, Jonathas de Andrade e David de Jesus do Nascimento buscam essa intimidade com os sujeitos que apresentam e estão muito próximos a ruralidade e ao elemento da terra, coisas bastante significativas para mim.

Paula Rego e Francis Bacon apagam as barreiras entre humanos e animais fazendo uma pintura muito enérgica. Acho importante entender como os dois mostraram a capacidade política dos animais, de nos contaminarem e reagirem.

A relação entre humano e natureza em Grande Sertão Veredas me interessa muito.

O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Como estou prestando o Mestrado na ECA-USP estou lendo uma grande quantidade de referências bibliográficas, mas posso citar mais recente os: A pintura encarnada do Didi-HUberman, O que os animais nos ensinam sobre política do Brian Massumi, e os escritos de Deleuze e Guattari sobre animais e animalidade.

QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

Agora que moro em São Paulo me sinto sempre muito atenta as questões ecológicas, como, por exemplo, a total falta de acesso a terra e aos rios embaixo do concreto sob nós. Observo a ausência/presença de vegetação e fauna e como isso diminui muito a qualidade de vida de quem mora aqui. Acredito que seja o choque da mudança de ambiente, afinal sou do Distrito Federal e residia em uma parte ainda muito rural da região.

Também estou sempre alerta para questões de gênero, refletindo sobre as desigualdades, a formação das identidades os prejuízos que todos sofremos em relações desiguais.

Como visualidade acompanho coisas de cinema, de qualquer tipo, desde filmes de herói a filmes cult, se não posso ver o filme vejo trailers ou leio sinopses.

Em artes visuais são muito caras para mim a produção artística de meus amig@s, acompanho e fico esperando os próximos passos.

O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

Estou em uma espécie de residência no zoológico, acompanhando o dia-a-dia dos tratadores de mamíferos e os visitantes. Estou fazendo esboços e escritos sobre essa experiência, tentando não me afetar muito por debates externos, buscando pensar sobre o que de fato acontece ali. Aos poucos venho formulando uma nova série.

QUE MÚSICA VOCÊ OUVE?

Coisas bem diversas samba, jazz, MPB, música cubana, africana, peruana, pop… Mas como estamos falando de minha produção, para pintar eu gosto de ouvir álbuns inteiros que me proporcionem uma paisagem sonora ou que foram pensados em algum lugar. Paêbirú de Lula Côrtes e Zé Ramalho, por exemplo, foi desenvolvido para falar sobre a Pedra do Ingá da Paraíba, um paredão natural, cheio de gravações rupestres.Em Caymmi e o mar, Dorival Caymmi descrevia toda a paisagem marítima que o cercava. Na obra do The doors estão estradas, montanhas, praias e desertos. Assim quando começo uma série sempre é bom ter a trilha certa para dar ritmos a obra.

QUE EXPERIÊNCIA COM ARTE FOI IMPORTANTE PARA VOCÊ?

Acredito que ter estudado na Universidade de Brasília, e poder acompanhar a grande diversidade de artistas que estavam lá com certeza foi um marco para mim algo que sempre carrego.

Atualmente o mais importante é sempre conviver com os artistas com os quais posso estabelecer debates.

FALE DA SUA PINTURA COMO CONCEITO ATIVO QUE MIRA A UTOPIA DE UMA RELAÇÃO DE RESPEITO ENTRE HOMENS E ANIMAIS?

Como um mundo que se pode criar, em minha pintura sinto a possibilidade de viver essa utopia, de refletir sobre a possibilidade de vivermos de modo mais igualitário com o animal, de nos permitirmos estar com ele, exercendo nossa biofilia com prazer. Mas como passo boa parte do tempo pesquisando e refletindo sobre nossas relações com o animal, em minha cabeça tudo permanece muito flutuante, nunca consigo decidir se nossa convivência é de fato boa ou ruim para ambos. Sinto que meu trabalho anda por uma eterna incerteza nesse aspecto, algo que considero positivo para produção em artes.

 

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