O artista Felipe Ferreira de Almeida participa da exposição OPÇÕES DE FIM DE MUNDO.

Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais o processo e as referências do artista.

 

1 – COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Através de uma percepção específica acerca de algo. Pode ser uma coisa que vivi, uma imagem, uma sensação, um evento, varia bastante. Acho que fica mais claro dando um exemplo: um dia eu estava na casa da minha avó observando uma planta com flores muito bonitas. Daí veio um beija-flor e começou a sugar o néctar das flores. Estava encantado com a cena, até que chegou um pássaro de outra espécie e pousou na planta. O beija-flor voou para cima dele e ficou perseguindo o pássaro até ele ir embora de lá. Fiquei bastante surpreso com aquilo. Em geral, na nossa percepção senso-comum de beleza e natureza não pensamos em beija-flores como seres agressivos, mas como bichos fofinhos e bonitos. Fui pesquisar um pouco sobre isso e vi que algumas espécies de beija-flor são realmente agressivas e territorialistas. Essa experiência, além de algumas outras, gerou em mim um trabalho (que ainda não está pronto). São umas esculturas que parecem muito com aqueles manequins de lojas de roupa, esses corpos-manequins são penetrados por beija-flores e borboletas gigantes, uma coisa meio São Sebastião misturando dor/prazer/desejo/beleza/agressão/êxtase. Provavelmente esse trabalho só ficará pronto daqui a alguns anos, mas quis falar um pouco sobre o processo/concepção dele agora. Outros trabalhos surgem de memórias mais antigas, como esse que está na exposição agora, o Sem título (Paraíso de Jeová). Eu trabalhei a partir daquelas imagens de revistas das Testemunhas de Jeová, na casa da minha avó tinha muitas delas. Era interessante porque tinha um pequeno texto com um título chamativo, tipo “Para onde vamos quando morremos?” e um pequeno texto respondendo à pergunta a partir de uma determinada leitura da Bíblia. O que eu mais gostava eram as imagens do Paraíso, que misturavam pessoas sorridentes com diversos animais. Tinha o leão fazendo carinho na zebra, crianças brincando com lobos, todos os animais, predadores e predados, juntos, felizes e sorridentes. Não lembro de ter visto cobra nessas imagens, acho que pegaria mal, né? De certa forma, esse trabalho é também o final dessa série que estou desenvolvendo, porque é quando todos os animais morrem e vão para o paraíso (que, no fim, é uma imagem). Mas a ordem cronológica não é importante para mim, o trabalho é formado por vários trechos de narrativa que não tem exatamente início, meio ou fim. Dentro dessa série esse foi o oitavo trabalho a ser produzido, e fiz mais 22 depois dele. Mas não está nem um pouco perto do fim. Acho que essa série ainda vai durar mais uns 2 anos (se é que vai, de fato, terminar um dia). Mais para frente gostaria de lançar um livro com essas imagens.

 

2 – QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?

Magritte, Cao Guimarães, Chema Madoz, Wilma Martins, Warhol, Nelson Leirner, Duane Michals, Jeff Koons (o início da carreira, em especial a série Banality) e o Marcos Chaves. Além, é claro, de artistas que tive o prazer de conhecer e/ou trabalhar em alguns projetos e cujos trabalhos acabam reverberando em mim de alguma forma: Lara Ovídio, Rodrigo D’Alcântara, Amanda Copstein, Rafael Bqueer, Victor Iervolino, Ventura Profana, Daniel Nolasco, Bia Barros Martins, Jandir Jr., Lyz Parayzo, Anitta Boa Vida, Eduardo Montelli, João Paulo Racy, Janaína Miranda, Hermano Luz, Joélson Bugila e Ana Emerich.

Quanto a teóricos, gosto bastante dos assuntos e da forma como o Arthur Danto escreve, é bastante inventivo e utiliza o humor em várias situações. Me interessa também a contribuição (e as alfinetadas) que a Susan Sontag trouxe ao campo da fotografia. Poderia citar também o Luciano Vinhosa, que foi meu orientador no mestrado que fiz em Artes, pela forma como ele discute fotografia/imagem na contemporaneidade.

 

3 – O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Cromofobia (do David Batchelor), onde o autor elabora e discute as razões históricas pelas quais na nossa sociedade patriarcal a cor é vista, por vezes, com certa desconfiança, além de ser relegada, por preconceito, ao campo supostamente “menor” do infantil, do feminino, do primitivo, do estrangeiro ou do animal. Além disso, estou lendo também uma biografia do Magritte (que tem influenciado alguns dos trabalhos que estou desenvolvendo agora).

 

4 – QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

A minha experiência do mundo passa muito pelo meu trabalho e, dentro desse campo, tenho alguns interesses específicos, um deles é a nossa relação com a natureza. Tem um termo que utilizo que é natureza domesticada, que compreende formas de lidar com a natureza ou com uma ideia de natureza onde, na maior parte das vezes, o selvagem ou mesmo o orgânico está ausente. Sobrando, então, substituições através de representações e simulacros que povoam o nosso cotidiano com plantas artificiais, estampas de camisa floridas, brinquedos em formato de miniaturas de animais, peixes eletrônicos, tampas de vaso sanitário que simulam o mar, capas de botijão de gás e panos de prato com flores e vaquinhas. Nesse sentido, o meu trabalho é quase que um catálogo de todas essas coisas (eventualmente bizarras) que existem no mundo. Outra coisa que me chama muita atenção é a decoração, especialmente a decoração do ambiente doméstico. Ideais de beleza, gosto, valor, classe, dentre outros temas aparecem aí de forma muito efervescente. O lugar que mais gosto de ver quando vou na casa das pessoas é o banheiro, ele me diz muito mais sobre quem mora ali do que o quarto, por exemplo, que muitos julgariam como sendo o lugar “mais pessoal” da casa. A sala também costuma ser muito interessante, especialmente os itens mais claramente decorativos. É como se fosse um meio termo entre o que a pessoa gostaria (ou pode) conviver diariamente e o que ela gostaria que os outros vissem. Os objetos fazem a intermediação e atuam como um filtro para mostrar aos outros quem você é, quem você gostaria de parecer e/ou quem você pode ser. O lar, assim como a família, é um campo de afeto e possibilidades, mas também é um campo de batalhas. Outro dia entrei num petshop e vi um pássaro muito bonito de cores exuberantes. Eu fiquei espantado com a beleza dele, mas ao mesmo tempo fiquei pensando que possivelmente o motivo dele estar preso naquela gaiola era justamente porque ele era bonito demais. Fosse um pouco feio, talvez estivesse voando por aí. Como a Beyoncé já disse: pretty hurts (em tradução livre: a beleza dói/machuca). Outro interesse que poderia citar é pelas superfícies, seja a superfície da nossa pele, dos objetos ou das imagens nas telas dos computadores, celulares ou televisores.     

 

5 – O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

Além da série Cotidiano, que está nessa exposição, estou desenvolvendo trabalhos em vídeo e alguns objetos/esculturas. Na verdade, eu tenho uma lista com várias ideias de trabalho e vou desenvolvendo conforme as possibilidade de tempo, dinheiro, ânimo, oportunidades em espaços expositivos, etc. Em geral, eu tento ter cada trabalho “resolvido” o máximo possível na minha cabeça antes de partir para a sua concretização material. No caso da série Cotidiano, por exemplo, algumas imagens levam meses na minha cabeça até que uma hora parto para realizá-la aqui no nosso mundo. Claro que nem sempre as coisas funcionam do modo como você espera, mas isso pode ser interessante também. Nesse sentido, creio que a graduação que fiz em Cinema me auxilia bastante, pois consigo usar técnicas de iluminação e recursos da fotografia para chegar em determinados resultados. Me agrada que alguém olhe as imagens e pense que elas são “bem-feitas” ou, se for o caso de ser algo tosco, que seja deliberadamente tosco e, não, algo apressado ou sem cuidado. Tendo dito isto, na verdade depois da lista com as ideias, eu faço também uma tabela com o que falta e quanto custa para realizar cada trabalho. Tento manter isso razoavelmente organizado, mas as coisas se desorganizam (sempre). Assim, os trabalhos estão numa fila, alguns estão no campo das ideias e ainda vão demorar anos para ficar prontos e outros já estão sendo realizados. Às vezes aparece uma oportunidade como uma residência artística ou uma exposição na qual posso desenvolver um projeto específico.

 

6 – QUE SITES VOCÊ COSTUMA VER?

Costumo ver muitos canais no youtube. Os meus gostos são bem peculiares, então um dos meus canais favoritos é o AntsCanada, que é um cara que cria formigas em viveiros e faz umas narrações do cotidiano delas (eu realmente gosto). Tenho visto muitos vídeos em canais como o AmoPeixe sobre construção de lagos ornamentais (por conta de um trabalho que está em andamento). Costumo entrar também em sites que divulgam editais e salões de arte, como o mapa das artes. Naturalmente, acesso muito o meu próprio site, que é o ffafelipe.com, para atualizar as imagens dos novos trabalhos ou relembrar coisas de trabalhos mais antigos. Fora isso, uso bastante as redes sociais (quem quiser seguir no instagram: @ffafelipe) e sites de conteúdo adulto rs.

 

7 – QUE MÚSICAS VOCÊ OUVE?

Tem um artista que eu ouço quase todos os dias desde os meus 15 anos de idade: Rufus Wainwright. Além de realmente gostar muito do trabalho dele, eu ouvi pela primeira vez na trilha sonora do filme Brokeback Mountain, quando eu era uma bicha jovem e ligeiramente perdida tentando entender as coisas da vida (tinha recém “saído do armário”, então era aquela fase que você “vira” o amigo gay da turma e não sabe muito o que fazer a partir disso). Uma coisa que gosto muito no Rufus é que ele é um artista extraordinário, apesar de ser essencialmente um cantor/compositor de música pop, ele já escreveu duas óperas (uma em francês e outra em inglês/latim). Não que isso seja um parâmetro de qualidade (música clássica), mas é algo que não se espera de um cantor pop. Ele realmente faz coisas nas quais acredita, apesar da maioria delas não resultarem em um sucesso comercial muito expressivo. Mesmo detestando (esteticamente) alguns projetos dele, como o espetáculo em que ele refaz um famoso show da Judy Garland, eu o respeito como artista, porque vejo sua dedicação e comprometimento com o trabalho.

Além do Rufus, tenho um gosto eclético (aquela resposta tosca que você diz no primeiro encontro com alguém): Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Linn da Quebrada, Maria Creuza, Liniker, Karol Conka, Pop Internacional (Rihanna, Shakira, Ariana, ainda espero a Gaga voltar para o Pop), Velvet Underground, Pop Brasil (Ludmilla, Pabllo Yukeeê, não sei se a Anitta entra na parte do Brasil, acho que ainda sim), Fiona Apple, Ella Fritzgerald, Björk, Jeff Buckley, Bach ou Händel (quando acordo mais barroco), Mariah Carey (apesar de eventualmente ter vergonha de admitir), Funk (para descer até o chão) e tem também um compositor/cantor que acho muito bom que é o Vinícius Calderoni.

 

8 – QUE EXPERIÊNCIAS COM ARTE FORAM IMPORTANTES PARA VOCÊ?

Tive a sorte de estudar em uma escola pública muito boa que é o Colégio Pedro II. Lembro que um dia os professores levaram a turma para fazer um passeio no centro histórico do Rio de Janeiro, onde visitei pela primeira vez o Centro Cultural Banco do Brasil. Alguns anos mais tarde, visitei nesse mesmo centro a exposição da Rebeca Horn e lembro que fiquei muito encantado com as instalações. Eu já estava cursando a faculdade de Cinema na UFF, mas estava em conflito porque não era exatamente aquilo que queria fazer, então comecei um curso gratuito de fotografia na EAV Parque Lage, a professora era a Simone Rodrigues. Não era um curso sobre técnica (para aprender a fotografar), mas para experimentar de forma artística/poética a fotografia, foi a partir desse momento que comecei a pensar: “Ah, então acho que é isso o que quero fazer!”. Era algo que fazia sentido para mim, que me completava e me deixava maluco em um sentido positivo (talvez seja um pouco próximo da experiência religiosa). Só no fim do meu mestrado em Artes, que fiz também pela UFF, é que fui conseguir compreender um pouco melhor o quanto o que eu faço atualmente está atrelado ao cinematográfico (que era uma coisa que eu refutava). Enfim, ressaltei o papel das instituições públicas, gratuitas e de qualidade na minha formação e nas minhas experiências com arte porque provavelmente eu não estaria aqui falando isso se não tivesse tido essas oportunidades. Apesar de muitas vezes o campo da arte parecer gravitar em torno de dinheiro, classe, status e coisas assim, devemos ocupar esse espaço cada vez mais trazendo novas perspectivas e experiências de vida que ampliem os limites do que é possível e sonhável para pessoas que sempre estiveram à margem desses circuitos.

Gostaria de aproveitar este espaço para imitar a Anitta e fazer uma propaganda: criei uma campanha de financiamento para a minha primeira exposição individual que está prevista para junho no centro de artes da UFF (em Niterói – RJ). Quem tiver lido até aqui e puder contribuir e compartilhar, aqui está o link do site benfeitoria e o link da página da exposição no facebook:

benfeitoria.com/eraumavez

facebook.com/exposicaoeraumavez

 

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