O artista Fercho Marquéz participa da exposição DAS ESTRUTURAS MÍNIMAS ÀS NÃO CORES. Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais sobre o processo e as referências do artista.

1 – COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Meu processo de trabalho se instaura à medida que vou avaliando como potência uma ideia que surge à mente e que vem povoando reflexões sobre as condutas processuais no momento de produção. São fragmentos de formas de objetos comuns do mundo, de obras de arte, de arquitetura, fragmentos de pensamentos, de comportamentos humanos que se coadunam em uma situação de espera que em um momento ou outro, vinculam-se para uma vontade de ação, de produção de criação. Anexo Goiabeira: Cova sem identificação, por exemplo, produzido em 2016, durante o desenvolvimento do Mestrado em Poéticas Visuais na UFRGS, foi visionado através da necessidade de fomento de produção prática à minha pesquisa. Desembocou a partir do caráter propositivo da experiência de montagem de um trabalho, de uma ação a partir do contexto do projeto Espaço de Montagem, organizado pela Prof.ª Dr.ª Maria Ivone dos Santos, pertinente ao seu projeto de pesquisa As Extensões da Memória: a experiência artística e outros espaços. Estudando o espaço em que o Espaço de Montagem se dá, neste caso, a sala do Laboratório de Ensino e Pesquisa Tridimensional, situado no Instituto de Artes da UFRGS, através da escuta ‘visual’ e ‘espacial’ do espaço, propus o afastamento e desvio do motivo de ação prática não para o próprio espaço, mas que tivesse origem do espaço adjacente, marginal à sala. O trabalho vai se corporificando a partir do novo à pesquisa e ao mesmo tempo, de dirigências a pontos característicos a minha pesquisa, ou seja, a partir da proposta de site especific, de um espaço com o qual devo dialogar, no qual montar a obra-diálogo nele e este recebê-la em conversa. O olhar propenso às sutilezas das coisas, aos interstícios dos elementos que constituem o espaço, a potência da palavra como definidora da indefinição, com sua maleabilidade, sua arqueologia que vem consigo se operacionalizam a partir do julgamento intuitivo do que de pedaço de espaço, de propriedade original irei me apropriar resultante deste diálogo.

Esse espaço então, que me diz mais do que ele não é, do que não se conhece dele, do que não se olha dele ou mesmo, do que impossibilita de não ser ocupado se mostrou bastante presente como parâmetro de diálogo e reação. O espaço definidamente indefinido, a qual nomeio Cova sem identificação é uma área, sem nome, nem utilidade que foi esquecido pelo projetistas e arquitetos do prédio durante sua construção. A partir da percepção de especificidade do espaço, passo a intervir com placas finas de glicerina no espaço para que captem como um filtro, todos os objetos que caem do alto em direção a superfície da área. As placas perdem sua referência ao molde, à medida que vai sendo subvertida sua forma pelo intemperismo e pelas quedas de folhas e goiabas do alto. As placas passam a se tornar filtros que capturam em sua própria presença, todo esse âmbito do sedimento. Após adicionarem as placas ao espaço, as subtraio de lá e as disponho empilhadas sobre suporte de madeira. Como experiência, trago planta baixa do espaço que não informa especificamente nada em si, uma contextualização da ação interventiva, a descrição do espaço, uma transcrição do áudio do momento de medida da área, uma lista imaginária de objetos/personagens do espaço, fotografias da adição e subtração das placas de glicerina e consequentemente seu rastro de presença e texto poético narrando a suposta origem do espaço.  Há toda uma dinâmica espacial própria que é respeitada, a intervenção é mínima, respeitando a própria existência do espaço. O que se gera dessa experiência são fragmentos que não se tornam resultado findo, nem se reportam estritamente ao espaço propriamente dito. Distam frouxamente nem longe demais, nem perto demais do espaço, sendo mais um desvio, um resíduo. Respeita-se assim a fuga que a área propõe em relação aos endereçamentos de uso, de ocupação e de exploração espaciais. Proponho uma instalação que também seja um desvio ao próprio espaço, com fragmentos que ora pretendem se desviar da própria métrica do lugar; ora desviam a forma das placas que perdem sua forma provinda do molde, como também, do boato como gênero literário que passou por tantas bocas que não há mais ligação nem perto demais, nem longe demais do real acontecimento sobre o qual se é narrado. O espaço foi experienciado e o desvio dessa experiência vertida em blocos de textos, em disposição uma sobre a outra de placas de glicerina, onde frouxamente desviam a experiência da obra para o tato.

 

2 – QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ? 

Minha relação com poéticas de diversos artistas sempre é baseada a partir de uma espécie de pergunta que essas obras geram em mim, de uma certa indeterminação que me instiga a me orientar em uma busca de seu processo, de seu pensamento artístico. Interessa-me muito uma poética artística que tenha despendido em si um interesse de reflexão, de produção escrita resultante das inquietações do próprio artista perante seu próprio processo, perante seu tempo, perante os demais artistas e paisagem circundante. Robert Smithson me é muito caro tanto por sua aventurança por, literalmente, áreas desconhecidas ou pouco confortáveis para o campo da arte de sua época, pelos materiais empregados, pela escrita que está embrenhada da materialidade dos seus elementos com que trabalha; Giuseppe Penone pela sua aproximação ao centro do furação da aparente oposição homem e natureza, injetando neste centro de conduta, tensionadores para uma poética que vai encontrar na natureza o próprio homem e que guardadas suas diferenças com Smithson, mantém contente um compromisso rigoroso com a ideia de um artista que tem suas escritas também como arte. Todo o campo de desembocaduras de novas ideias, novas práticas apresentadas pelo Conceitualismos, pela Arte Povera, Earth/Land Art, (Pós-) Minimalismo dos anos 60, 70, o pensamento embrionário para isso de Marcel Duchamp, interesses que envolvem paisagem, morte, sublime, áreas limítrofes, limiares, interdições, tabus também compõem minhas inquietações, que, contudo, está sempre sensível para o que não esteja dentro desses âmbitos.

 

3 – O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO

Atualmente, venho em um frenético processo de leitura, muito instigante, diga-se sempre, de passagem. Venho lendo ao mesmo tempo textos do pensador francês Georges Didi-Huberman, como L’Empreinte (1997), Cascas (2017),  Images Malgré Tout (2004), Lieu Malgré Tout (1995) textos relacionados à morte, como Vida e Morte da Imagem (1995) de Régis Debray, Sobre a Morte (2017) de Maurice Godolier, por citar alguns; questões de ruínas, destruição presente no pensamento do artista estadunidense Gordon Matta-Clark, escrito pela Pamela Lee, Object To Be Destroyed (2001); procedimentos no objeto e na escultura, como a obra da artista britânica Rachel Whiteread, organizado por Chris Townsend, The Art Of Rachel Whiteread (2004), Maurice Blanchot e seu Espaço Literário e tantos outros.

 

4 – QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

Coisas do mundo que possam acionar algum desejo de produção de um texto, de uma obra, de um boato, de um rascunho. Coisas relacionadas à área da geografia, como questões de fronteiras, de propriedade; da arqueologia, como achados arqueológicos, coisas enterradas; da geologia e seus extratos terrestres; da astronomia e o que não se conhece e o que se recém foi descoberto; questões relativa ao cotidiano das pessoas, aos antigos costumes; aos nomes de lugares: toponímicos; aos nomes de pessoas; aos desvios da língua: palavras em desuso, palavras antigas, palavras erradas, jogo de palavras, figuras de linguagens, etc; aos costumes e comportamentos, à cidade, como também, ao mundo mesmo.

 

5 – O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

No momento estou trabalhando na continuidade de minha escrita, referente ao mestrado do qual participo, que vem para reavaliação, seguido também de um momento de ínterim para pensar novos projetos de produção, como por exemplo, relacionados a processos de moldagem de partes do corpo, de elaboração de novas caixas e moldes para produção de novas obras. Paralelamente, estou traduzindo como exercício, independentemente, dois textos de Didi-Huberman, no caso Images Malgré Tout (publicado pela KKYM e traduzido para português europeu por V. Britto e J.P. Cachopo) e seu texto Le Lieu Malgré Tout, publicado na revista francesa de História Persée, em 1995. O primeiro texto refere-se a posição de Didi-Huberman de se embrenhar nos eventos históricos do Holocausto e como um arqueologista-historiador das imagens, acessar através da necessidade de imaginação a partir de 4 fotografias tiradas por um prisioneiro de dentro de uma câmara de gás, os horrendos acontecimentos do genocídio de judeus em Auschwitz-Birkenau tidos pela burocracia nazi e os negacionistas como ‘inimaginável’, como um gesto de combate ao esquecimento, ao ocultamento e o perigo que isso pode ocasionar nas próximas gerações; Le Lieu Malgré Tout vai dissertar sobre como o gesto cinematográfico do cineasta francês Claude Lanzmann repercute uma ética das imagens na realização do paradigmático documentário Shoah (1985) ao sintetizar a apreensão das barbaridades acontecidas através dos testemunhos orais dos sobreviventes, dos Nazis e mais que tudo, da atualidade do estado em que se encontrava os campos de concentração e de sua paisagem à época.

           

6 – QUE SITES VOCÊ COSTUMA VER?

Costumo acessar sites de notícias nacionais e internacionais, sites sobre arte, redes sociais, etc.

 

7 – QUE MÚSICAS VOCÊ OUVE?

Comumente, escuto músicas rotuladas como ‘alternativas’, quer dizer, rock alternativo, indie-rock, R&B alternativo, indie-pop e música pop. De 2017, ano fraco para a música, destaco alguns álbuns que me impressionaram: a reviravolta no estilo da banda estadunidense Paramore com seu álbum After Laughter, com guitarras frenéticas, aspecto retrospectivo, lembrando bandas como Two Doors Cinema Club e Vampire Weekend, vocais e letras perspicazes e contraditórias de Hayley Williams, o segundo álbum da artista inglesa Jessie Ware, intitulado Glasshouse, com uma voz limpidamente precisa, qualidade vocal e das letras impecáveis, destacando seu momento como mãe, mulher e cantora, o álbum do The XX, I See You, com uma guinada para um som mais claro e uptempo e para fechar, o Melodrama da cantora neozelandesa, Lorde, atual, fresco, juvenil e ao mesmo tempo maduro, com letras autorais muito engenhosas. Destaco também toda a produção brasileira queer: Linn da Quebrada, Lia Clark, As Baianas e A Cozinha Mineira, Banda Uó, Glória Groove, Silva, MC Xuxu, Mulher Pepita e cantoras como Tati Quebra Barraco, Jojo Todyinho, Inês Brasil, Valeska Popozuda e nossa matriarca musical Elza Soares.

 

8 – QUE EXPERIÊNCIAS COM ARTE FORAM IMPORTANTES PARA VOCÊ?

Citarei minha visita à Trienal do Sesc Sorocaba, intitulada Frestas em dezembro de 2017, que me apresentou um espaço físico fenomenal, um eixo curatorial e gráfico interessante; à exposição Queermuseum: cartografias da diferença na arte brasileira, em julho de 2017, realizado em Porto Alegre, por todas as problemáticas desde da ordem do eixo curatorial até os desdobramentos que impactaram o sistemas das artes, a liberdade de expressão e a repressão e desrespeito ao direito de defesa,  resultantes de manobras do conservadorismo político contemporâneo brasileiro.

  1. Parabéns, Fercho!
    Desejo-te toda sorte e sucesso. Um grande artista e amigo.
    Agradeço ao artista pela entrevista e ao DaP da UEL pelo espaço disponibilizado e por todo trabalho realizado, muito obrigado!

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