O artista Danillo Villa participa da exposição PAISAGEM: A REPETIÇÃO DO QUE É IMPERMANENTE. Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais sobre o processo e as referências do artista.

 

1 – Parte dos trabalhos expostos na DaP fazem parte do seu Doutorado. Pensando nisso, qual a relação entre o tema do seu Doutorado e a paisagem na arte contemporânea?

Parte do trabalho exposto realmente faz relação com meu doutorado. Como por exemplo Paisagem, constituído com lã de carneiro. Eu voltei aos desenhos desenvolvidos no momento do doutorado em 2011. Eram vistas de ruas de São Paulo e de Londrina e que na realização eu buscava a sensação de mimetismo com o espaço. Eu me deslocava pelas ruas para me sentir um pouco perdido, para de alguma forma me desconectar e experienciar estar na paisagem. Ser ninguém, ser mais um caminhante na cidade, em algum momento eu parava e fazia um desenho. Ao voltar a esses desenhos,  para a realização do trabalho que está nessa exposição,  sinto outro tipo de afetação.Sendo assim, eu uso o desenho como outra informação e de um desenho simples e de anotação estabeleço outros mistérios a respeito da paisagem, da memória. Como lidar com o acréscimo deste elemento novo? O que acontece com as afetações que foram despertas na primeira vez? Quando voltei ao desenho, me perguntei o que muda no que sinto quando lembro?  Torna-se pano de fundo faz parte, mas não está tão quente. Aceito a transformação de uma afetação? Aceit esse segundo instante daquilo que vivi?

 

2 – Houve um momento na abertura da exposição que indagaram sobre a não evidência de paisagem na obra “Eu Te Darei O Céu Meu Bem”. De que forma a paisagem aparece na obra?

O tom azul do trabalho Eu Te Darei O Céu Meu Bem, está intimamente ligado às paisagens da cidade dos meus pais e aos primeiros desenhos que fiz. é uma espécie de azul solar, de céu de dia claro, indicação de longas distâncias de espaço vazio, metáfora de liberdade indicada na amplitude do espaço. Eu pinto variando esse tom de azul há vários anos. Eu te darei O Céu Meu Bem é um céu e tem uma expansão horizontal, que se refere a uma experiência de paisagem. Esta experiência me permite recuperar a paisagem. Eu posso buscar em minha memória uma experiência de paisagem? Eu posso me deitar e imaginar que eu sou a paisagem? Permitir que ela aconteça novamente em mim. Nu e deitado, sou muito mais paisagem que imagens possam tentar me induzir a VER, eu prefiro SER.

 

3 – Quais as conexões e relações que esses trabalhos te remeteram no fazer?

Eu gosto desse desejo que as pessoas têm em tocar no meu trabalho. A pele de carneiro oferece uma resistência, ela tem cheiro e mesmo assim o dá vontade de abraçar porque parece carneiro de verdade, e é. Gosto da presença do carneiro. Quando realizei desenhos nas ruas de Campinas, um dia ouvi pessoas me xingando e a princípio não entendi, eu estava concentrado e apenas desenhando. Passaram novamente e me xingaram de “veado, filha da puta”. Fiquei sem entender o porquê. Depois descobri que aquele ponto, perto da minha casa, era um local de prostituição masculina. Apesar do tátil, limpo e higienizado, não remeter a essa experiência, mas é importante lembrar que eu estive nesse lugar para desenhar e perceber uma relação horizontalizada com o mundo que me orientava. O desenho é um exercício de aproximação, de qualificação de uma relação.

 

4 – Seus trabalhos geralmente são muito limpos, passam uma espécie de sensação silenciosa e de desconexão do ambiente. Pode discorrer um pouco a respeito disso?

Acho essa percepção muito legal. Eu não sei se penso nisso exatamente.  Quando estou desenhando na rua e quero me sentir mimetizado, baixar o império do ego. Eu não estou na rua para fazer uma performance, não quero que as pessoas me vejam desenhando na rua e reconheçam que eu desenho, não é nada disso. Quero ser tão importante quanto uma árvore ou um poste.  A mesma presença. E isso é da ordem do silencio. O silêncio funciona como uma espécie de cenário para qualquer acontecimento. É uma espécie de ruína,  que não impõe acontecimento algum. O acontecimento ecoa nesse silêncio. Esse meu desaparecimento me interessa no trabalho, acho que eu chego à ele inevitavelmente.

 

5 – Como um trabalho começa?

Nunca sei, de vez em quando me imponho alguns desafios, desenhar na rua, pintar telas mecanicamente (não deu certo). Ultimamente, tenho pensado que meus trabalhos surgem de algum encontro, assuntos que estejam me afetando, uma imagem na internet que conecta desejos ou pensamentos anteriores sobre assuntos que me interessam. Ultimamente acho que há algo para ser dito através do meu trabalho, alguma coisa que eu preciso aprender ou saber, tenho tentado ver, ouvir e orientar minhas ações a partir da observação cuidadosa das coisas. Aparentemente as obrigações tem se tornado uma espécie de cegueira, então tenho tentado me localizar, deixar as percepções fluírem, ao contrário do que possa parecer, isso me torna muito crítico, talvez porque há muito o que aprender e mudar para ter uma rotina minimamente compatível com meu trabalho artístico.

 

6 – Que artistas ou teóricos você considera importantes? Por quê?

Paul Cézanne, artista francês, desde sempre, a primeira grande referência. Fez eu atentar para a descoberta do espaço que as coisas, objetos ocupam quando eu me dedico a observá-los, os objetos alteram minhas percepções, pintá-los altera minhas percepções de uma maneira geral. De certa maneira me ensinou a me misturar com o mundo, minha desimportância ao sentir-me afetado tanto quanto afeto as coisas. Didi Huberman, pelo mesmo motivo, o livro O que vemos, o que nos olha – me esclareceu a forma como nos projetamos sobre formas inanimadas, e como nos reconhecemos nelas. Muitas mulheres: Louise Bourgeois, Kiki Smith, Jenny Holzer, Maria Martins, Márcia X, todas por expandirem pressentimentos que eu tinha a respeito das mulheres, de muitos comportamentos humanos. Beuys e Duchamp, por representarem polos que me interessam, entre o desejo de mudança e o desencanto em relação a ela. Seus trabalhos brilhantes me ajudaram a definir o que penso sobre arte.

O curador Hans Ulrich Obrist, porque de certa maneira, me faz pensar que a obra de arte é uma ativador de movimentos, vitais. Pressinto que chegamos a este objeto muito sofisticado que é a obra de arte, mesmo quando feito de material muito simples, consequentemente há lugares e objetos para olharmos e entender melhor a maneira como nos relacionamos com e no mundo.

 

7 – O que você está lendo?

Estava lendo o material educativo das bienais, me interesso muito por estratégias desenvolvidas para provocar e fazê-las repensar ou reestruturar suas percepções. De vez em quando releio textos de Lygia Clark, admiro a estranheza que me causam ao proporem novas relações com as percepções que a artista tinha de si. Poemas de Fernando pessoa e Orides Fontela também sempre retornam.

 

8 – Que tipo de coisa chama sua atenção no mundo?

Todo tipo de coisa: injustiça, ignorância, cores, jardins de casas velhas, todo tipo de beleza, pessoas na rua, talentos. Solidariedade me afeta profundamente como Lea Cerezo em campanha para minimizar os danos de incêndios na Chapada dos Veadeiros em Goiás. Coisas muito simples transformadas em outras muito sofisticadas por um simples deslocamento feito por um artista: os pingentes de vidro no trabalho do Leonilson, um sapato pintado por Van Gogh, as Monalisas de bigode do Duchamp. Gosto muito de coisas que eu sei que acontecem em aulas de arte em todo os lugares, saber que um jovem ou criança, um professor se sentiu afetado positivamente e sentiu prazer entrando em contato com arte me toca profundamente.

 

9 – O que você está produzindo agora?

Há um conjunto de trabalhos sendo desenvolvido. Uma almofada com formato de viadinho e com bordado de estampa camuflada. Um mar de rosas, um céu azulzinho de pelúcia. Desde sempre acho que estou tentando constituir um mundo, eu sempre retorno a um problema de espaço, gosto muito de horizontais, gosto de micronarrativas isoladas nos espaços que constituo. Com o meu trabalho, eu meio que duvido da constituição das coisas e das verdades evidentes, acho que muitas coisas se revelam já na superfície, mas é preciso encará-la, coisa que não fazemos. Fico pensando o que fazer com as coisas que percebo de cara, que posso estar errado, que é um caminho ingênuo, mas gosto de estar um pouco neste lugar antes de me intoxicar de informações ou pensamentos demasiadamente críticos. Tenho usado neste processo pelúcias, silhuetas diversas, pele de carneiro, a maciez é um fator importante, assim como a cor nas estampas de um modo geral e nas camufladas pelo conceito de mimetismo que me interessa muito.

 

10–  Que sites você costuma ver?

De todo tipo, costumo transformar minhas dúvidas em perguntas no Google Acadêmico e leio com entusiasmo os artigos que aparecem. Vejo pornografia, sites de silhuetas para meus trabalhos. Gosto de acompanhar o movimento de algumas galerias como a casa triangulo.

 

11 – Que músicas você ouve? 

Um pouco de tudo de uma maneira geral, para escutar alto, meio gritando: Adriana Calcanhoto, Sia, Morrissey, sertanejo. Se há um drama bem descrito e bem escrito eu berro junto, se for na estrada sozinho, melhor. Mas música para mim são as vozes da Nina Simone e da Amy Winehouse, de verdade, só elas retornam, Nina mais ainda.

 

 

12 –  Que experiência(s) com arte foi importante pra você?

Acho que tive muitas, os primeiros e últimos desenhos, as primeiras e últimas pinturas. Eu vivo disso, e viver disso quer dizer que isso, esse campo tão vasto e de limites tão imprecisos é o território onde tenho meus melhores movimentos, pensamentos, ações.

Posso destacar minha graduação, das muitas horas dentro dos ateliês da Unicamp e a sensação de estar fazendo a coisa certa. Das discussões interessantíssimas com meus professores, dos trabalhos que eu fazia. De ter morado com colegas do curso e já com a decisão de nos dedicarmos muito num processo imersivo que deixava alguns colegas e alguns professores meio espantados com nosso comprometimento apaixonado. Sem dúvida o encontro com obras de arte é sempre um grande momento. Vi uma retrospectiva na Pinacoteca de SP, do artista brasileiro Antônio Dias e chorei. Alguns trabalhos se assemelham a lousas negras com poucas palavras que reverberam dentro de mim como aulas, continuamente.

 

 

 

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