ENTREVISTA COM O ARTISTA CLAUDIO GARCIA

O artista Cláudio Garcia participa da exposição PAISAGEM: A REPETIÇÃO DO QUE É IMPERMANENTE. Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais sobre o processo e as referências do artista.
1 – Quais as paisagens que te afetam?
A que a gente está vendo agora, por exemplo, é uma afetação do pôr do sol. Mas na verdade, o que está me afetando é uma sensação boa, quente e harmoniosa. Mas para você pode ser incômoda e conflituosa. Não é mesmo? Gosto mesmo da paisagem que me causa comoção, como esta que estamos a ver agora.
2 – Qual a relação que existe entre a paisagem e o pigmento azul que usa em seu trabalho? É um pigmento não mineral, ou seja, não é natural, mas sintético, fabricado. No caso dessa exposição, o que você propõe é uma paisagem sintética?
Não. A proposta do trabalho é natural, mas como toda obra, na verdade, é artificial. Viso a emoção do espectador, ela não pode ser sintética. Falo de emoção estética. Essa comoção não pode ser artificial. Esse azul me puxa para uma representação de algo mais antigo. Eu acho que tudo que puxa pro mais antigo é bom. Eu gostaria de ser um infante europeu chegando no Brasil no século XVII. Por isso estou falando de uma infância que eu não vivi. Por isso que gosto de coisas remotas. As coisas arquetípicas me parecem azuis. Vem do Egito esse azul. Embora este azul seja sintético, ele me remete ao arcaico.
3 – O que é paisagem pra você?
Eu penso que está na hora de parar de se perguntar pelo “é” das coisas e pensar no infinitivo do verbo, ou seja, no ser das coisas. O “é” traz um sentido muito categórico. O “é” parece que exige uma definição. Então, seria melhor perguntar pelo sentido da paisagem. Assim, a paisagem se torna invisível quando penso no ser da paisagem.
4 – Me fala dessa relação entre o azul e a paisagem.
Bem, eu acho que não expliquei bem no dia da “conversa de artista”, na abertura da exposição. Evidentemente que o azul da exposição faz uma citação do artista Ives Klein. Parece-me que falar assim é reduzir a paisagem que proponho à citação. É claro que cabe, sim, esta citação, mas como uma nota de roda pé. O azul apresentado me remete a algo anterior. Outra coisa que é preciso destacar antes de falar da referência, é que esse azul, como você já disse, é sintético, fabricado, não é de origem mineral. Eu comprei o pigmento numa fábrica e pintei. Foi só. No dia da exposição fiz questão de falar sobre uma exposição que vivenciei durante várias semanas, talvez mais de um mês. Evitei citar Ives Klein porque estava óbvio. Falei de uma exposição-referência para mim. Quando, no Rio de Janeiro, foi exposto um grande número de pinturas do artista holandês Frans Post. Na década de 80, no Paço Imperial, visitei a exposição, como já disse, diversas vezes. Não me interessei pela composição das pinturas porque ela era sempre a mesma em todos os quadros. O que me comovia era a diversidade de azul que cada tela expunha. Aqueles azuis eram de origem mineral, não eram sintéticos, é claro. Assim, as pinturas ganhavam uma dimensão quase invisível, era o infinito que o pintor trazia para diante de meus olhos. Por isso vejo neste trabalho “paisagem azul”, na DAP, algo de invisível e ao mesmo tempo intimista. Acho que busco esse azul o tempo todo. Até quando eu faço gravura, em preto e branco, é esse azul do Frans Post que busco.
5 – Como um trabalho começa?
Pela comoção, quando algo dramático e barroco ocorre diante da minha visão.
6 – Que artistas ou teóricos você considera importantes? Por quê?
Não gosto de falar de artista vivo. Apenas depois que morre. Daí esqueço a pessoa, o seu espaço e passo a pensar no seu tempo e “experienciar” a obra. Quanto à teoria, prefiro o pensamento de alguns filósofos. Eles me sugerem a pensar a vida como ela é. A obra como ela é, sem a teoria e o artista vivos, é, para mim, mais estimulante. Mas não nego a importância dos artistas vivos nem dos teóricos é claro. Estou te dando uma resposta pessoal e não gostaria que fosse generalizada.
7 – O que você está lendo?
Tenho lido muitos livros e textos de alunos ao mesmo tempo. A vida de um professor é ler bastante, mesmo quando ele está envolvido com as artes visuais. Não gosto de escutar sobre esse “negócio” de ler imagens. Acho que eu vejo imagens, não as leio. O que leio é texto e livro. Gosto mesmo de literatura. Adoro Nelson Rodrigues, José Lins do Rego e outros. Em geral, não gosto de ler textos de professores que recortam, das suas práticas, um discurso que só serve para estimular a morte do prazer do texto. Podem me xingar que aceito e respeito. Mas para escrever a gente tem mesmo é que ler os escritores que viveram a literatura como a vida é.
8 – Que tipo de coisa chama sua atenção no mundo?
O modo como as pessoas se comportam diante de mim. Eu as vejo apenas entre a sedução e a melancolia. E “vejo” discursos que fortalecem a autodestruição. Escuto justificativas e opiniões que me fazem pensar apenas que os sujeitos estão no mundo apenas para se destruirem. O que eles falam formam apenas uma máscara para protegê-los dos ataques oriundos de seus próprios esconderijos. As ações, da maioria das pessoas, são sempre revestidas por discursos-escudos que não as protegem dos ataques externos, mas dos internos. Esses são autodestrutíveis e incorruptíveis, infelizmente.
9 – O que você está produzindo agora?
Acho que o meu trabalho está alcançado uma interação de opostos muito importante. O artista criador aproxima-se do professor e pesquisador a cada dia. Na universidade e nas escolas que tenho visitado, vejo um mundo profícuo de possibilidades de sentido estético que me desligam dos discursos que me referi na resposta anterior.
10 – Que sites você costuma ver?
Nenhum.
11 – Que música você ouve?
Quase nenhuma.
12 – Que experiências com arte foi importante para você?
A fruição diante das obras dos artistas anônimos, tanto do Antigo Egito quanto dos artistas de igrejas que já morreram e deixaram um legado laico embora mascarado por religiões.