O artista Márcio Diegues participa da exposição PAISAGEM: A REPETIÇÃO DO QUE É IMPERMANENTE. Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais sobre o processo e as referências do artista.

 

Olá Equipe DaP!

Tudo bem?

Eu originalmente sou do interior de SP, de uma cidade chamada General Salgado, onde morei com meus pais em um pequeno sítio até meus 15-16 anos de idade. Depois me mudei para Londrina, e iniciei o curso de Artes Visuais na UEL, em 2008, e me graduei em 2012.

Sempre tive o desenho como uma atividade presente na minha vida, desde a infância na fazenda, nas brincadeiras, como passa tempo, como tarefa da escola, etc. Meu trabalho de artista começou entre os primeiros anos da graduação, onde, a partir do caderno de artista, passei a direcionar minha pratica de desenho e a registrar meus lugares cotidianos, os objetos que encontrava em casa ou na rua, os trajetos que fazia até minha casa, e as derivas pela fazenda, que visitava em todas as férias da graduação.

Quando percebi, a paisagem parece que havia me encontrado. Ela estava em todos os cadernos e em boa parte dos desenhos. Os lugares desenhados ocupavam meu pensamento de forma aguda, parecia que eu podia desmonta-los com a imaginação, redesenha-los, olha-los novamente, fazer gravura deles, retoma-los em outros formatos de caderno, coletar seus elementos, e então, meu trabalho artístico começou a surgir dessas inquietações todas, fomentadas durante a graduação e continuam em movimento na minha produção plástica até hoje.

Após a graduação, trabalhei em oficinas do PROMIC com a artista Adriana Siqueira, promovendo o ensino de encadernação artesanal e aulas de desenho. Em 2013/14 fui contemplado no edital da Residência Bolsa Pampulha, e me mudei para Belo Horizonte, para realizar as pesquisas e viver o programa de pesquisa criado pelo Museu de Arte da Pampulha. Em 2015 participo de um projeto coletivo premiado na Funarte, chamado Ervanaria Móvel, no qual eu e mais três artistas vivemos no interior de Minas Gerais estudando a cultura dos raizeiros e a biodiversidade do cerrado.

Nesse tempo também iniciei o mestrado em Linguagens Visuais na UFRJ, residindo entre o Rio de Janeiro e mantendo laços de trabalho com Minas Gerais e aqui com Londrina. Atualmente estou terminando a pesquisa de mestrado e dando continuidade aos demais projetos, vendo possibilidades de trabalho, aulas, oficinas, etc.

 

PERGUNTAS:

1 – Onde você começou a estudar e qual foi o fator principal que o levou à arte e ao que você produz atualmente?

Iniciei minha graduação aqui na UEL em 2008, e me graduei em 2012.

Acredito que o contato com o desenho desde pequeno e as inquietações e curiosidades sobre as coisas, como a forma das plantas, as cores do céu, o que era a chuva, porque o sol era redondo, de onde vinha o escuro da noite….a infância toda que vivi no sítio, cercado de natureza, de espaço, de bichos, sempre me fez ver e viver coisas fantásticas, e talvez,  vive-las mais em minha própria imaginação do que no real, mas era esse real vivido que me fazia criar imagens, e, que, muitas vezes, era no desenho que essa imaginação e essas coisas apareciam e se evidenciavam, e eu podia olhar para elas de fora da minha cabeça, e podia mostrar aos outros e também comentar com eles. Talvez isso, que só faz sentido hoje – e tão claramente – foi o que me motivou a buscar nessa relação com a criatividade e com o mundo das imagens a profissionalização no universo da arte.

Me vejo como artista, professor e pesquisador, pois essas três qualidades são inseparáveis. E Coabitam, se alimentam, se fomentam, e sempre busquei viver, desde a minha primeira formação, essa relação de produção de arte como produção de conhecimento, como produção de forma sensibilizadora de outros olhares, seja no suporte que for, mas sempre buscando inquietar e transformar no exercício de olhar.

 

2 – Quais são as maiores influências no seu trabalho cotidiano?

Atualmente tudo pode ser influência para um trabalho. Desde um acontecimento ou uma percepção cotidiana, um objeto encontrado, a paisagem que se revela em um caminho diferente, aquilo que vejo da janela do ônibus em movimento, as coisas que caem no meu quintal, os seres vivos e não-vivos que aparecem nas paisagens que atravesso e que habito. Procuro estar aberto e atendo as coisas que acontecem ao meu redor, parece que isso cria esse campo de tensão onde o visível está a todo tempo nos revelando coisas invisíveis. Onde a paisagem rumina um silencio precioso para o pensamento e para aquilo que vemos.

Mas também tenho o trabalho de outros artistas, pensadores e até cientistas como referencia, seja nos métodos de pesquisa de cada um, sejam nas técnicas que utilizam, ou mesmo na forma-pensamento que os trabalhos assumem em forma de imagem, em exposições, mostras, na forma de livros, na lida do ateliê, nas vivencias com a paisagem, nos ambientes, etc.

Atualmente olho muita coisa antiga e contemporânea: Jacob van Ruisdael, Rubens, David Caspar Friedrich, as tipologias de nuvens do Alexander Cozens; artistas expedicionários e as missões naturalistas como Humberto Eckhout, Von Martius, Saint Hilaire; cito também os herbários medievais e barrocos, os livros antigos de medicina e posologia de remédios. Há também uma admiração pela obsessão gráfica e imaginária de Leonardo Da Vinci, pelas gravuras do italiano Piranesi , assim como o interesse pelos processos da artista brasileira Carmela Groos, a pintura e os procedimentos que Adriana Varejão opera sobre a história; me instiga muito do potencial instalativo e arquitetônico das obras do Henrique Oliveira; olho também para os precursores da Land Art, como Robert Smithson (tanto suas obras como seus escritos), Richard Serra, Christo e Jeanne-Claude e também o italiano Giuseppe Penone e sua relação com o potencial dos materiais, assim como Joseph Beuys, e o japonês Kishio Suga.

 

3 – Como foi a mudança territorial, artística e cultural de um lugar tão grande e repleto de natureza e praias para um lugar menor e com referências visuais tão diferentes?

Na verdade a mudança foi inversa, pois eu sempre morei mais próximo à terra do interior de SP e daqui de Londrina. As mudanças sempre são importantes, tanto externamente, quanto internamente. E acredito que mudar é poder assumir uma nova pele de relações com o espaço e consigo mesmo. Desde a residência Bolsa Pampulha e a minha mudança temporária para Belo Horizonte, já sentia o quanto os deslocamentos operavam as percepções de paisagem e também o próprio desenho, que refletiu como um espelho essas mudanças em suas linhas, nos novos pontos de vista que minhas incursões nesses locais abriam em minha visão, assim como nos climas e nas configurações espaciais que desataram em minha imaginação novas paisagens.

Parte da pesquisa do mestrado tem por objetivo estudar o mar e olhar este ambiente e esta paisagem que nunca tive tanta proximidade. As praias, a areia, as pedras do Rio de Janeiro e a intensidade da luz, foram algo que mexeu comigo. A água enquanto materialidade para a paisagem, substituindo a linha firme de terra, é sempre impressionante. Coletas de conchas, objetos trazidos pelo mar, imagens de paisagens marinhas, estudos sobre as ondas, o vento da paisagem da praia, todas essas questões foram assumindo nas vivencias com as paisagens do Rio de Janeiro um novo ramo em meus trabalhos plásticos, que aponta para esse novo lugar, tanto contaminando minhas memorias, quanto o meu desenho e seus desdobramentos.

 

4 – Você diria que o seu trabalho tem uma forte ligação com a fotografia?

Eu diria que meu trabalho opera tanto o olhar, quanto a própria fotografia. E nessa relação analógica, corporal e porosa com os espaços que habito, faço o desenho trabalhar com minha visão o espectro luminoso que a paisagem emana, e que forma em meus olhos a imagem de uma projeção, e essa projeção se opera pelo desenho como uma projeção de sentido sobre o que foi visto e digerido pelo pensamento.

Sinto que meu olho é importante neste processo, mas descobri que o corpo todo olha, que o corpo todo vê, então o desenho, nesse sentido, opera uma expansão sensível além de qualquer lente, expansão esta, que a imagem fotográfica, no meu caso, não consegue captar e me saciar tanto quanto a instabilidade do gesto gráfico –  o exercício de me abismar nesse descontrole do ver e do riscar, do traçar. Trabalhar os transbordamentos do olho diretamente sobre o suporte é o que mais interessa no desenho, na própria duração do desenho e na duração da atenção do desenhador, na possibilidade de vários olhares e retornos, e assim por diante, até a visualidade se colocar em duvida.

A fotografia, de algum modo, acompanha meus trajetos, participa de muito do registro desse ato de desenhar, e desse instante do olhar apressado sobre os lugares, onde não terei tempo de me debruçar, e aquela impressão luminosa e fugidia que o sensor digital capta, é, de alguma forma, uma gravura imaginária para o desenho se desdobrar posteriormente com o nosso olhar.

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