O artista Daniel Jablonski participa da exposição ARTE LONDRINA 5 – PELA ESTRADA E FORA. Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais sobre o processo e as referências da artista.

 

1 – COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Um trabalho sempre começa com uma ideia, mas é difícil dizer quando começa uma ideia. Procuro estar disponível a novas ideias e tomei o hábito de anotá-las de forma sistemática em cadernos que sempre carrego comigo. Elas ficam ali paradas, em geral, um bom tempo, até surgir a oportunidade de usá-las em alguma situação concreta, uma exposição, uma publicação, uma aula, etc. Daí eu volto ao caderno. É precisamente esse tempo transcorrido que determina quais ideias podem ser usadas naquele momento, quais ainda tem de esperar mais um pouco e quais, pelo contrário, tem de ser descartadas. Um ou dois anos após aquela anotação casual, eu já não sou mais a pessoa que “teve” a ideia; agora, sou quem vai executá-la. Se alguma coisa continua a fazer sentido passado todo esse tempo, ótimo. Agora é só fazer o trabalho.

 

2 – QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?

Minha aproximação ao campo da arte se deu de forma gradual, ao longo de alguns anos em que estive imerso em estudos acadêmicos, fazendo primeiro um mestrado em filosofia contemporânea e depois outro em história da arte. Talvez por estar habituado a pensar sobre esses assuntos por meio de questões mais gerais (ou genéricas), me é difícil listar nomes de artistas (ou teóricos) específicos. No entanto, essa mesma visão “distanciada” me permite destacar um grande número de obras cujo interesse reside em sua potência para iluminar problemas e processos distintos que vão além da trajetória de seus autores.

Em outras palavras, não tenho artistas ou pensadores, mas obras favoritas — tanto plásticas quanto literárias ou teóricas — que dizem respeito a temas que me são caros: por exemplo, Nadja (1927) de André Breton sobre a narração do cotidiano, Mitologias (1958) de Roland Barthes sobre a estruturação do mito moderno, Tentativa de esgotamento de um local parisiense (1974) de Georges Perec ou a série de pinturas de data Today (1966-2013) de On Kawara sobre a elaboração de metodologias de trabalho radicais, ou ainda o Álbum de fotos da família D, 1939-1964 (1971) de Christian Boltanski sobre o entrecruzamento entre o indivíduo e o coletivo, etc.

 

3 – O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Feliz ou infelizmente, quase todas as minhas leituras há anos tem sido feitas em função das aulas que tenho dado — até ano passado no Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, e atualmente no Ateliê Fotô e na Escola do MASP, em São Paulo — as quais vão desde teoria da fotografia até sociologia da arte, passando por história da arte moderna e contemporânea. Agora, por exemplo, estou relendo a Teoria da Vanguarda (1974) de Peter Burger, para pensar sobre a função das ditas neo-vanguardas que surgem a partir de meados dos anos 1950, recuperando algo do legado das ditas vanguardas históricas. Em paralelo, estou estudando atentamente o ensaio “Marcas da indiferença” (1995) do fotografo Jeff Wall, que saiu traduzido na última edição da Revista ZUM, do Instituto Moreira Salles. Às vezes leio ainda algo de ficção, mas tem sido raro. Li há pouco Solaris (1961), de Stanislaw Lem, que também acaba de sair em português em nova tradução.

 

4 – QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

Me chama a atenção aquilo que, para a maioria das pessoas, não chama a atenção. Com isso, não creio estar reproduzindo o velho clichê do artista cuja subjetividade transbordante vê “arte” em cada detalhe do mundo. Pelo contrário, a premissa de meu trabalho consiste em perguntar-me quando é que, diante de uma situação trivial do meu dia-a-dia, estou vivendo algo que não é simplesmente subjetivo. Minhas obras buscam por esse ponto de inflexão no qual a experiência vai além da mera anedota pessoal e passa subitamente a ter um significado potencialmente coletivo. Isso é, de cunho político, social, econômico e, por que não?, histórico.

Dou um exemplo: quando vou ao banco ou ao cartório, posso me relacionar com essa situação de modo afetivo, pessoal, isso é: e gostar ou não de estar ali. Mas posso também tentar pensar a mim mesmo na “terceira pessoa”, e perguntar-me: quem sou eu quando faço uma fila em um banco um em um cartório? Certamente não sou mais o Daniel, com sua subjetividade, seus gostos, suas memórias, mas um cliente de um sistema bancário ou uma firma em um registro geral. Quando faço filas nesses lugares, ou ainda no ponto de ônibus, eu não sou idêntico mas sou análogo aos que vão à frente ou atrás de mim. Nesse ou naquele ponto sou, literalmente, parte de um corpo coletivo.

 

5 – O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

Estou atualmente em um período de entressafras, naquele momento imediatamente anterior ao começo de coisas novas que, como sempre, terão um arco longo. Voltei portanto ao meu caderno de anotações e estou diante de um certo número de possibilidades diferentes: desde fazer um foto-livro relatando um assalto que sofri quando morei em Buenos Aires há alguns anos atrás, à uma exposição que investiga uma história de fraude burocrática na nacionalidade francesa de minha família, cometida por um parente distante no Líbano na virada do século 19 para o 20. Ou ainda, uma performance musical de longa duração em que gravo sozinho o disco que minha banda de adolescente não chegou a lançar há 10 anos atrás.

 

6 – QUE SITES VOCÊ COSTUMA VER?

É bom estar informado, e há fontes melhores e piores na internet, mas é preciso estar atento também à razão pela qual uma informação precisa ser substituída por outra já no minuto seguinte, e outra, e assim por diante: é que, sem um filtro muito bem delineado, elas não significam nada. Pelo menos na minha experiência, esses filtros ainda vem de fora da internet — vem de livros, de filmes ou ainda de situações cotidianas. Por isso, apenas complemento essas pesquisas com a internet, à procura de certas imagens, citações ou dados. Quando insisto em fazer o contrário e começo algo pela internet, a única certeza que tenho é a de estar perdido. Ou perdendo — tempo, na maior parte das vezes.

 

7 – QUE MÚSICAS VOCÊ OUVE?

Trabalhar ouvindo música foi, durante muito tempo, um objetivo na minha conversão do mundo acadêmico para o artístico. Enquanto me é absolutamente impossível usar o Word ouvindo música, posso fazê-lo tranquilamente utilizando programas de edição de imagem ou diagramação. Em música, independente do estilo em questão, sei imediatamente do que gosto e do que não gosto, mas infelizmente, não tenho o mesmo afã de pesquisa do que tenho em arte ou filosofia. Assim, por exemplo, quando abro um programa de música na internet, nunca sei o que colocar no buscador. Para não ouvir sempre as mesmas coisas — basicamente coisas dos anos 1960 e 70 —  peço que meus amigos façam seleções de seus discos favoritos e copiem no meu computador. A função “shuffle” faz o resto. Outro dia cai no disco psicodélico do Ronnie Von de 1969 e ouvi muitas vezes seguidas.

 

8 – QUE EXPERIÊNCIA(S) COM ARTE FOI IMPORTANTE PARA VOCÊ? 

Algumas experiências relativas ao funcionamento do mundo da arte foram marcantes para mim como, por exemplo, ver ao vivo um leilão da Christies em Nova York de obras do pós-guerra, com pessoas sussurrando ao telefone, outras levantando freneticamente bastões sinalizando suas ofertas, o todo marcado pela visão de enormes telões mostrando os valores das obras se multiplicando em várias moedas diferentes. Ou memória impactante, ainda que menos alarmante, foi uma visita a Galeria Tretyakov em Moscou, onde a cronologia clássica dos museus históricos produz um efeito surpreendente, com as obras do Realismo Soviético, basicamente retratos kitsch do Stalin, se sucedendo às obras das vanguardas suprematistas e construtivistas, de artistas como Malevitch, Popova ou Tatlin.

Para além dessas experiências pontuais, é a atividade de professor a que mais efeito tem sobre minha produção. Não que os temas sejam necessariamente afins, ou que a aula em si seja uma espécie de performance, mas uma atividade alimenta a outra. Penso que a possibilidade de seguir estudando, não mais para produzir teses que meia dúzia de pessoas lerão, mas para produzir aulas semanais, nas quais seu público está ali, interagindo, respondendo, pensando junto com você, é um privilégio para o artista. E não, como circula há muito em um mundo da arte elitizado, um fardo ou último recurso para aqueles profissionais que não obtiveram sucesso comercial em suas carreiras.

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