O artista Bruno Trochmann participa da exposição ARTE LONDRINA 5 – O TEU CORPO É LUTA com a performance Eu nunca conheci damasco. Enviamos algumas perguntas para que possamos conhecer mais sobre o processo e as referências do artista.

 

1 – COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Trabalhos que envolvem som costumam ter duas origens possíveis: experimentação com os materiais ou uma ideia/conceito. Geralmente os conceitos se mantém fixos, apesar dos resultados sonoros múltiplos, pode haver, no máximo, uma pequena alteração de equipamento (as vezes precisa de mais volume, menos volume etc…). Trabalhos gráficos são fruto de uma prática, sentar, fazer x desenhos e colagens, escolher os melhores, jogar fora os piores, organizar em séries. Todo trabalho sonoro acaba gerando trabalhos gráficos usados para divulgar ou expor a obra.

 

2 – QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUÊ?

Eu leio pouco de crítica de arte ou teoria da arte (por pouco, entenda nada), eu li muito o Edward Said, em especial o “Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente”. Eu gosto muito dele. “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais” de Bakhtin me marcou muito, essa noção de vitalidade do popular. “O queijo e os Vermes” do Guinzburg, o dentro do mesmo conceito. Na verdade eu sempre me incomodei um pouco com referências a este ou àquele autor nas artes visuais (em especial dentro da universidade) porque dentro das artes parece que é comum incorporar autores ao discurso de forma bastante rasa, apenas este ou aquele conceito para reforçar uma prática artística ou conceito. Então evito falar sobre o que não estudei.

Falar de artistas é complicado, eu me sinto mais influenciado por sons que por imagens, mas eu tenho pensando muito nesses: Philip Guston – desde que descobri o Guston, fiquei obcecado por ele. esse caminho inverso dele, de ir da abstração para esse imaginário meio quadrinho, meio cartum esquisito… É tão divertido. Não é leve nem bobo, mas tem alguma diversão no fazer e isso é muito importante para mim. Quando eu vejo uma imagem do Guston eu tenho a sensação de “uau, ele precisava fazer isso”.

Mahmoud Darwish – Darwish é um poeta palestino, talvez o mais importante, ocupando um lugar de grande renovador da poesia e também a grande voz poética da causa palestina. A primeira vez que li um poema dele foi devastador, era uma tradução e mesmo assim foi como se eu descobrisse ali todo um vocabulário, um idioma. As imagens dos poemas (porque sendo traduções as imagens são praticamente tudo que temos) criaram para mim toda uma nova forma de pensar, um lirismo combativo. O impacto foi tão grande que decidi absorver a temática da luta palestina de alguma forma nos meus trabalhos, do contrário seria no mínimo ingratidão.

Kim Gordon – O Sonic Youth foi minha porta de entrada para um mundo de som, de artistas que eu não conheceria de outra forma que não através deles. Essa atitude de comunidade praticada pela banda me influencia muito: como é possível fazer o espaço alcançado pelo meu trabalho se tornar também um espaço de outros ? Descobrir que a Kim Gordon era também uma artista visual. Foi um incentivo enorme para eu me dedicar à música e ao som enquanto ainda era estudante de artes e todos diziam que era um desperdício de tempo me dedicar às duas áreas. O trabalho de artes plásticas da Kim também me inspira muito, em especial uma exposição em colaboração com a Julia Koether para o qual ela criou um espaço com instrumentos e amplificadores que poderiam ser utilizados por outros artistas. Eu não consigo pensar em uma obra mais legal: um lugar para fazer shows sem ter que lidar com expectativas de público, donos de bares chatos e cerveja cara.

Arte russa pós revolução, de uma maneira geral, mas principalmente Rodchenko, Dziga Vertov, Maiakovski por criarem relações entre fotografia, cinema e palavra. O Vertov em especial, só foi se tornar cineasta porque não conseguia encontrar uma tecnologia suficientemente boa para gravar e manipular sons da vida real. Toda a sua obra é guiada pelo som. Se você ouvir as colagens sonoras do Khlebnikov sem saber a origem é possível que ache que foram feitas hoje. O cartaz do Rodchenko onde a moça grita uma palavra, talvez seja minha obra de arte favorita, eu penso nela sempre, é a capa de disco perfeita. Todo esse movimento próprio da revolução, tem ao mesmo tempo esses elementos de objetividade e pragmatismo próprios da arte militante e uma excentricidade e estranheza de um dadá romântico, sei lá.

Andy Warhol é incrível, muito profundo,  disfarçado de superficial. Acima de tudo ele parece um cara tão legal, acho que é o que mais gosto na obra dele, ele meio que criou esse caminho para o punk “faça você mesmo”, desde a estética do silk-screen, o artista-produtor. Warhol parecia se importar com as pessoas a sua volta, a usar a sua projeção para inserir os marginais em seus projetos.

 

3 – O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Teoricamente deveria estar lendo alguns textos para o mestrado, mas o ultimo livro que li foi Maus Bocados do Anthony Bordain (é bobo, mas eu adoro o programa dele) e The Philosophy of Andy Warhol do próprio Andy Warhol (esse sim é muito bom). Deveria estar relendo o Noise, Water, Meat do Douglas Khan para meu mestrado, mas tenho dois livros do Paul Bowles que acho que vou acabar lendo antes. E uma biografia de Lênin.

 

4 – QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

Difícil saber por onde começar… Está tudo pegando fogo né? Rojava, Chiapas, Donbas, Ramallah, Gaza, Damasco. Acho que o mundo chama a atenção.

 

5 – O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

Faço mil coisas em paralelo, mas no momento tem uma dupla de performances sonoras que registrei e estou tentando conseguir algum lugar para apresentar. Só depois de apresentar dá pra saber para onde vai. Além disso estou tentando finalizar 2 discos de projetos musicais diferentes, o Leila (meu projeto solo) e o Cama Rosa (uma banda com uma amiga). Também estou tentando registrar/diagramar 4 novas performances sonoras. Pelo menos uma vez por semana tento sentar e fazer alguns desenhos, pelo menos 8. Eu não tenho ateliê, e até uma semana atrás não tinha uma mesa, geralmente eu faço meus trabalhos depois que meu filho dorme, por volta das 22 horas. Assim tem dias que preciso escolher entre dormir ou trabalhar.

 

6 – QUE SITES VOCÊ COSTUMA VER?

Eu praticamente só uso internet no celular para ler textos ou entrevistas desde que tive um filho em 2014, e fica difícil ter tempo para ficar navegando. Eu acabo vendo muita coisa aleatoriamente pelo facebook. Tento sempre dar uma olhada em publicações de música como The Quietus e a Forced Exposure  e esses sites de artista/pesquisador tipo Monoskop e o Ubu Web.

 

7 – QUE MÚSICAS VOCÊ OUVE?

Escuto música o tempo todo, muita! Se não estou escutando, provavelmente estou pensando em música ou lendo sobre. Ou comprando discos. Ou tocando. Ou falando sobre. Música árabe, vietnamita, free jazz, punk obscuro, rembetika, viola caipira. Acho que posso dizer que escuto tudo que me pareça vital. É uma pesquisa caótica e eterna. Fisicamente eu coleciono especificamente discos de música árabe, discos do Sun Ra e discos de pós-punk, um escopo que tive que criar para regular os gastos.

 

8 – QUE EXPERIÊNCIA(S) COM ARTE FOI IMPORTANTE PARA VOCÊ?

Quando tinha 10 anos comecei a fazer aulas de desenho com a artista Vânia Mignone. Eu nem sabia que ela era uma artista até fazer 15 anos e escolher prestar artes visuais no vestibular por saber que não ia conseguir estudar. O trabalho dela me marcou muito, descobrir o trabalho dela. Até hoje quando vejo uma pintura dela que não conhecia fico impressionado, ela é minha artista favorita e uma grande amiga. Quando era criança, desde uns 8 anos, talvez menos, meus pais costumavam me levar sempre à Bienal de São Paulo, como se fosse um parque de diversões ou algo assim, não era nada intelectual, era um passeio de família. Eu não me lembro muito dessas bienais, mas eu gostava muito, a sensação desses passeios é algo que eu ainda sinto, passear por essas obras sem saber exatamente o que eram. Era muito legal, e às vezes até um pouco assustador.

Bruno Trochmann na DaP com a performance Eu nunca conheci damasco.

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