ENTREVISTA COM O ARTISTA GEOVANI CORRÊA

Geovani Corrêa é de Pelotas – RS e foi um dos 44 selecionados para o edital Arte londrina 3 com o trabalho: ELOGIO AO CANTO.
1. COMO UM TRABALHO COMEÇA?
Pelo corpo, pelas percepções desse corpo. Por não possuir um atelier, sinto como se meu corpo e o mundo fossem este atelier de possibilidades diversas que depende de uma relação intrínseca, construída e administrada para que exista ou se crie algum tipo sintonia. Com algumas extensões desse corpo realizo capturas, composições, edições, compartilhamentos de um trabalho (ex: câmera, microfones, instrumentos musicais, computador, internet).
Com o audiovisual tento compreender além das relações tecidas entre as duas linguagens – áudio e vídeo -, como é que a experiência com algumas paisagens reais – visuais e sonoras – motivam a criação de outras tantas paisagens digitais em minha produção.
2. QUE ARTISTAS OU TEÓRICO VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTE? POR QUÊ?
Por estar trabalhando atualmente com o audiovisual considero importantes para este momento os artistas-músicos-cineastas Cao Guimarães, O Grivo, André Severo, Nuno Ramos, Godfrey Reggio e Philip Glass, levando em consideração que deixo de citar outra grande parcela de artistas, importantes na minha formação, ligados a fotografia, a performance, a escultura, a instalação e intervenção urbana.
Sobre os teóricos, com questões relacionadas à percepção, a experiência, a construção de atmosferas e ambiências em paisagens visuais e sonoras, aponto Gaston Bachelard , Juhani Pallasmaa, Jorge Larrosa Bondía, Andrei Tarkovski, Michel Mafessoli, Murray Schafer, Pierre Schaeffer, Felix Guattari, Gilles Deleuze, Karina Dias, Hélio Oiticica e mais uma dezena de autores que trabalham com as relações tecidas entre arte, cotidiano, cultura, poética e estética.
3. O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?
Neste momento estou realizando a leitura de três livros: Jacques Aumont – O olho interminável; Sergei Eisenstein – A forma do filme, e Lucia Santaella – Matrizes da linguagem e pensamento: sonora visual verbal: aplicações na hipermídia.
4. QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?
Por estar em movimento e em constante observação é que acabo por encontrar as minhas paisagens extraordinárias. Elas sempre estiveram presentes, eu que não as havia visto, e neste momento de descoberta é que se tornam extraordinárias. Como um conceito que pode operar junto à ideia de momento/descoberta, paisagens extraordinárias se dão em fragmentos de tempo nos quais o corpo cria uma ponte entre os sentidos e o ambiente ao redor. Um intervalo para uma contemplação/fuga. É neste intervalo, na descoberta do trivial, que se faz presente a potência da experiência sobre os momentos em que conseguimos condicionar nossa percepção para um outro tipo de atenção.
5. O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?
Uma pesquisa acadêmica chamada Estado de Escuta, no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (Mestrado) na Universidade Federal de Pelotas. A partir de um canal no youtube e outro no soundcloud intitulados como Estado de Escuta disponibilizo e compartilho toda produção prática desenvolvida. Minha produção e pesquisa abordam o sonoro e o visual como linguagens e questões referentes a percepção, experiência, escuta, olhar, cotidiano, paisagens, temporalidade e espacialidade, e também as novas mídias e formatos de produção e exibição fora do circuito instaurado pelo sistema da arte.
6. QUE SITES VOCÊ COSTUMA VER?
Pela impaciência com a televisão, construo minha programação a partir de sites como o youtube, vimeo, soundcloud. Em grande parte são sites voltados ao audiovisual, outros somente a música, com os quais tenho autonomia e flexibilidade sobre o tempo e conteúdos que me interessam.
7. QUE MÚSICA VOCÊ OUVE?
A audição musical me acompanha nos últimos trinta e um anos. Como instrumentista, ocupa pouco mais de vinte anos da minha vida, seria mais fácil dizer o que não ouço. Diria que a música Experimental, ou a parte experimental de cada estilo que gosto é o que me fascina (ex: O grivo); o Jazz quase ácido (ex: Miles Davis); do inicio da Soul Music até suas ramificações no funk, r&b, blues, reggae, ska, rap (ex: Esperanza Spalding, Groundation); algumas dezenas de gêneros musicais latinos, africanos e europeus (ex: Salifkeita); o Rock progressivo e/ou psicodélico (ex: Pink Floyd); a sonoridade das orquestras, dos concertos , das composições voltadas para os instrumentos acústicos (ex: Arvo Part); a música brasileira, que é genial, pouco visitada, talvez minhas maiores referencias (ex: Egberto Gismonti, Milton Nascimento); e também, a cena musical pelotense e sua diversidade (ex: Vitor Ramil).
Essa pergunta aponta algo que beira o absurdo, o excesso, o vício, que inquieta e me faz procurar todos os dias uma música que nunca ouvi.
8. QUE EXPERIENCIA COM ARTE FOI IMPORTANTE PARA VOCÊ?
Quando o retorno das experiências são apontamentos de bons vícios, de hábitos que invisíveis cresceram e me trouxeram até aqui, noto que amadureço em milímetros de vida, a cada nova paisagem, cada novo som, cada nova ideia. Algumas coisas se reafirmam constantemente ao meu redor, passando a englobar meu próprio ritmo, serem meu ritmo.
O primeiro de alguns bons vícios está relacionado a minha primeira experiência perceptiva, que foi através da música. Tenho praticamente a minha idade em anos de audição musical, e em torno de vinte anos de contato com instrumentos musicais, aos quais tive dedicação e disciplina estudando o que cada um proporcionava as minhas necessidades.
Os responsáveis por estes vícios foram a minha vó, pai e mãe na infância, os amigos e o mundo pelo restante. No áudio e nas coleções de cd’s e vinis surgiram meus primeiros contatos, meus primeiros vícios, minhas primeiras experiências.
Outra parte interessante da infância e presente está nas centenas de fotos existentes em uma família de não fotógrafos. Pessoas que acompanharam, tiveram condições e acesso a câmeras fotográficas e revelação dos filmes. Então todo o passado era constantemente registrado e revisitado, como ainda hoje é possível. Álbuns variados, fotos variadas, pessoas irreconhecíveis, pessoas desconhecidas, pessoas esquecidas, fotos desaparecidas, apagamento de memórias inexistentes. Todas estas possuem memória, mesmo que deslocadas de si. Desse ponto é estranho ter nascido num momento em que se fez possível ter registros de uma vida toda. Hoje sou signos, símbolos de mim mesmo quando abro um álbum destes.
Acredito que estas experiências e compreensões são as grandes responsáveis pela convergência do sonoro e do visual em minha pesquisa, produção e poética. Noto que os entraves e os atravessamentos entre arte e cotidiano associados aos meus intercessores (Deleuze) formaram e autorizaram esta etapa em que me encontro.
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