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Vista da exposição “Raimundo, você está quando?” de Cláudio Garcia

 

Enviamos para ele algumas perguntas para que todos nós possamos saber mais sobre ele e sobre suas referências:

 

COMO UM TRABALHO COMEÇA?

Começa pela peregrinação. Peregrinando com emoção porque caso contrário, não tem graça.

Quis, um dia, a ilusão de acreditar no mito guardado em minha memória. Esta é o terreno por onde peregrino diariamente em busca desse mito que ainda nem se quer imaginei, mas sei que vou encontrá-lo.

Começo, então, diante das histórias pintadas na minha memória.

Nela sinto-me fora da realidade, livre do tédio e da falta de imaginação que permeia toda a população deste país. Pinto o Brasil de azul. O azul profundo, a cor que distancia a imagem e que me faz esquecer que estou diante de um plano chato e bidimensional. Chato por tantos motivos, mas elucido apenas dois: primeiro porque é plano como um muro, segundo porque tudo é muito chato, as cidades, as pessoas, as músicas excessivas, os latidos de cães etc. O primeiro é um adjetivo substancial, o segundo é só adjetivo.

O que somente me anima é trabalhar.

Começo o trabalho pela peregrinação por  todos os meus sentidos, desde os meus órgãos sensoriais até os sentidos abstratos e múltiplos que se dão a mim diariamente.

Começo, também, pela jornada matutina, a caminho do banheiro, antes, porém, abro a janela, vejo o azul e o rosa da alvorada. Sonho sempre com o palácio da alvorada – lugar sagrado e profanado desde o instante de sua inauguração. Anoto, então, um sentido mais intenso da palavra “chato”, mais real e concreto  do que esse palácio ao qual me referi. É o terceiro sentido, a saber, o de uma jornada longa e exaustiva feita por mim desde que nasci e que, ao acordar, repito-a todas as manhãs. O meu trabalho, na verdade, começa pelo meu nascimento, a origem de todos os meus despertares já vividos.

 

QUE ARTISTAS OU TEÓRICOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES? POR QUE?

Os artistas contemporâneos tão próximos dos teóricos, tão comentados e divulgados pelas “máfias” que produzem os eventos artísticos, são chatos. Embora, algumas obras deles surgem diante de mim de maneira agradável e me sinto intensamente extático, quando estou diante delas. Entretanto, os artistas que mais considero são: Volpi, Guignard, Goeldi, Vieira da Silva. Porque eles pintaram como quem tece e destece um manto sagrado e profano, à maneira da Penólope – mito grego – que tecia e destecia para enganar os seus pretendentes. Enquanto assim fazia, analisava a ida e a volta de seu marido, o velhaco Ulisses.

 

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Exposição “Raimundo, você está quando?” (detalhe)

O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

Basicamente dois filósofos: Edmund Husserl e Martin Heidegger e tantas obras que aparecem para suprir a minha ignorância diante da história da arte. Não gosto de textos de artistas. Prefiro a filosofia para pensar a arte. Mas quando me envolvo com a arte é do mesmo modo que a Penélope, só que sem a espera de um Ulisses, graças a Deus!!!!

 

QUE TIPO DE COISA CHAMA SUA ATENÇÃO NO MUNDO?

Água, árvores, terra, luz, silêncio, ar e fogo puros e frios.

 

O QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO AGORA?

Muita “coisa” que não caberia nesta resposta. Mas o meu trabalho de professor condensa tudo o que tenho feito. Pena que a maioria dos estudantes para os quais me dirijo não dão a mínima para o que eu preparo e chamo de “aula”. O que mais vejo são estudantes sentados, alheios à sala que preparo. A maioria chega como aqueles bonecos manequins em vitrines. Entra e senta à frente dos seus computadores ou celulares. Eu os vejo como se estivessem dentro de uma vitrine porque entre eles e mim existe um plano de vidro, há a tela de vidro do computador e do celular. O vidro das vitrines virtuais que nunca se atualizam. A cada dia que passa sinto um tédio mortal diante da maioria dos estudantes do Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina. A maioria é imatura, arrogante, ignorante, pretensiosa. Pensa que são artistas e no entanto não sabem que ser artista é uma condenação, é um aprisionamento, mas se iludem achando que vão encontrar o glamour de uma noite de abertura de suas exposições. Entretanto, estou animado para cumprir a minha peregrinação.

 

QUE SITES VOCÊ COSTUMA VER?

Não vejo sites. O sítio que mais me interessa é a paisagem que vejo no campo ao redor de Londrina quando ando de moto.

 

QUE MÚSICAS VOCÊ OUVE?

Raríssimas vezes escuto música. Alguns dias eu escuto as chamadas clássicas: Bach e coisas desse nível. Nunca se escutou tanta música como agora e nunca a ignorância foi tão grande. Os fones de ouvidos entorpecem esse estado de ignorância. Alguns chegam a usar constantemente um fone de ouvido como se ouvidos fossem orelhas. Quando na verdade há apenas um ouvido e dois orifícios, duas orelhas. Esses jovens com fone de ouvidos são os alienados de sempre, renascidos com nova tecnologia, que não compreendem o silêncio. Por isso, na maioria das horas de meu dia eu escuto o silêncio.

 

QUE EXPERIÊNCIA COM ARTE FOI IMPORTANTE PARA VOCÊ?

Quando em Londres, diante de centenas de pinturas, quadros, reencontrei a fé de infância que tinha ao imaginar as coisas para além da realidade na qual nascera. Lá ficava perplexo com as imagens antigas, sobretudo as do Antigo Egito. Os museus, às vezes, também, me entediavam como as igrejas nas missas de domingo que assistia em Flórida Paulista. Quando os quadros não me revelavam a imaginação criada nessas missas, seguia pelas salas dos museus sem olhar para os quadros até sair pelas ruas a caminho da Saint Paul’s Cathedral. Sempre a encontrava vazia. Lá dentro também enxergava a arte que vislumbrei nas missas de domingo na pobre igreja de Flórida Paulista. Nessa época, imaginava uma armadura de ouro descendo pelo altar alto e branco. É para ela que eu corria na esperança de usá-la. Enquanto a imaginava, esquecia o tédio mortal das missas proferidas pelos padres irlandeses. Em Londres, reconciliei-me com a igreja. Mas deixei tal reconciliação quando fui viver em Brasília, São Luís, Rio de Janeiro onde convivi com artistas que me ensinaram a prática de desenho diário. A mais importante experiência artística que já vivi. Esses ensinaram-me, também, a pintar constantemente, mesmo sem pincéis nas mãos, outros me ensinaram a gravar com o prazer de estar mediante dos processos alquímicos sem me importar com os resultados. Estes sempre alimentam e envaidecem os egos dos jovens artistas com fones de ouvidos e músicas que os deixam surdos e cegos. A experiência com arte vem do tédio das igrejas.

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